Triunfo reage às incertezas do cinema brasileiro
Encerrada no sábado (10/8), 12ª edição do festival reafirmou não só seu papel na descentralização do audiovisual pernambucano, como mostrou o potencial da arte para o debate
TEXTO PAULA MASCARENHAS, DE TRIUNFO*
12 de Agosto de 2019
Caretas mais o cinema de Triunfo/PE
Foto Jan Ribeiro/SecultPE-Fundarpe
Este ano, mais do que nunca, o Festival de Cinema de Triunfo mostrou-se um evento de resistência, colocando-se na contramão do atual cenário de tensões e descrença em relação à cadeia produtiva do audiovisual no país. No último mês, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou transferir a Agência Nacional do Cinema (Ancine) do Ministério da Cidadania para a Casa Civil e fez declarações negativas sobre o setor, alegando a necessidade de "filtro", além de uma iminente ameaça ao financiamento do cinema brasileiro por sua gestão.
Nesse sentido, a 12ª edição do festival, realizado na cidade pernambucana do Sertão do Pajeú, reafirmou não só seu papel na descentralização do circuito de cinema pernambucano, mas sobretudo na promoção da arte e da cultura para potencializar debates e reflexões de enfrentamento a esse contexto de incertezas – tanto no tocante à continuidade de políticas públicas já consolidadas para a realização de filmes e festivais, quanto na interferência governamental nos conteúdos abordados pelas produções – confira aqui todos os filmes premiados nesta edição.
Durante seis de dias de programação com exibições, debates e trocas de experiências entre realizadores, diretores e o público triunfense, o festival conseguiu provocar diversas discussões sobre o fortalecimento de políticas públicas e culturais no Sertão do Pajeú. Para isso, o evento investiu na exibição de cerca de 70 curtas e longas-metragens que, entre as mais variadas temáticas e gêneros, abordassem a diversidade cultural, dando voz ao discursos identitários “minoritários” com filmes que promovessem a negritude, a força da mulher, a visibilidade trans e a proteção dos povos originários, pautas estas que são abertamente ridicularizadas e desprezadas pelo governo Bolsonaro.
Um desses filmes foi o curta documental Desyreê, produzido pelo Coletivo Documentando, na cidade, em 2018, e exibido na primeira noite do evento. A trama conta a história de resistência e alegria da triunfense Desyreê, uma mulher trans e negra que, embora enfrente a sociedade conservadora de Triunfo, tem o apoio da Igreja Católica, pois é uma religiosa assídua. Ela, que tem o hobby de ser atriz, ficou orgulhosa com a repercussão do filme em sua terra natal, que lhe garantiu o prêmio do júri popular de melhor curta-metragem: “Agradeço a Deus pela participação, pelo sucesso do filme e pelo prêmio. Tudo isso só me incentiva mais a participar de mais produções aqui em Triunfo e a mostrar que uma trans do interior também pode o que quiser”, revelou à Continente.
Foto: Jan Ribeiro/SecultPE-Fundarpe
A valorização das comunidades indígenas e dos povos ancestrais também foi um dos destaques nas mostras competitivas com os curtas pernambucanos Até o fim do mundo, vídeo experimental sobre a destruição de aldeias indígenas colombianas pelo narcotráfico; Deus te dê boa sorte, sobre as parteiras da tribo Pankaraku; e o documentário Opará – Moradia dos nossos ancestrais, que trata da relação do povo Guarani com o Rio São Francisco e os conflitos pelo pertencimento do local.
Produzido por Graciela Guarani, umas das cineastas indígenas pioneiras em cinema independente, Opará foi uma das obras mais bem-recebidas pelo público local, tendo sido agraciada com uma menção honrosa e os prêmios de melhor curta-metragem da categoria Sertões, melhor filme para reflexão e melhor direção. Em entrevista à Continente, após a cerimônia de premiação do festival, Graciela Guarani lembrou que produzir um filme como mulher indígena e fazer com que ele circule em festivais representa pequenos avanços para acabar com a invisibilidade do seu povo.
“Estar aqui e ganhar estes prêmios não reflete a luta e a resistência só minha, mas de todo um povo que, ao longo de vários anos, tenta sobreviver e fazer com que a nossa cultura também sobreviva. Ocupar este espaço de um festival de cinema é um grande passo para fortalecer a cultura indígena que atualmente está correndo tantos riscos.” Graciela lamentou as atuais políticas racistas do governo federal, com a restrição da demarcação de terras indígenas e do incentivo ao agronegócio e ao garimpo nesses locais.
Além do incentivo às temáticas mencionadas acima, o Festival de Cinema de Triunfo também promoveu um maior equilíbrio entre filmes produzidos por homens e mulheres, além da inserção de realizadores negros e indígenas: dos 33 filmes participantes das mostras competitivas, 17 foram feitos por mulheres. Uma delas é a diretora pernambucana Carol Correia, realizadora do filme Mucunã, documentário sobre a revolução do trabalho com o barro em uma comunidade de mulheres na cidade em Belo Jardim.
Segundo Carol, “a existência desses 12 anos do festival é fundamental para que o povo do Pajeú tenha acesso ao circuito de cinema e de arte tão forte no estado, para que também essa população possa se inserir e refletir a partir do contato com essas diversas obras e debates de temáticas tão pungentes e de extrema importância para o contexto político atual. Então, nesse momento de temor e incerteza, o que nos resta é usar a nossa melhor arma, que é o cinema” reforçou.
Triunfense assíduo de todos as edições do festival, o ator, artesão e amante de cinema e de teatro Teco do Agamenon disse já estar ansioso para a próxima edição. Além de ser ator do curta Solitude, uma homenagem sobre sua vida em Triunfo, e que foi exibido na cerimônia de abertura, Teco fez questão de participar de toda a programação, interagindo sempre. Para ele, é difícil ter palavras para descrever o festival: "A cada ano, é uma renovação de um aprendizado: é mais um conhecimento, uma lição, mais uma amizade feita. E é também a possibilidade de realização de mais filmes com pessoas que conhecemos aqui, de mais produções futuras".
Assim como Teco, seguimos aguardando a realização do próximo Festival de Cinema de Triunfo, com mais certezas do que incertezas, com mais esperanças do que temores: o cinema é resistência.
PAULA MASCARENHAS é graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo pela UFPE e estagiária da Continente.
*A repórter viajou a convite da Secretaria de Cultura de Pernambuco/Fundarpe, que realiza o festival.