Cobertura

Arte contemporânea ao vivo nos últimos dias do Trema!

Dos portugueses com 'Feedback' a Renata Carvalho com 'Manifesto Transpofágico', festival chega ao fim neste domingo (1º), com apresentações gratuitas

TEXTO Márcio Bastos

29 de Abril de 2022

O artista português André Braga em 'Feedback'

O artista português André Braga em 'Feedback'

Foto Daniel Pina/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Encontrar um corpo-paisagem, que está inserido no todo e não que se coloca como centro dele, foi um dos pontos de partida dos artistas portugueses André Braga e Cláudia Figueiredo para criar Feedback, sua obra mais recente. Com direção artística de ambos, o trabalho é o primeiro solo de André em 23 anos, desde a criação da companhia CRL – Central Elétrica (antes, nomeada Circolando) e é apresentado nesta sexta (29) e sábado (30), no Teatro Hermilo Borba Filho, como parte da programação do Trema! Festival. Os ingressos são gratuitos.

Com uma pesquisa em dança contemporânea que é atravessada por diferentes linguagens artísticas, como as artes visuais, o teatro, a poesia e o vídeo, a companhia está em constante processo de transformação. Essa pulsação por mudanças se expressa não só no nome, mas também nas próprias obras, interessadas em tensionar lugares físicos e sensoriais. Com Feedback, eles dão mais um passo nessa caminhada, que já pôde ser observada pelos recifenses em 2017, quando apresentaram na cidade, também dentro do Trema!, o espetáculo Noite.

“O antigo nome, Circolando, tinha uma ligação ao circo que nas origens calhava de estar lá, pelas propostas, mas que já não fazia mais sentido. Temos um espaço no Porto, que é um espaço de criação, que congrega muita gente, e estamos cada vez mais interessados nesta ideia do encontro de artistas em pesquisa. Um amigo me disse uma vez que, de 10 em 10 anos, é sempre bom mudarmos de casa. Acho que vai um pouco por aí. Há 10 anos, fiz meu primeiro solo e me apeteceu voltar a experimentar sozinho em cena, ter mais tempo para criar, entender um corpo, um pensamento, ter mais espaço para pesquisar”, explicou André Braga em entrevista à Continente.


Foto: Daniel Pina/Divulgação

A criação de Feedback foi compartilhada por ele e Cláudia, com quem é casado e desenvolve seus projetos. Para ele, o trabalho se colocou como um desafio em toda sua concepção, pois propõe outras formas de estar no palco e de se relacionar com o público. O espetáculo estreou há um mês e o Recife é o quarto lugar a recebê-lo.

“Essa obra tem um desafio como intérprete: estar na presença, a voz, o som. Procurar a abertura. Meu objetivo de pesquisa era partilhar, mas não estar preocupado em agradar e convencer as pessoas pelo charme, não tentar seduzir ninguém. É uma dança mais seca. É uma viagem”, pontuou. “Queria criar a partir da verdade, como fazem poetas como Rui Nunes. Nossa vontade era chegar em um lugar mais de paisagem, de sentir o ar, a pulsação, o corpo, a terra, as plantas, e olhar para o tempo como olhas para a terra, com suas camadas e estratos”, reforçou.

Nesse sentido, o trabalho assume uma posição que não hierarquiza o intérprete, colocando-o em posição de igualdade com o som (executado ao vivo por João Saradas), as vibrações do público, com a luz. Nesse sentido, até a respiração é objeto de estudo, com outros sons captados ao vivo e trabalhados em cena. Não existe o entorno: tudo está dentro de Feedback. Para o artista, a pesquisa de corpo abraça a ideia de que existe uma ancestralidade não explorada, uma integração com o que veio antes e o agora que pouco se acessa.

“Assim como a terra, o corpo tem camadas que não conheces, não usas, que às vezes estão em lugares mais fisiológicos e, em outros, inconscientes. Então, nos propusemos a procurar uma forma também política de acessá-los. O capitalismo nos mete em um lugar muito normativo e que não nos permite acessar outros lugares ao longo da vida – e ela é tão curta. É uma pesquisa em volta disso, de deixar o corpo transpirar, esse lugar do corpo-paisagem, mental e física”, contou.

RETA FINAL
Em seu último fim de semana, o Trema! realiza ações no Recife e em Limoeiro, cidade que também integra o festival.

Nesta sexta (29), além de Feedback, a capital pernambucana é palco de Mystura tropycal, do No Barraco da Constância Tem (CE), encenado às 20h30, no Teatro Apolo. Formatado como uma grande festa, o trabalho referencia folguedos e tradições populares, mesclando ritmos e mitos para mostrar que a alegria e o desbunde também são posicionamentos políticos.

No mesmo dia, no Galpão das Artes, em Limoeiro, Plínio Maciel monta Loré, às 19h30. A obra é construída a partir do biodrama, com as memórias e vivências do ator utilizadas como material dramatúrgico. Ele revisita lembranças de sua infância na cidade de Surubim e em outras passagens da vida, entre elas a chegada da pandemia, em março de 2020.


Mystura tropycal, do No Barraco da Constância Tem (CE).
Foto: Bernardo Lacerda/Divulgação

No sábado (30), em Limoeiro, Gabi Holanda apresenta o espetáculo de dança contemporânea Sopro d’água, às 20h20, no Galpão das Artes. No Recife, o grupo NoBarraco da Constância Tem apresenta um segundo trabalho, Delirantes malsãs, às 16h, no Parque Dona Lindu. A obra utiliza o espaço público como um campo de congregação de desejos, memórias e lutas, utilizando-se da música e da dança. 

Também no local, mas desta vez dentro do Teatro Luiz Mendonça, Renata Carvalho encena Manifesto Transpofágico, às 18h. A peça marca o retorno da atriz ao Recife, após os episódios de censura do qual foi vítima com o trabalho O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu, em 2018. O espetáculo tem outra apresentação no domingo (1º), encerrando o festival.


Cena de Manifesto Transpofágico. Foto: Nereu Jr./Divulgação

Toda a programação do Trema! é gratuita, com retirada dos ingressos uma hora antes das apresentações. Acompanhe nossa cobertura AQUI e no Instagram da revista Continente.

MÁRCIO BASTOS, jornalista e mestrando em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.

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