O PARADOXO DA INTIMIDADE PÚBLICA
Trouble (Estados Unidos/Inglaterra, 2019), de Mariah Garnett, Visão noturna (Chile, 2019), de Carolina Moscoso Briceño, e A metamorfose dos pássaros, de Catarina Vasconcelos, são percursos que se cruzam. No Brasil de 2020, não por acaso, tornaram-se vias de uma encruzilhada lapidada pelo Olhar de Cinema. Aliás, se fôssemos partir da fresta de imaginação que uma encruzilhada é capaz de suscitar, teríamos quatro possibilidades de direção – uma para cada filme, a outra para nós e nossa contemplação.
Uma cartografia geográfica, com a mesma precisão com que os seis filhos de Beatriz e Henrique desenham a lua ou o mar em A metamorfose dos pássaros, pode ser tracejada entre as três obras; seria um diagrama ligando Carolina e a sua revisitação de um estupro sofrido nove anos atrás a Mariah e a sua investigação sobre a história do seu pai, a quem passou 25 anos sem ver, e também a Catarina, que reconta a vida da sua família a partir da história de amor entre os avós, os tais Beatriz e Henrique, e as dores e perdas que acontecem, a morte do único Deus sem descrente na Terra, a mãe, em um tecido no qual fulgura também a trajetória de Portugal.
São elos que se acentuam na forma – os três filmes ostentam, por exemplo, textos escritos na tela como uma parte da narrativa que se destina apenas ao olhar. Não são lidos em off, e sim postos lá como vislumbres do estado de espírito por trás de determinada cena. E são elos que se acentuam no magma de que se constituem esses filmes. Se Trouble e Visão noturna, que mais utilizam o recurso da narração escrita na tela, são documentários e como tal estiveram em festivais como CPH:DOX e FiDMarseille (onde a produção chilena levou, inclusive, o grande prêmio da competição), A metamorfose dos pássaros é uma fábula, um conto de amar e ninar ou ainda um poema visual sobre falta da mãe.
Em determinado momento, Catarina, a diretora que também é personagem, interpretando o papel de si mesma, se dá conta de que ela e seu pai partilham a mesma tristeza: “Quando a minha mãe morreu, eu e meu pai nos encontramos na ausência da palavra ‘mãe’”. O ato de se projetar para dentro da narrativa se repete em Trouble e Visão noturna, ambos os filmes a se deslindar em primeira pessoa. Em Visão noturna, Carolina reconta a violência sexual do crime de que fora vítima, o modo como reagiu, e de que maneira não conseguiu levar adiante os ritos processuais, mas também fala de como seu pai foi buscá-la na praia onde tudo acontecera e como riram, no carro, quando seu pai partilhou uma história tão terrível quanto a sua.
Still de Visão noturna. Foto: Divulgação
Em Trouble, Mariah viaja de Los Angeles até Viena para se encontrar com David Coleman, seu pai, e ao indagá-lo sobre um filme produzido na Irlanda do Norte nos anos 1970, sobre o amor “shakespereano” entre David, um protestante, e Maura, uma católica, descobre que a vida do seu pai mudou a partir daquele conjunto de imagens. Ele saiu do seu país e nunca mais viu ninguém da sua família. Imbuída do desejo de rastrear – essa história, sua origem – ela vai a Belfast e lá personifica seu pai: o que vemos é uma desconcertante, criativa e bem-humorada performance em que Mariah encarna David, emulando seus trejeitos, dublando os depoimentos dele que havia gravado, enfim, sendo aquele pai ausente, do qual ela tanto anseia em se aproximar, ao mesmo tempo em que escala uma atriz trans para viver a sua mãe.
