Reportagem

Fazendo a ‘Vida invisível’

Como o livro da pernambucana Martha Batalha virou o melodrama tropical do diretor cearense Karim Aïnouz e o filme brasileiro com a mira no Oscar

TEXTO LUCIANA VERAS

11 de Outubro de 2019

Julia Stockler como Guida em 'A vida invisível'

Julia Stockler como Guida em 'A vida invisível'

Foto Bruno Machado/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 226 | setembro de 2019]

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A primeira vez em que ouvi Karim Aïnouz falar sobre A vida invisível foi na Alemanha. Estávamos os dois sentados numa mesa no café do CineStar, conjunto de salas de exibição localizado no Sony Center, uma das janelas difusoras do Festival Internacional de Cinema de Berlim. Era fevereiro de 2018 e ele mostrava o documentário Zentralflughafen Airport THF (posteriormente vertido para o português como Aeroporto Central, mas ainda inédito no circuito comercial do Brasil). Tendo visto o filme na Panorama, mais relevante mostra da Berlinale depois da competição, eu havia pedido um horário com o cineasta de ascendência argelina e certidão de nascimento do Ceará, a quem já entrevistara diversas vezes desde 2002, ano de seu primeiro longa-metragem, Madame Satã.

Transcorreram 40 minutos de conversa e algumas formulações sobre os elos entre seu documentário acerca de dois refugiados a habitar um antigo aeroporto construído por Adolf Hitler e suas produções ficcionais, como O céu de Suely (2006) e Praia do Futuro (2014). Ao término, indaguei a Karim o que filmaria a seguir. Ele me contou que viria ao Rio de Janeiro para rodar uma adaptação do romance A vida invisível de Eurídice Gusmão, livro da escritora pernambucana Martha Batalha que o realizador assim descrevia: “É a história de duas irmãs da década de 1950, em que uma vira mãe solteira, a outra vira dona de casa, e é uma tentativa de criar uma micro-história da mulher brasileira através do cinema. O que era a experiência feminina e o quanto a sociedade patriarcal abafava e afogava tudo isso”.

Já naquele momento, 13 meses antes de ser agraciado com o prêmio principal da Un Certain Regard, segundo braço mais importante do Festival de Cannes, ele fazia questão de ressaltar que A vida invisível, à época um projeto em gestação conjunta com Rodrigo Teixeira, da RT Features, era também sobre sua avó, sua mãe, sua tia: “Você chegou a ver o filme que fiz sobre minha avó? Seams é de 1993 e é sobre ela e sobre o machismo no Nordeste. Quero falar da vida dessas mulheres da geração da minha mãe, entendeu?”.


Atrizes Carol Duarte e Julia Stockler em cena do longa-metragem.
Foto: Bruno Machado/Divulgação

“Entendeu?” é uma pergunta recorrente na fala articulada do diretor,porém de fato eu só viria a entender, entender mesmo, em 30 de agosto de 2019. Naquela noite, na abertura o 29º Cine Ceará, Karim Aïnouz seria homenageado em sua Fortaleza natal, diante de mil pessoas que lotavam o Cine São Luiz, no centro da cidade. Na plateia, estavam até dois excandidatos a presidente nas eleições de 2018, Ciro Gomes e Fernando Haddad, contudo a força gravitacional que atraía aquele contingente poderia ser resumida assim: era a primeira exibição no país de A vida invisível depois da consagração na Un Certain Regard.

Foi uma ocasião extraordinária. Primeiro, pelo filme em si, o estupendo “melodrama tropical” como antecipava o cartaz, que havia trazido ao Brasil a vitória inédita em Cannes. Segundo, pelo que representava aquela sessão, ocorrida em uma sala do Nordeste três dias após A vida invisível ter sido escolhido para representar o país na disputa por uma das indicações ao Oscar de melhor filme internacional. Ela se dava, também, apenas um dia depois da estreia de Bacurau, dos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que do festival francês saíra com o igualmente inédito prêmio do júri, em um empate com Les miseràbles, de Ladj Ly. Terceiro, pela presença da atriz Fernanda Montenegro, que não por acaso fora escalada para personificar o tributo do Cine Ceará para Karim.

“O Brasil vai dar certo”, foi a primeira frase proferida por Fernanda. “É na arte que o Brasil dá certo”, prosseguiu a mulher que completa 90 anos neste mesmo outubro em que A vida invisível entra em cartaz, no dia 31, em uma distribuição conjunta da Vitrine Filmes e da Sony Pictures. No palco, diante da multidão já em êxtase por vê-la e na ansiedade para apreciar o filme, ela leu a carta que o diretor lhe endereçara com o roteiro em anexo. “A história das mulheres no mundo é muito malcontada, são histórias invisíveis”, narrava, repetindo as palavras que Karim conjurou para convencê-la. Na missiva, um pormenor crucial: a mãe dele, Iracema, havia nascido no mesmo ano de Fernanda. Sinais.

