FOTOS MARCELO SOARES
11 de Fevereiro de 2018
Diomedes Chinaski e Luiz Lins mandaram o recado em show potente
Foto Marcelo Soares
Representatividade foi palavra de ordem na primeira noite do Rec-Beat 2018. As cinco atrações do sábado (10/2) – DJ Ipek, Ana Muller, Daniel Peixoto, Diomedes Chinaski e Luiz Lins, e Mc Tocha – levaram ao Cais da Alfândega, no Recife, além de pessoas que sempre incluem o palco em sua programação carnavalesca, públicos bastante familiarizados com as músicas e os artistas em questão.
A localização do Rec-Beat tem sido há 14 anos no Cais da Alfândega e isso contribui para uma vista privilegiada do Bairro do Recife, incluindo o Rio Capibaribe, além do suporte que o Paço Alfândega dá aos foliões durante os quatro dias de Carnaval, pelo menos até uma parte das apresentações (22h). Muita gente utiliza o Paço para se alimentar, utilizar os banheiros ou como área de descanso ao longo dos shows.
Voltando para a área do palco, a abertura da noite ficou por conta do som instigado da DJ Ipek, que vive entre Berlim e Istambul. Com setlist que mescla eletrônico, numa pegada psicodélica, às influências da música dos Balcãs e do Oriente Médio, ela fez, desde o início, o público presente dançar, enquanto muitos ainda chegavam ao Cais da Alfândega. Ela que é certamente desconhecida de boa parte do público, mas integrando a playlist dos fãs de break beats & pop e Berlin electro. Com a atração internacional, o Rec-Beat seguiu cumprindo, nesta 23ª edição, o papel de trazer atrações para além do que o público deseja, papel este de formação. “Não a conheço, mas acho que a vibe está muito forte e contagiante. Pretendo vir outros dias porque a gente já confia na programação”, afirmou Filipe Moura, fã do rapper Don L (atração deste domingo, 11/2), enquanto se divertia com os amigos.
DJ Ipek. Fotos: Marcelo Soares
A discotecagem do DJ Rafoso Seletor, pesquisador da cultura e da música afrodiaspórica, durante os intervalos dos shows, também contagiou a galera. A escolha da curadoria do festival com Rafoso costurou toda a programação do dia com um set que passava, desta vez, pelos ritmos de matriz afro. A jornalista Surama Negromonte lamentou não ter ido para Olinda pela manhã, mas optou por curtir as atrações do festival no primeiro dia: “O Rec-Beat é um palco que a gente se identifica bastante. A gente sempre curte a programação”.
A artista capixaba Ana Muller entrou animadíssima e foi possível observar como os fãs da artista cantavam junto com ela a maioria das músicas. Menos uma, a inédita É tanto amor, que estará no seu próximo disco. Mais uma vez, artistas como Ana são exemplos de como a internet é alternativa de circulação e publicação de nomes independentes da cena musical. No caso dela, o começo foi gravando vídeos de suas canções autorais dentro do próprio quarto. “Foi incrível a sensação de tocar no Rec-Beat. É a primeira vez que eu vejo de perto o Carnaval de Recife. Sempre soube que era maravilhoso, mas estar em aqui em pleno Carnaval com esse público, eu tenho muita sorte, sabe? O público do Nordeste é muito caloroso. Você viu ali”, disse Ana em entrevista à Continente.
Ana Muller. Foto: Marcelo Soares
O representante de Fortaleza na programação da noite, Daniel Peixoto não deixou ninguém ficar parado. Com repertório majoritariamente do seu disco Massa, com influências de reggae e dub, também incluiu alguns funks “clássicos” e do anterior Montage na apresentação. Pelo êxtase no Cais da Alfândega, o público gostou. Antes do show, Daniel conversou com a Continente e adiantou o que estava por vir: “O disco, como o show, tem três momentos, o momento pop, mais puxado pro eletro, o momento rock n’roll e o momento reggae”. E foi bem nessa versatilidade que ele surpreendeu o público, tornando o show imprevisível.
Daniel Peixoto, de volta ao Rec-Beat, agora em nova fase.
