Cobertura

Uma projeção de tempos confluentes

X Janela Internacional de Cinema do Recife chegou ao fim reafirmando seu afeto com o passado como recurso para viver o presente e quiçá pensar outros caminhos

TEXTO Cesar Castanha

13 de Novembro de 2017

Filme vencedor do Janela 2017, o longa belga-francês 'Jovem mulher'

Filme vencedor do Janela 2017, o longa belga-francês 'Jovem mulher'

Foto Divulgação

Não é que o Janela seja um festival de arquivo, mas a gente gosta”, disse o diretor artístico do Janela Internacional de Cinema do Recife, Kleber Mendonça Filho, ao apresentar a sessão de Etéia, a extraterrestre em sua aventura no Rio (dir. Roberto Mauro, 1983), sábado (11/11), no Cinema São Luiz. O filme foi escolhido pelos curadores do programa convidado Cachaça Cinema Clube (Débora Butruce, Karen Black e João Mors Cabral), cujo foco são obras do acervo da Cinemateca Brasileira. O público presente para assistir à sátira brasileira ao E.T. de Steven Spielberg, estrelando Zezé Macedo, era modesto em quantidade, mas a exibição teve o tom de redescoberta, de interesse cinéfilo, que perpassou o último fim de semana do festival.

Com as mostras competitivas se encerrando na quinta-feira (9/11) — à exceção do longa-metragem Jovem mulher (dir. Léonor Seraille, 2017), exibido na noite de sexta (10/11) e premiado como melhor filme pelo júri oficial —, o fim de semana foi uma oportunidade para buscar as reprises e se lançar aos clássicos. Além do Cachaça Cinema Clube, tivemos um bom conjunto de filmes da mostra L.A. Rebellion e da seleção oficial de clássicos. A relação do festival com as obras mais antigas, o seu interesse pelo arquivo, é uma das propostas mais interessantes do Janela, que costuma montar a sua programação antecipando uma experiência de deriva temporal com o cinema: do contemporâneo às imagens que o antecedem.

É da própria simultaneidade do cinema que o festival está tratando. Num momento em que o acesso a filmes pela cinefilia é facilitado por uma diversidade de espaços e ferramentas virtuais, é preciso reconhecer essa simultaneidade, trabalhar com ela e, por fim, acrescentar-lhe a experiência coletiva da sala de cinema. Um festival como o Janela, que é de arquivo e não é de arquivo, com 120 filmes exibidos durante 10 dias em dois espaços diferentes, permite uma variedade de caminhos pelo cinema, fazendo dele uma experiência ao mesmo tempo individual e coletiva.

Pouco antes da sessão de Victor/Victoria (dir. Blake Edwards, 1982) na última sexta-feira, eu resistia à ideia de rever um filme que tinha visto, em casa, há pouco tempo. Convencido por amigos, entrei na sala para redescobrir o filme, o cinema e a comédia na risada calorosa do outro, em uma sessão que levo agora como uma das mais queridas desta edição. Logo depois, voltei à sala para a exibição de Leona assassina vingativa 4 – Atrack em Paris, um curta-metragem feito a partir de uma colaboração do coletivo Surto e Deslumbramento, com Nati de Gasparri e Paulo Colucci (conhecidos pelas personagens Leona Vingativa e Aleijada Hipócrita). O filme, há duas semanas no YouTube, soma 125 mil visualizações pelo site, e a sala bastante cheia aguardava entusiasmada sua estreia no cinema. Eu observava, na fileira à minha frente, o cineasta Alexandre Koberidze, diretor de Que o verão nunca mais volte (parte da mostra competitiva de longas), atento ao curta-metragem, exibido em inglês sem legendas, tentando talvez dar conta de uma euforia tão específica (Gasparri e Colucci são, afinal, figuras de uma cultura virtual brasileira, queer e relativamente recente) e, naquela sala, tão comum.

Assista ao filme:



São nesses momentos que a experiência da cinefilia é reconfigurada pela experiência do festival de cinema, a partir do coletivo, da sala, da cidade. Na manhã de sábado, Kleber Mendonça Filho e o programador do Cinema São Luiz, Geraldo Pinho, coordenaram um tour pelo cinema, fazendo conhecida a estrutura de uma sala que é foco de tanto afeto da cinefilia local. No mesmo dia, ao início da tarde, foi exibido o curta-metragem Filha da resistência (dir. Haile Gerima, 1972), parte da mostra L.A. Rebellion, em 16 mm. O compromisso do Janela com o arquivo é então reiterado nesse interesse por uma reaproximação com a tecnologia e a sala de cinema.

Mas como utilizar o arquivo, a tecnologia e a sala para operar além de uma experiência específica de cinefilia? Como fazer do arquivo resgatado pelo Janela, do material do São Luiz e, é claro, da própria sala de cinema um repertório de toda a cidade? Neste domingo (12/11), o Janela Internacional de Cinema do Recife encerrou sua décima edição com a exibição de Protéa (dir. Victorin-Hippolyte Jasset, 1913), mantendo a recente tradição de fechar o evento com um clássico mudo e trilha performada ao vivo, um gesto de afirmação afetiva do festival, um olhar para uma outra relação possível com o cinema.

Enquanto esperamos o momento de abrir, mais uma vez, a janela, é preciso também maturar um olhar, do cinema, para uma outra relação possível com a cidade. Essa responsabilidade, esse compromisso com o espaço fora da sala, não pertence apenas a este festival. Até o fim do ano, teremos no Cinema São Luiz alguns outros eventos do gênero, como o Recifest e o Festcine, oportunidades já bastante próximas para repensar caminhos de uma ocupação do cinema pela cidade e da cidade pelo cinema. Revindicando, assim, a sala de projeção como uma experiência verdadeiramente coletiva e o arquivo fílmico como parte do acervo comum da cidade.

Confira aqui a lista dos filmes vencedores da décima edição.

CESAR CASTANHA é jornalista, crítico de cinema e autor do blog Milos Morpha.

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