“Minha mãe morreu em 2015 e esse filme é muito sobre a geração dela. Na hora que ela foi embora, pensei: preciso contar um pouco sobre sua vida, sobre como foi ser mulher nas décadas de 1950, 1960, como foi criar um filho sozinha. Quando nasci, minha mãe se separou do meu pai e quem me criou foram ela e minha avó. Queria falar desse tempo, que em Seams eu falei de maneira direta, mas, agora, a partir de um lugar mais narrativo. Esse filme plasmou muita coisa que eu estava ruminando há tempo”, tinha me dito Karim em junho, em Curitiba, durante o festival Olhar de Cinema.

Para ele, era a liturgia de uma experiência com diversos matizes: uma ode às mulheres que poderiam ter sido mais do que foram, sua reconexão com a narrativa cinematográfica e a apropriação dos códigos de um gênero do qual é fã incondicional. “Durante muito tempo, fiquei numa briga comigo mesmo. Queria a desnarratização do cinema, a desobediência ao ato da narrativa. Estava com rechaço a contar histórias. Mas, mesmo com essas questões críticas, eu sempre quis fazer um melodrama desde que vi Imitação da vida, dublado e na TV. Me assombra até hoje. Então eu fui com fé nessa vontade de fazer o melodrama. Ajudou o fato de ser uma adaptação de uma obra literária, com todas as bases da narrativa clássica, com as quais eu podia brincar, mas cujos pilares estavam ali colocados, entendeu?”, elaborava, aludindo a um clássico do melodrama dirigido por Douglas Sirk em 1959, no qual a filha branca (Sandra Kohner) humilha a mãe negra (Juanita Moore, em performance indicada ao Oscar).

Ouvi-lo falar sobre A vida invisível, em Berlim, Curitiba ou Fortaleza, é elucidativo para decifrar o que é o “melodrama tropical” que ele propõe, muito embora seu sétimo longa-metragem se imponha por si. Karim Aïnouz apresenta a história das irmãs Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler), filhas dos imigrantes lusos Manuel (António Fonseca) e Ana (Flávia Gusmão), crescendo no Rio de Janeiro dos anos 1940 e 1950. Eurídice, mais circunspecta; Guida, mais solar, ambas as jovens presas às convenções de uma sociedade que não apenas refutava os vislumbres de mudança como hostilizava quem se dispusesse a rasgá-los no insípido cotidiano. Quando Guida foge de casa atrás de um marinheiro grego, Eurídice desempenha o papel que pai, mãe e conjuntura lhe reservaram: recalcar o desejo de se tornar pianista e casar com Antenor (Gregório Duvivier).



No filme, a personagem de Eurídice frustra carreira como pianista
profissional. Foto: Bruno Machado/Divulgação

No entanto, algo se parte quando elas se separam. Em busca dessa unidade fraterna, da sororidade possível numa época em que feminismo era palavreado e do liame sanguíneo e afetivo que lhes estruturava, elas se jogam, ano após ano, botes contra a corrente, impelidas incessantemente para o passado, sorvendo a ânsia de um futuro a ser partilhado com a irmã. Os alemães Sirk e Rainer Werner Fassbinder e o espanhol Pedro Almodóvar, cada um deles catalisador da linguagem cinematográfica do melodrama, poderiam ter delineado essa história sobre impossibilidades e entraves com maestria. Mas é com sua “caligrafia”, como Karim a descreve, que o melodrama se tropicaliza.

“No papel, o melodrama não dá vontade de fazer. É um código que se condensa com a mise-en-scène. E meu roteiro no papel é um desastre. Horrível, cafona, mas para fazer esse melodrama eu estudei pra caralho”, me contou no Ceará no último dia de agosto, horas antes de embarcar para o festival de Veneza, onde seria o presidente do júri da Jornada do Autor. “Ao imaginar as cenas, o que eu descobri é que no código, além do excesso, do artifício, do bolo de noiva, tem outra coisa que é muito importante… Se eu for filmar você do outro lado e eu estou aqui”, planifica com as mãos uma distância com uma porta de vidro no meio, “tem algo entre mim e você e isso cria um distanciamento, que ao mesmo tempo pode ser ridículo, mas que me possibilita olhar por uma perspectiva de que existe algo entre nós dois. Tem uma quinta parede. Ou um espelho”, teoriza.

É essa distância crítica – um aquário numa sequência-chave de A vida invisível, o espelho, o atravessamento – que, segundo Karim Aïnouz, “faz com que você não tenha que acreditar naquilo completamente”. Como se a própria composição imagética do filme nos lembrasse, a cada instante, que aquilo é uma fábula, um engodo, uma ilusão. “Mas, ao mesmo tempo em que você está vendo aquela cena, aquilo vem, te pega pelas tripas e sai dali, entendeu?”, acrescenta o cineasta, que assinou o melodrama tropical a partir de um livro que não se filia ao código dramatúrgico em que ele enxertou a contemporaneidade.