É um jogo de cena que nos remete às possibilidades de reinvenção que o cinema e a vida nos dão. Visão noturna e A metamorfose dos pássaros também nos levam a isso - novas oportunidades e o paradoxo de uma intimidade, algo tão pessoal, que no entanto também se denota público quando transformado em filme e, assim, em um fio na teia das histórias coletivas. Ver Visão noturna na mesma semana em que um tradicional clube de futebol brasileiro contrata um ex-jogador condenado em primeira instância na Itália pelo estupro coletivo de uma mulher de origem estrangeira, que estava alcoolizada e incapacitada, pois, de consentir ou reagir, nos dá a certeza de que aquela história, costurada com a singularidade de Carolina, é, no entanto, e infelizmente, universal.
O mesmo pode se dizer das incursões pelo passado colonial e pela ditadura lusa que Catarina insere na costura afetiva do seu filme. Ditadura é algo que nós, brasileiros, conhecemos, e passado colonial é repartido entre tantas outras nações ocidentais. Mesmo a perda da mãe, essa árvore que nos nutre e nos sustenta, é uma passagem recorrente na vida das pessoas (e a própria Catarina diz, em determinado momento do rico e profundo texto em off que dá esteio a seu filme). Mas é único o seu filme, certamente um dos magistrais trabalhos de 2020, este que faz uma bandeira, como um estandarte, dos olhos de uma mãe ausente, que toma emprestadas palavras da escritora brasileira Noemi Jaffe e do clássico Moby Dick, de Herman Melville e que fabrica sequências a pender entre a beleza de uma saudade fantasmagórica e a melancolia paradoxalmente revigorante da natureza.
A metamorfose dos pássaros: o nascimento da diretora. Foto: Divulgação
Nas obras de Catarina, Carolina e Mariah, o cinema do âmago e do íntimo se agiganta ao se amalgamar naquilo que nos constitui humanos: amor, perda, luto, ausência, raiva... "Sempre que não se lembrares, inventa", sussurra uma das vozes da terna polifonia de A metamorfose dos pássaros. É isso o que as três realizadores nos lembram: recontar, inventar, recomeçar.
POLÍTICA NOSSA DE CADA DIA
Victoria (Bélgica, 2020) tem direção de três realizadoras belgas - Sofie Benoot, Liesbeth De Ceulaer, Isabelle Tollenaere – e emergiu da competição com um prêmio especial do júri. Não que precisasse do farol da premiação para sobressair: só bastaria a voz de Lashay T. Warren, seu protagonista e condutor, que se muda para California City, cidade planejada para atrair milhares ao oeste do estado homônimo, mas que hoje se espraia pelas planícies desérticas com poucos habitantes.
Esse é um documentário de jornada íntima, um diário filmado nas ruas demarcadas no deserto do Mojave, mas que ressoa do ponto de vista muito pessoal para ecoar questões maiores. Lashay, afinal, é um negro, a viver entre 2016 e 2017, em um projeto urbano pensado por um homem branco muitas décadas atrás; ele persegue um sentido para a vida a partir do seu deslocamento para aquela cartografia do fim do mundo.
Victoria levou o prêmio especial do júri. Foto: Divulgação
Mas é ali, naquela imensidão, que Lashay se apropria da sua própria história e passa a compilá-la no diário que desemboca em Victoria (o nome que ele, por fim, resolve dar àquele lugar inóspito onde está assentado). Ele age, e não apenas reage. Nesse sentido, sua jornada se assemelha à de Saulo (Lucas Limeira), o protagonista de Cabeça de nêgo (Brasil, 2020), o primeiro longa-metragem do cineasta cearense Déo Cardoso. Sim, são filmes em espectros em tese opostos – um documenta, outro ficciona – mas um dos deleites de cobrir festivais de cinema é justamente cascavilhar possibilidades de familiaridade entre tudo que se vê.
Aliás, Cabeça de nêgo e um outro filme cearense, Pajeú, de Pedro Diógenes (na mostra Novos Olhares, eleito o melhor longa-metragem brasileiro do festival), trafegam nessa vida da política nossa de cada dia, por calçadas bem distintas, é fato, mas a nos lembrar que um só indivíduo é capaz de alterar as engrenagens do sistema. No primeiro, da mostra Olhares Brasil, quando Saulo, que integra o grêmio estudantil de uma escola pública e é fã dos Panteras Negras e de Angela Davis, é chamado de “macaco” por um colega e reage com o vigor que tal ofensa pede, sua recusa em obedecer se torna o melhor modo de revide. Ele fica na escola, ocupa aquele espaço, faz vídeos a denunciar o descaso na alimentação ou os livros vencidos e nunca usados e engendra uma sequência de eventos que não terá mais volta.