Foto: Marcelo Soares
RAP, BREGA, FUNK
Ao longo do passar das horas, o fluxo de gente não parava de crescer, assim como a animação. O ponto alto da noite foi o show do rapper Diomedes Chinaski, de Paulista (PE), e Luiz Lins, natural de Nazaré da Mata (PE). O repertório do show mesclou músicas de cada um dos artistas – ressalva para a belíssima e necessária Ouro, de Diomedes –, e mais uma vez o público cantou e chegou junto do palco.
Com letras e discursos de representatividade, questões como negritude e a atual situação da política no Brasil – e principalmente, como isso interfere na vida das pessoas –, eles e o público ocuparam todos os espaços com seus versos. As projeções com intervenções em fotos de políticos racistas e homofóbicos também levaram a galera ao delírio, além de imagens de mulheres negras como Nina Simone, Elza Soares, Beth d'Oxum e até MC Loma. Neste momento, estava no palco uma convidada especial do show, Negrita MC, rapper que emocionou pelo discurso e canto. E assim seguiu a apresentação até o fim.
Público no show de Diomedes e Luiz Lins do Rec-Beat 2018.
Foto: Marcelo Soares
“Esse repertório não é pensado para homenagear nenhum disco, é pensado para um espetáculo. Envolve músicas de vários discos. É um repertório feito pelos que fazem rap, mas não querem apenas se rotular como rapper e almejam algo maior na música brasileira”, soltou Diomedes em entrevista ao vivo à Continente. Outro ponto falado foi a importância de artistas da cena hip hop estarem ocupando os festivais. “A questão de ser do interior realmente é um peso. Tanto é que eu tive que sair do interior, fazer esse êxodo para cá, para poder trabalhar melhor e tal. Para mim, tudo é sempre muito grandioso, muito incrível porque eu não tinha expectativa nenhuma sobre o meu trabalho. Eu faço porque realmente amo o bagulho. Não tinha grandes expectativas e hoje estou viajando, estou aqui hoje. Quando um artista do interior, um negro de periferia que tipo tá tudo contra, quando algo vai ser a favor? Quando algo é a favor, a gente vê que é gratificante”, afirma Luiz Lins, que cantou sobre isso na faixa Escama:
Nego de moto Escama
Nego de prata Escama
Nego no poder Escama
Eu sou tipo Barack Obama
A polícia odeia a Escama
Esses caras odeiam a Escama
Pe Squad na casa fazendo fumaça
Meu bonde na caça da grana
Eu sou tudo o que vocês quiseram ser e não são
E o que vocês não conseguiram fingir que são
Falam sem convicção, mas eu vi que são ficção
Fique são que se pagar de doido a gente faz balão
Aqui é sempre São João, negos a prova de balas
Público nos intervalos dos shows de sábado do festival. Foto: Marcelo Soares
E por falar em "escama" (só de peixe), uma das atrações mais esperadas da noite, que fez a galera dançar bastante, foi MC Tocha, o representante do brega-funk que nunca esteve no festival. Já abriu com um dos hits desse Carnaval, Que tiro foi esse?. “Show para cima, balance total. O que a gente costuma mostrar aí dentro das periferias de Norte a Sul”, nos disse Tocha, pouco antes de o show começar.
Com repertório para não deixar o público parado, o artista cantou acompanhado de bailarinas e bailarinos. Sobre a inclusão do ritmo no festival e a interação entre o rap e o brega pernambucano, Diomedes Chinaski falou: “Antes mesmo de pensar em dialogar com o rap, a gente já dialogava com o brega sem saber, porque todo rapper de Pernambuco, mesmo que ele não queira admitir, é influenciado pelo brega, porque o brega é a cultura máxima de Pernambuco. Então, o meu contato com o brega é muito anterior ao rap. E o rap, por mais que seja muito grandioso para mim, ele não vai ser grandioso como o brega é para mim. Da mesma forma que o rap é grandioso para um americano, o brega é grandioso para nós. Com o brega, na verdade, a gente está sendo natural porque a gente é isso, a gente consome isso”.
O balance de MC Tocha. Foto: Marcelo Soares