“O livro não é um melodrama”, me garante. E o que seria, pois?

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Lançado pela Companhia das Letras em 2016, A vida invisível de Eurídice Gusmão foi descrito por Ruy Castro como “uma saga, um épico”. Sua leitura serve para barrar as tentativas de rotulá-lo – o livro pode ser a saga das irmãs, um épico sobre o Rio de Janeiro se transmutando de capital federal para uma cidade cindida em castas ou ainda um romance histórico de “humor lancinante, despojado, corrosivo e inteligente”, nas palavras de Alberto Mussa. Tem ritmo, fluidez, um zelo impressionante com as minúcias – talvez pela formação da autora em Jornalismo – e a pulsante e resiliente afetividade entre Guida e a irmã caçula, as soberanas protagonistas das narrativas literária e fílmica.

Entretanto, se nele não há melodrama, em sua concepção imiscuem-se aspectos de inegável pendor dramático. “Escrevi A vida invisível de Eurídice Gusmão em um momento de extrema solidão e liberdade. Estava morando nos Estados Unidos havia poucos anos e ainda tentando compreender quem eu seriaali. Eu não era mais a repórter que havia passado 10 anos nas redações cariocas, não era mais a empresária que havia criado e vendido uma editora”, contextualiza à Continente a escritora, nascida no Recife, porém criada na Tijuca.

Martha foi fundadora da Desiderata, que, nos anos 2000, reacendeu o interesse pelo Pasquim ao investir em duas compilações com o material do anárquico hebdomadário. Radicada na Califórnia com a família, está imersa na escrita do novo romance e, por isso, pede desculpas por não me conceder uma entrevista por telefone, mas tem a generosidade de me responder por e-mail, no final de setembro. “Por algum tempo eu trabalhei no mercado editorial americano. Era interessante e pagava as contas, mas tinha a sensação de ter pego o trem errado. Estava andando, mas não para onde eu queria ir. Então eu pedi demissão, para ser absolutamente ninguém. Para escrever em tempo integral e não receber nada em troca. Tive medo, na verdade, foi pavor. Eu ali, queimando as economias, para escrever algo que talvez só meu marido fosse ler, e ainda assim com um esforço extraordinário só justificado por amor, pois a primeira língua dele é o espanhol”, relembra.

Na sua trama, Eurídice e Guida espantam o temor de uma existência sem a outra com gana para enfrentar dificuldades. “Os dias seguintes foram de embate inédito. Metade de Eurídice achava que os pais tinham razão, a outra metade achava que tinham perdido a razão, ao descartar um convite de Villa-Lobos”, fraseia Martha à página 61, quando Eurídice trava uma batalha para estudar flauta. Na página 123: “Guida sabia que a sua incompetência estava ligada à falta de amor na vida de d. Amira, e por isso não ligava. Sabia que o trabalho estava ligado ao bem-estar que daria ao filho, e por isso aceitava. Essa Guida também sabia o principal: era melhor ter uma mulher como chefe do que um homem, mesmo que essa mulher fosse capaz de transformar um armarinho no purgatório, porque era melhor estar no purgatório que nos fundos de uma sala qualquer, embaixo de um patrão”.


Martha Batalha está radicada nos EUA, onde escreveu o romance no qual o filme de Karim é baseado. Foto: Jorge Luna/Divulgação

Da mesma forma que as protagonistas avançam, agigantando-se e aproximando-se na travessia, a escritora persistiu: “O pavor maior era o de não tentar. Depois de escrever quatro livros devidamente enterrados, tive a sensação de encontrar minha voz com A vida invisível de Eurídice Gusmão. Naquela altura, minha motivação era mais subjetiva que objetiva. O que eu queria era me dar o direito de experimentar, independentemente do resultado. Se o livro fosse publicado, ótimo. Se não fosse, eu tinha feito o melhor que podia naquele momento, e isso já era o suficiente para o principal, que era cultivar uma vida de poucos remorsos”.

O livro haveria de ser publicado, como situa a agente literária Luciana Villas-Boas, fundadora da Villas-Boas & Moss. Ela revela os meandros das negociações, transcorridas em meio a turbulências recentes. “Recebemos o pedido de Martha Batalha de representação literária com a submissão do livro no segundo semestre de 2014 e nos apaixonamos pelo romance de imediato. Ela vinha trabalhando no livro, que estava praticamente pronto, há anos. Em 2015, impactadas pelo anúncio da presidente Dilma Rousseff de fim dos planos de aquisição de livros pelo governo e pelo início da crise, oito das principais casas editoriais brasileiras rejeitaram a obra”, relatou por e-mail.