Saulo age, e não apenas reage. Cabeça de nêgo nasce também da vivência de Déo (“professor universitário de faculdade particular, ou seja, um trabalho precarizado”, como diz à Continente) e desemboca em um desfecho violento com a participação da polícia, em algo correlato ao que acontece no Brasil ou nos Estados Unidos, tanto em #vidasnegrasimportam com em #blacklivesmatter. “Desde a primeira versão do roteiro, havia aquele conflito final, pois, no Brasil, tudo que a gente faz de forma coletiva, que venha propor qualquer mudança decisiva, como o fim da corrupção ou a justiça racial, tem o mesmo fim: a polícia chegando e piorando a situação”, observa.
Lucas Limeira vive Saulo em Cabeça de nêgo. Foto: Divulgação
Pajeú se alicerça em uma estrutura distinta da de Cabeça de nêgo, porém institui uma mesma construção arquetípica: uma pessoa (ali, Saulo, agora a professora Maristela, vivida por Fatima Muniz) a se insurgir contra um status quo. Se no filme de Déo Cardoso, esse “status quo” é o racismo estrutural, o descaso com a educação pública e a violência policial, na obra de Pedro Diógenes o estatuto a ser confrontado é o esquecimento. O apagamento. A cidade de Fortaleza nasce no riacho cantado por Luiz Gonzaga (“riacho do navio, corre pro Pajeú, o rio Pajeú vai despejar no São Francisco, o rio São Francisco vai bater no meio do mar”), mas onde está esse riacho agora?
Um monstro, um orixá, uma criatura se imiscui defronte a Maristela, no que é o ponto de partida e talvez seja um dos aspectos mais interessantes de Pajeú – o mistério, o desconhecido, o monstruoso que pode existir dentro de um organismo vivo e mutante como uma cidade. Sua saga para averiguar sobre o riacho e, como consequência, sobre a própria cidade a leva a um confronto com o “medo de sumir”. Porque, afinal, se a própria origem de uma metrópole pode desaparecer, por que não uma mulher?
Nardjes A. (Argélia/França/Alemanha/Brasil/Catar, 2020) evoca também a luta particular de uma mulher – Nardjes Asli, a argelina do título – para estar, em corpo presente, em um protesto contra o presidente Abdelaziz Bouteflika. Neste documentário, o cineasta Karim Aïnouz, ele mesmo um brasileiro de origem argelina, aparta-se do seu desejo originário – fazer um filme sobre seu pai, um argelino, depois de registrar refugiados em Aeroporto Central (2018) e construir uma pérola ficcional sobre duas irmãs que se afastam em A vida invisível (2019) – para acompanhar Nardjes ao longo de um único dia. Coincidência, ou não, o dia é o 8 de março, dia internacional da mulher, de 2019, e nele a câmera de Juan Sarmiento radiografa as relações pessoais, as centenas e milhares de pessoas que deságuam num protesto, os cânticos que mais se assemelham aos hinos de estádios de futebol.
Documentário de Karim Aïnouz se passa em um único dia. Foto: Divulgação
“Durante muito tempo, era só no estádio que os argelinos tinham o direito de protestar contra o governo”, explica Nardjes. O ritmo deste filme de Karim é frenético, pois segue o curso da manifestação; ora explode com a cantoria em uníssono, ora diminui a marcha quando tudo acaba e a preocupação pela saúde dos amigos acossa a protagonista e, portanto, a tela inteira. “Um só herói, o povo”, estampa um cartaz. Nardjes A traz a urgência da necessidade de ocupar as ruas – no caso das argelinas, impedir que Bouteflika emendasse um quinto mandato –em um momento no qual sofrem as democracias, ao redor do planeta. É um chamado.
