CONTINENTE Hoje em dia, temos uma série de curtas-metragens que são feitos para serem difundidos na internet e assistidos pelo computador. Como determinar, com todas as mudanças envolvendo a produção, exibição e distribuição de filmes, se uma obra é ou não cinematográfica?
JEAN-LOUIS COMOLLI A grande diferença, na verdade, é apenas a questão do espaço, a sala de cinema. E não tem a ver com a tela exatamente, mas com a escuridão ao redor dela. Na sala de cinema, há a tela, e tudo em volta é escuro. No computador, no celular, temos o contrário. Vemos o filme, mas também vemos todo o entorno da tela, o nosso entorno... Nós não vemos aquilo que está no escuro. E isso muda muita coisa. A multiplicação das telas nos diz que tudo é visível: tudo está passível de ser mostrado. Assim, o visível se torna a totalidade da nossa relação com o mundo. Isso pode ser observado desde a própria captura da imagem. Quando enquadramos com o celular ou com uma câmera digital menor, nós registramos uma parte, mas no momento da captura enxergamos o todo, um todo que é completamente visível. Enquanto que, com a câmera de cinema tradicional, as coisas são bem diferentes. Antes de mais nada, tem o fato de que filmamos com apenas um olho aberto. E o quadro nos impede de ver o que está ao redor. Vemos apenas o que está no quadro, assim como na sala de cinema. Lá, o espectador é confrontado com uma experiência sensível em que fica óbvio que nem tudo é visível, pois há o escuro.
CONTINENTE E como isso altera a relação do espectador com a imagem?
JEAN-LOUIS COMOLLI Gerar a ideia de que tudo pode ser mostrado reduz o mundo à dimensão do visível. E essa redução – que é falsa, obviamente – não é neutra. Marx já estabelecia uma relação entre o visível e a mercadoria. E, de maneira simplificada, poderíamos dizer que reduzir o mundo à dimensão do visível é reduzi-lo à sua dimensão mercantil. Se tudo é visível, eu posso me apropriar de tudo. Uma ideia completamente falsa e que carrega também um paradoxo. Guy Debord já mostrava que quanto mais a sociedade se espetaculariza, o que é o caso atual, mais os segredos ganham força, o que também é o caso atual, vide todos os processos contra o Wikileaks. E aí fica claro o jogo de poder implícito na visão: não só o poder de mostrar, mas também o poder de esconder.
FELLIPE FERNANDES, jornalista.