Naquele mesmo ano, a Feira de Frankfurt foi o ponto de virada. “Quando voltamos de lá, em outubro, com cinco acordos de publicação internacional e o contrato de adaptação audiovisual com a RT Features, a situação mudou. Chegou a haver um breve leilão pelos direitos da obra e ganhou a Companhia das Letras”, rememora Luciana, que agora festeja o alcance do segundo romance de Martha, Nunca houve um castelo. “Está saindo na Itália como Il castello de Ipanema, junto com a edição de bolso de A vida invisível de Eurídice Gusmão e com o filme La vita invisible de Euridice Gusmao, que estreou lá em circuito aberto antes de qualquer lugar. O material de resenhas críticas é fabuloso”, vibra a agente literária.

Sua alegria com tal repercussão é a deixa para a entrada em cena de uma figura essencial na metamorfose de livro em filme: o produtor Rodrigo Teixeira. Carioca de nascença, mas paulistano de coração, Rodrigo é produtor com maior inserção no exterior em atividade no país. Sua RT Features está nos créditos de sucessos como Me chame pelo seu nome (2017), de Luca Guadagnino, e A bruxa (2015), de Robert Eggers, e em parcerias com Martin Scorsese, como em A ciambra (2017), de Jonas Carpignano, ou com Brad Pitt, como na ficção científica AD Astra (2019), de James Gray.No âmbito do audiovisual nacional, ele é conhecido, também, por apostar em projetos “autorais” – “produzo os filmes que gostaria de ver”, comentou em junho, quando foi participar de uma master class com Karim na programação do Olhar de Cinema. Nesse escaninho, estariam, por exemplo, O animal cordial (2017), de Gabriela Amaral Almeida, o próximo projeto da mineira Filmes de Plástico, Vicentino pede desculpas, a vindoura cinebiografia de Emicida por Aly Muritiba e, claro, A vida invisível, que ele reputa como seu “melhor trabalho no Brasil”. “Sem dúvida, é meu trabalho mais maduro como produtor. Nele, consegui ter uma análise melhor do que o filme poderia representar. Acho que é um filme completo e o melhor trabalho de Karim como diretor”, aponta, dessa vez por WhatsApp e já em setembro.

Quando sentaram juntos para discorrer sobre o processo criativo de A vida invisível, em Curitiba, Karim Aïnouz e Rodrigo Teixeira espelhavam um tipo de vínculo precioso na indústria cinematográfica: uma parceria de solidez, respeito e liberdade em ambas as vias. Rodrigo disse que adquiriu os direitos para adaptar o livro de Martha Batalha já pensando em Karim. Juntos, haviam rodado O abismo prateado (2011), inspirado na canção Olhos nos olhos, de Chico Buarque, e com Alessandra Negrini no papel de uma dentista que, um dia, descobre via mensagem no celular que o marido a deixou. E quase fizeram O céu de Suely em 2006, em que o cineasta escalou a atriz pernambucana Hermila Guedes no papel de uma mulher que decide rifar seu próprio corpo para sair de sua cidade.

Por que o quase? “Trabalhei um ano no projeto, mas as circunstâncias me fizeram não continuar”, conta Rodrigo. Mais de uma década depois, envia os originais de A vida invisível de Eurídice Gusmão para Karim, que começa a lê-lo no dia seguinte à morte de sua mãe. “Não conseguia parar”, recorda o diretor. Sinais. Como deslinda Martha Batalha na página 160: “Ninguém sabe ao certo o que aconteceu primeiro. Estes foram fatos que se misturaram no tempo e no espaço, e depois se diluíram na memória dos participantes. Uma testemunha vai dizer que foi assim, outra vai dizer que foi assado, e o único consenso possível é o que diz que o passado, de fato, aconteceu”.

Amparados pela confiança no cenário que enxergavam, decidiram levar adiante a ideia de um novo trabalho juntos. Cartografaram os caminhos a percorrer: em 2016, dois tratamentos de roteiro e a entrada de Murilo Hauser para assumir o script (Karim e a uruguaia Inés Bortagaray são creditados como corroteiristas); no ano seguinte, a chance de ir ao set. O produtor, contudo, avaliou que era mais prudente adiar: “Afastamos a possibilidade de filmar naquele ano, porque o roteiro ainda não estava maduro o suficiente”.


Depois de escrever quatro livros devidamente enterrados,
Martha teve a sensação de encontrar sua voz com
A vida invisível de Eurídice Gusmão. Foto: Divulgação

Do livro, Karim, por sua vez, sabia o que lhe tocava: “Nele, se somos duas, somos um milhão, se somos uma, somos nada. O fundamental para mim era a alma dessas duas meninas. Isso está lá. Por exemplo, tudo que a Eurídice faz, ela faz bem, mas tudo que ela faz, que se torna profissional, é interrompido. No livro, ela cozinha e costura, mas num filme de 1h30 um personagem ter cinco objetivos dramáticos pulveriza sua força. Escolhemos um e como uma vida invisível tem a ver com apagamento, com a falta de fala, pensei na música”.