O mesmo se pode dizer, em escala de estridência menor, de Nasir (Índia/Holanda/Cingapura, 2019), uma produção asiática que estreou no Festival de Rotterdam, em janeiro, e estava na competição. Uma realização minimalista: planos restritos a detalhes como as mãos, os pequenos gestos do cotidiano, o ritual de se alimentar e rezar. Nasir (Koumarane Valavane) trabalha em uma loja de tecidos em uma cidade da Índia. Sua mulher viaja, ele se preocupa com o filho adotivo, reencontra velhos amigos enquanto mentalmente escreve cartas para seu amor e recita suas poesias. “As pessoas já fazem chamadas de vídeo, Nasir, e você ainda envia cartas”, reclama uma companheira de trabalho.
Sente-se um sopro de Paterson (2016), de Jim Jarmusch, no viés de que se trata de um homem comum, cheio de obrigações, tentando respirar e alimentar sua subjetividade em meio a um universo que parece não ser mais capaz de contê-la. Porque ele é muçulmano e, ante uma escalada de intolerância religiosa, pressente que há uma ameaça ao seu lugar naquele estado de coisas. A pergunta que o filme de Arun Karthick nos faz é: e se há essa ameaça, insidiosa e nem sempre apreensível, e ainda voltada a quem, como Nasir, não acalenta o mal, conseguiremos dela escapar?
Uma cartela de Letra maiúscula. Foto: Divulgação.
VESTÍGIOS DA DOR
Radu Jude é um dos cineastas mais versáteis e interessantes da Romênia. Três dos seus filmes produzidos de 2015 para cá (Aferim!, Corações cicatrizados e o incrível Eu não me importo se entrarmos para a história como bárbaros) passaram nas edições da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mas coube ao Olhar de Cinema trazer seu mais recente longa ficcional, Letra maiúscula (Romênia, 2020) - a 44a Mostra vai exibir o documentário The exit of the trains, documentário que ele codirige com Adrian Cioflâncã e que foi exibido em fevereiro na Berlinale.
Letra maiúscula mescla a linguagem audiovisual com as artes cênicas (algo que está explicitamente imbricado no conceito de Eu não me importo se entrarmos para a história como bárbaros) para evocar a história de Mugur Calinescu, um jovem que, em 1981, resolve protestar contra o ditador Nicolae Ceauşescu. O que ele faz? Risca uma cerca com inscrições em “uppercase prints”, as letras maiúsculas do título. A polícia secreta vai atrás dele, claro. O ato rebelde, esmagado com furor pelas engrenagens da repressão, vira ainda mais relevante a partir do olhar de Jude, que lança mão de várias estratégias para falar, mais uma vez, da história recente do seu país.
Então vemos e acolhemos uma estranheza na narrativa salpicada por esquetes, ora como se fossem apresentadores narrando o caso, ora o próprio Mugur a fala, e entremeada por antigos comerciais ou propaganda do regime comunista. Chega a ser bizarra a sucessão das cenas, de tão desconexas que parecem, mas há uma lógica por trás, e ela não é aleatória em plano algum, pois bizarra era a situação de Mugur e milhares de outros: ali se fala de um momento da Romênia em que opositores eram massacrados e em que o horizonte parecia se resumir a “defender o país”.
É o cinema como lupa para reavaliar a História recente e digerir esses vestígios de dor sem tentar explicá-los, pois há muito que não passível de explicação. Uma sensação similar se apreende com Longa noite e Na cabine de exibição, respectivamente, dirigidos por Eloy Enciso e Ra’anan Alexandrowicz. No primeiro, a acepção literal do título se depura desde os primeiros planos: Anxo (Misha Bies Golas) volta à pequena cidade onde nasceu depois de sumir durante a Guerra Civil Espanhola. Estamos na Galícia, em que o espanhol se funde ao português e cria um efetivo “portunhol”, o que agudiza a atmosfera de acerto de contas - de Anxo com o passado, daquelas pessoas com quem ele irá deparar, da região com o passado sob o jugo de Franco.