No filme, seu instrumento de devoção não é a flauta, e, sim, o piano. E um detalhe cabal: sua narrativa nunca teve 1h30. O primeiro corte chegou a 2h45 e foi ajustado para 2h19 pouco antes de Cannes, onde o filme venceu a Un certain regard - de júri presidido pela libanesa Nadine Labaki - ainda com o seu nome original, que a diretora de Cafernaum se emocionou ao proferir em francês: A vida invisível de Eurídice Gusmão.

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Nos créditos finais, é a voz de Amália Rodrigues, famosa fadista de Portugal, que domina aquele instante mezzo transe, mezzo espanto para uma plateia ainda anestesiada depois de assistir, na concatenação dos planos, a Fernanda Montenegro, Carol Duarte e Julia Stockler como espectros de Eurídice e Guida. Tanto em Cannes como em Fortaleza, onde a cópia já trazia o título reconfigurado para A vida invisível, a estridência de Amália em Estranha forma de vida foi abafada por aplausos entusiasmados. Na lista dos profissionais que sobe na tela enquanto a canção se adensa, quem assina a montagem é a alemã Heike Parplies.

Sendo o filme uma coprodução com a germânica Pola Pandora Filmproduktions, ela foi uma escolha de Rodrigo Teixeira. Para seu lavor, teve o requinte de receber as imagens brutas legendadas. “Já montei alguns filmes em idiomas que não falo e achei um problema menor do que se pensa”, responde via Paula Ferraz, a assessora de imprensa da RT Features e do filme, a quem eu contactara com a intenção de entrevistá-la após me sentir impactada por uma montagem que evidencia, com o mesmo peso, as emoções e a arquitetura estética de A vida invisível.

Tanto Karim como Rodrigo enaltecem seu trabalho, mas Heike sabe que foi de certa forma privilegiada. “Além do material bruto legendado na íntegra, eu só comecei a montar quando as filmagens tinham terminando e pude assistir a maior parte das imagens brutas com o próprio diretor, com quem falava em inglês. Normalmente, víamos a bruta de uma cena, marcávamos os momentos que estavam bons e depois conversávamos sobre o que tínhamos gostado ou não. Aí, depois, eu fazia um primeiro corte da cena sozinha e ligava para Karim para que pudéssemos rever juntos. Claro que essa é uma situação muito luxuosa”, reconhece a montadora, que assim resume seu ofício: “Editar uma cena, para mim, é extrair os melhores trechos da atuação e agrupá-los de um modo em que combinem na emoção”.

Ao chamar Heike, Rodrigo queria tirar Karim da “zona de conforto” e empurrá-lo para outros horizontes artísticos. Bancou o nome do uruguaio Rodrigo Martirena para a direção de arte, dando ao diretor a oportunidade de rodar sem o habitual parceiro Marcos Pedroso. “Fiquei esperneando, claro”, ri o cineasta. “Como não vou fazer o filme com essas pessoas?” Por outro lado, quando Karim visualizou a necessidade de um olhar forasteiro para fotografar sem clichês um Rio de Janeiro de época, para longe das imagens surradas que pululam nas veredas das reincidências afetivas, Rodrigo se comprometeu a trazer quem ele escolhesse. Veio a francesa Hélène Louvart, de Família submersa (2018), de María Alche, Lazaro felicce (2018), de Alice Rohrwarcher, e As praias de Agnès (2008), da saudosa Agnès Varda. “Tinha que ser uma mulher”, sentencia o diretor.


O diretor cearense Karim Aïnouz. Foto: Breno Machado/Divulgação

Compreensível que ele, disposto a atacar “o patriarcado” e falar de invisibilidade e feminismo ancorado na perspectiva de um tempo em que isso não se discutia, quisesse reunir o maior número de mulheres na sua equipe. Quanto à imagem, a experiência visual do longa é de um contraste extremamente sedutor: a exuberância de cores marcantes, como vermelho, verde, azul e amarelo fulgurando em vestidos e peças de roupa de Guida e Eurídice, ou no atrito entre os pontos de iluminação da cena, opõe-se à calidez com que a praia e a floresta, por exemplo, são retratadas nas sequências iniciais. O jogo do artifício, ao qual Karim se referiu como indispensável para subverter os preceitos do gênero, irrompe nas frestas – os planos através de portas e janelas, do tal aquário na cena de suspender a respiração e tudo que não se diz nem se enuncia surge como o obstáculo concreto no seio da imagem.

A mirada estrangeira de Hélène, associada ao domínio da mise-en-scène de Karim, dota A vida invisível de uma potência visual magnífica. É como se, ao focar naquelas mulheres que os homens insistem em não ver, que a sociedade empurra para as bordas de um abismo por vezes subjetivo, muitas vezes literal, as cores por si só se rebelassem, como se a transbordar lentes e enquadramentos. É impossível não lembrar o trabalho de Jose Luis Alcaine na fotografia de Volver (2006), um Almodóvar despudoradamente melodramático, assentado na ausência e, como Imitação da vida de Douglas Sirk, na incontornável carga que se instaura na relação mãe-filha (um vértice mais agudo na matriz literária, mas também explorado por Karim). Ou não pensar em Edward Lachmann, o fotógrafo de Longe do paraíso (2002), de Todd Haynes, outra obra calcada na antítese desejo versus falta.

De novo recorro a Paula Ferraz, dessa vez para me colocar em contato com a diretora de fotografia. “A Hélène não consegue responder. Ela está filmando” é o primeiro retorno. Dias depois, da Croácia, onde rodava outra produção da RT, ela responde: “Desde o começo com Karim, com a direção de arte e figurino, nosso objetivo era obter uma imagem colorida, viva, de imprimir energia nesse melodrama tropical. Sem tons pastéis, mas com cores saturadas para as cortinas, os sofás, as paredes e também para o sol falso que instalamos atrás das cortinas. Queríamos atingir uma espécie de ‘mau gosto’, na beira da vulgaridade, mas de uma forma elegante e prazerosa. E não tínhamos medo do que estávamos fazendo”.

A ideia era forçar e esticar a polarização. “Trabalhávamos com uma cor e seu oposto. Como, por exemplo, rosa-claro e verde-claro. Ao fundo, uma cor mais saturada, como ciano, e sua contraposição, o amarelo, mais à frente. Até aumentamos a saturação durante a correção de cor”, detalha, “mas o desafio foi estar sempre atrás da história, dos personagens, e se fazer visível ao nosso estilo, ou seja, de um modo invisível”, completa a fotógrafa.

Credenciada para o Festival de Cannes, de onde inclusive escreveu sobre A vida invisível e Bacurau para o site da Continente, a jornalista e crítica paulista Mariane Morisawa ressalta essa confluência entre local e global na linguagem. “O filme é muito bonito e atual, só que de uma outra maneira se compararmos com Bacurau, por exemplo. Mas atual, sim, pois fala da situação da mulher. É um melodrama ‘classicão’, mas ao mesmo tempo bem nosso, com a cara do Brasil”, formula. “E é todo emoção. Um melodrama rasgado, ainda mais com esse final…”, diz, suspendendo o áudio que me envia de Zurique, onde, pelas coincidências que tanto fogem a Eurídice e Guida, Karim Aïnouz e Rodrigo Teixeira estavam para aterrissar. “É um final do tipo ‘vamos morrer agora’. Isso pega.”

O ator Flávio Bauraqui concorda: “Aquele final é muito emocionante”. Revelado no cinema como a Tabu de Madame Satã, também participou de O céu de Suely e recebeu o convite para atuar em A vida invisível ao reencontrar o diretor em uma padaria no Leblon. “Karim me chama de amuleto”, brinca. Ele interpreta um detetive a quem Eurídice recorre para investigar o paradeiro de Guida. “É um cara igual a todos os outros homens do filme: um erro na posição de homem. Ele acha que vai resolver, diz que não quer o dinheiro, mas pega o cheque e a gente sabe que ele está mentindo. Chega a ser engraçado, até”, sorri. Já o final, para ele, é tudo, menos divertido: “É muito forte. Um susto”.

Pergunto a Karim Aïnouz se, desde o início, havia esse único desfecho, que prefiro não descortinar nesta Continente #226, mas que é discutido em detalhes, e com spoilers, na edição das conversas que travei com ele em Curitiba e Fortaleza. “Levou tantos anos para chegar naquilo. E nem está no roteiro!”, gargalha. “Pensei em terminar antes”, e aí cita o plano do qual deriva a fotografia de Fernanda Montenegro lendo uma carta, “mas não tem como não usar aquele plano. Só se eu fosse doido”.

Curioso que, em uma produção falada em português e com profissionais a dialogar em espanhol, alemão e inglês, a última cena do filme não tenha vindo do roteiro. É como se o cinema avisasse: às favas com os idiomas, a linguagem que instituo é a comoção do melodrama.

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“Quando li o roteiro e me falaram que ia ser um melodrama, fiquei um pouco ressabiada. Talvez um preconceito meu de gênero, talvez porque eu tinha acabado de sair de uma novela com um personagem muito melodramático na trajetória e queria descobrir novas vias”, conta a atriz Carol Duarte. Ela se referia a Ivana/Ivan, seu papel no folhetim A força do querer, de Glória Perez, exibido na Rede Globo em 2017. “Quando fiz o teste e recebi a notícia de que ia fazer, eu não sabia nada, absolutamente nada do filme. Mas aí descobri que era esse melodrama tropical na cabeça do Karim e obviamente me interessei muito mais”, confessa.