Cena do filme espanhol Longa noite. FOTO: Divulgação
Anxo caminha, outras pessoas entram em cena, há uma mulher que recorda a tortura e a derradeira interação com uma amiga na prisão, outros homens e mulheres passeiam abraçados a palavras, trechos de livros, excertos de cartas, ou seja, lastreados em um manancial a partir do qual Enciso joga essa luz em uma era de sangue, perseguição e fascismo. Em uma cena que transcorre no interior de um restaurante, enquanto homens de meia-idade esperam seus pratos e conversam, em tom de amenidades, um dos senhores afirma: “Os ricos foram postos nesse mundo para trazer alguma ordem”.
O aspecto do capital entra em jogo na Na cabine de exibição, não na premissa de que deriva o filme – o realizador convida Maia Levy, uma judia norte-americana, para ver uma coleção de vídeos feitos na Faixa de Gaza ou nos territórios palestinos ocupados pelas forças militares de Israel e disponibilizados na internet – mas sim na desigualdade que se intui do material que abastece Maia, e por tabela, a nós da audiência. Ra’anan não conhece aquela espectadora, ela também não o conhece, e eles se falam por meio de um microfone, como se ele estivesse no controle mestre de um estúdio televisivo, uma voz onipresente que conduz Maia a consumir imagens em que soldados de Israel tripudiam de palestinos, dançam, invadem casas com crianças pequenas.
É um documentário de dispositivo: um monitor, várias imagens, alguém para decodificá-las a partir de seu próprio repertório, um realizador a orientar a experiência que se passa ali. Entretanto, no início e no fim, o plano de uma câmera a nos mirar lembra que também nós estamos no lugar de Maia, a analisar aquelas imagens e sentir o que elas causam em nós. Que empatia podemos reter? Em que divergiremos do que pensa Maia? Ou mesmo do realizador, ele também israelense?
Por fim, em O que resta – Revisitado (Alemanha, Áustria, Bósnia-Herzegovina, 2020), a realizadora Clarissa Thieme fisga a memória e a fotografia como tentativa de eternizar o presente e, anos à frente, ressurgida como uma imagem-documento em fricção com as marcas do tempo. Dez anos atrás, os letreiros iniciais nos informam, ela esteve em lugares no território bósnio sangrados pela guerra de 1992 e 1995. Fotografou, filmou um curta-metragem (O que resta), deixou o material decantar...
Imagem do documentário O que resta/Revisitado. Foto: Divulgação
Uma década depois, volta com essas fotografias impressas em uma espécie de lona, ou tecido, e reaparece em praças públicas, pátios, mercados para garantir um novo registro: a sobreposição das duas imagens – a fotografia antiga e o plano cinematográfico do agora – e, assim, a acúmulo de camadas de tempo. O tempo engendra mudanças, reconfigura o traçado, mas o que lhe interessa, nesses enquadramentos estáticos, é a conexão que se forja com as pessoas que estão ali.
Conhecemos gente que sobreviveu por acaso e gente que hoje já nem recorda o que ali houve. Pessoas preocupadas em apontar que o muro de tal casa está pintado de outra cor, outras que entabulam uma conversação sobre o que, de fato, resta revisitado. Um senhor aponta para as modificações que a sua propriedade sofreu, e as lista com serenidade, mas depois diz à diretora: não importa o que mudou, o que ainda fica, porque aquelas pessoas não voltam mais. Quem morreu, não volta. E não está aqui.
É disso também que trata Longa noite, Na cabine de exibição e Letra maiúscula: do que já não está mais aqui. Do que se esvaiu pela guerra, pela violência, pela opressão... O que até hoje nos assombra, contudo deve ser lembrado. Da memória que fica e deve ser adubada. Da importância de resgatar as atrocidades de um passado recente para que não se repita. Temos, afinal, o dever de não esquecer. Lembrar é resistir.
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LUCIANA VERAS é repórter especial da Continente e crítica de cinema.