O filme tem fotografia da francesa Hélène Louvart e direção de arte do uruguaio Rodrigo Martirena. Foto: Bruno Machado/Divulgação

“A gente não conhecia o trabalho uma da outra e precisava criar um laço afetivo muito forte para que isso transbordasse no filme. No filme, a gente lida com a presença ausente e esse lugar de ausência tem que estar muito presente. Foi um mês e meio de preparação, com muito exercício de escuta, de contato, de passar tempo uma com a outra para que essa relação ficasse forte”, emenda Julia Stockler. Na verdade, ela, 31, e Carol, 27, nem se conheciam antes de ser convidadas para A vida invisível. No set, eram proibidas de se aproximar e respondiam apenas pelo nome das protagonistas. Juntas, como Guida e Eurídice, são química em alta combustão, atrizes em carne viva.

Em Fortaleza, pergunto às duas atrizes e ao diretor como se deu a preparação do elenco. “Como o filme tem a coisa da artificialidade, eu queria mais textura do que uma interpretação naturalista. Queria combustível, algo que me surpreendesse. Para as meninas, era importante encontrar alguém que saísse um pouco do lugar”, comentava Karim, que desenvolveu um método de testes inspirado em Andy Warhol. “Me lembro de um trabalho dele em que filmava as pessoas em silêncio durante três minutos. Então pedimos um teste em vídeo em três parâmetros: câmera fixa, a pessoa sentada, descascando batata, cortando cenoura ou catando feijão. Mas tinha em que ser em silêncio e olhando para a câmera. Se eu ficasse olhando por um minuto ou mais, o que a gente chama de ‘segurar o close’, havia interesse no que aquela pessoa iria mandar”.

Segundo ele, o que a fictícia Guida tem de impetuosa e arrojada pode ser percebido já no teste de Julia – que, por sua vez, estava crente que não seria aprovada. “Recebi um e-mail para mandar um vídeo, pensei ‘não vou mandar porque não sou atriz famosa, não vou passar mesmo’. Aí cheguei de uma festa às 6h e fui para uma janela, a cenoura me angustiou e decidi ‘vou fumar, já que não vou passar mesmo’”, recorda. Ao transgredir, capturou justamente o olhar de quem teria que impressionar. “Talvez ela nem saiba, mas a razão por que eu chamei Julia para voltar é que ela foi a única pessoa que fumou no teste. Ela me desobedeceu completamente. Quando fumou, pensei: que monstro é esse?” revelou Karim. Na terceira vez em que se encontraram, em meados de março de 2018, ele deu seu veredicto e Julia explodiu: “Eu estava indo para a passeata de Marielle Franco, recebi uma ligação para ir lá de novo e quando cheguei, Karim me disse: ‘Eu te chamei aqui para te dar um abraço e perguntar se você não tem desejo e vontade de fazer o filme’. Pulei em cima dele!”

Nina Kopko é diretora-assistente de A vida invisível e me fornece números exclamativos sobre a fase de testes: foram 2 mil vídeos recebidos e mais de 300 testes presenciais ao longo de quatro etapas. Carol e Julia sobressaíram. “Além dos dois vídeos chamativos por diferentes razões, o teste presencial das duas nos marcou muito. Lembro que Karim, quando Carol fez a primeira versão do teste presencial e nós estávamos nos comunicando por papel na sala, me escreveu assim: ‘Ela é Eurídice, não sei o que mais pedir’. Da Julia, foi uma coisa ao contrário: qualquer coisa que ele pedisse a ela, ela dava três vezes mais, desobedecia, nos fazia chorar de rir ou chorar mesmo. Mais do que ser ou não boas atrizes, porque na verdade passaram muitas boas atrizes pelo teste, elas nos revelaram as personagens. Isso não é nada técnico ou racional, realmente é uma coisa muito intuitiva: você olha assim e parece que está conhecendo Guida e Eurídice. É muito bonito”, rememora Nina.

Em cena, é muito bonito perceber não apenas a irradiação do trabalho delas, mas das outras mulheres no elenco. Maria Manoella e Barbara Santos vivem, respectivamente, Zélia e Filomena, personagens com as quais Eurídice e Guida convivem enquanto alimentam a esperança de se reencontrar. Todas passaram por um processo no qual foram repartidas diversas referências artísticas, como escritos de Clarice Lispector, livros como A guerra não tem rosto de mulher, de Svetlana Aleksiévitch, e filmes como Uma mulher sob influência (1974), de John Cassavetes. Para Carol, “o melhor filme que já vi” e “um trabalho raro sobre a potência da transgressão” para Julia; para as duas, Gena Rowlands é pura “loucura e humanidade”. Dirigida pelo marido, Gena encarna a mãe de uma família que tenta se equilibrar apesar dos seus problemas mentais e virou uma referência afetiva para as atrizes na construção das duas “mulheres invisibilizadas e silenciadas, que recebem os choques de uma vida para a qual não estavam preparadas”, como afirmam.

Para o restante do elenco, esse farol também veio de O medo devora a alma (1974), de Rainer Werner Fassbinder. “A preparação partiu desse filme a que assistimos juntos, que é muito importante para Karim e tem o tom que ele buscava”, diz Nina. Quando conversamos em Curitiba, em junho, assim como havia me falado de Imitação da vida, Karim discorre, com igual entusiasmo, sobre O medo devora a alma, no Brasil também conhecido como O medo consome a alma: “Uma mulher mais velha se apaixona por um homem que é bem mais novo do que ela. Além de ser mais novo, é um imigrante árabe, então os filhos dela e todas as pessoas com quem ela se relaciona basicamente enlouquecem e fazem de tudo para separá-los”.

Na obra de Fassbinder, Brigitte Mira vive Emmi e El Hedi ben Salem interpreta Ali, o casal improvável que se gruda a despeito da ira alheia. No seu A vida invisível, ao paralelizar as jornadas de Guida e Eurídice, Karim também acentua a vileza e a mesquinhez que impelem as pessoas, nos melodramas alemão e tropical, a implodir a felicidade alheia. “O quão diferente poderia ter sido a vida delas se algum idiota não quisesse ter mantido a ordem, a família e a tradição, que são coisas absolutamente irrelevantes, entendeu?”.

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Em setembro, faltando um mês para o lançamento comercial de A vida invisível, os preparativos se encarrilhavam. No Brasil, um último trailer, divulgado no canal do YouTube da Sony Pictures Brasil, trazia a base da trilha sonora original composta pelo alemão Benedikt Schiefer, que havia trabalhado com Karim Aïnouz em Aeroporto Central, e Fernanda Montenegro como narradora. “Você não sabe a falta que você me faz”, lia... Em pouco mais de dois minutos, sua voz ora se emprestava aos trechos das cartas escritas por e para Guida e Eurídice – “Por favor, não se esqueça de mim” –, ora fazia uma convocatória: “Um filme de Karim Aïnouz inspirado na vida de milhões de mulheres… Convido todas e todos a se emocionarem conosco nos nossos cinemas”.


Fernanda Montenegro interpreta Eurídice na
maturidade. Foto: Bruno Machado/Divulgação

Da Espanha, Sílvia Cruz, da Vitrine Filmes, codistribuidora do longa-metragem, partilhava com a Continente as estratégias que antecederiam a estreia: “Estamos fazendo uma campanha não só para quem é fã de um cinema autoral e independente, que sempre espera o filme do Karim, mas para um público mais amplo. O filme é um melodrama que emociona e a campanha explora bastante a Fernanda, uma atriz querida por todos os brasileiros. Como a estreia vai coincidir com o lançamento da autobiografia dela, vários materiais foram pensados em torno da Fernanda e da visibilidade das mulheres”. Ela acrescenta que, em coligação com a Companhia das Letras, A vida invisível de Eurídice Gusmão ressurgirá nas livrarias com uma nova capa, calcada no cartaz da artista visual Manuela Eichner. E exulta com 2019, ano de intensa alegria para a Vitrine pelos mais de 500 mil espectadores de Bacurau e pela valsa arrebatadora que A vida invisível vem dançando desde Cannes.

Nos Estados Unidos, a divulgação se volta para o Oscar, cujas indicações hão de ser anunciadas em 13 de janeiro de 2020. “É importante promover sessões para os integrantes da Academia em cidades-chaves dos EUA, onde temos o maior número de votantes”, informa o produtor Rodrigo Teixeira, referindose à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Se o orçamento de A vida invisível foi de R$ 7 milhões, é provável que, com o respaldo da titânica Amazon na distribuição, muito ainda seja gasto na campanha, que Rodrigo expõe com instigação: “É como uma turnê de rock: muito trabalho, viagens e contatos. Eu não posso garantir que vamos ser indicados, mas garanto que vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que isso aconteça e estamos bem animados.”

Da costa oeste americana, Martha Batalha abençoa o fruto direto de seu primeiro romance. “Karim fez um melodrama, com personagens marcantes, cenários opressores e decadentes como o próprio machismo. É bonito e forte. Como espectadora, eu me vi envolvida pela trama por muitas horas após ter deixado o cinema. Interessante que esse é também o tipo de retorno que recebo com frequência de leitores: eles me escrevem para dizer que mesmo depois de terminar a leitura ainda refletem sobre ela. Fiquei feliz com o resultado, feliz que tenha tomado todas as liberdades criativas para fazer uma obra espetacular. É gratificante saber que um filme tão bonito e certamente inesquecível nasceu de algo que criei”, elogia.

E Karim Aïnouz, cearense que mora em Berlim e vem rodando o mundo para mostrar seu melodrama tropical, anseia pelo encontro do filme com mulheres e homens do seu país: “Quis acessar um gênero que é muito popular no Brasil também no sentido estratégico. Afinal, tanta gente votou nesse cara, o país está despencando… Quem são as pessoas que estão vendo a novela? Precisamos falar com elas. Essa é minha tentativa. O melodrama é muito político”. Como duvidar?

LUCIANA VERAS, repórter especial e crítica de cinema da Continente.

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