Inaugurada em 1963, a Kino International talvez seja a sala que melhor represente esse contraste. Por quase três décadas, o cinema oficial do regime comunista, situado na Karl Marx Allee, foi a sede das grandes estreias. Ali também trabalhavam, no subsolo, os funcionários da censura. O muro caiu e, hoje, ironia do destino, o International faz parte da Yorck Kinogruppe, rede que evitou a falência de vários cinemas de rua ao padronizar a programação com lançamentos comerciais, em sua maioria, norte-americanos.
Inaugurado em 1929, Babylon recebe mostras internacionais
Entre outras salas históricas administradas pela Yorck estão o Paris Cinema, o Delphi Filmpalast, o Kant Kino e o Babylon. Os dois primeiros ficam em Charlottenburg, centro da antiga Berlim Ocidental e antigo reduto da burguesia alemã. Já o Babylon, inaugurado em 1929 na Rosa-Luxemburg Strasse (em frente ao teatro Volksbühne, onde se formou Bertold Brecht), mantém-se fiel às influências humanistas, recebendo mostras de cinema mundial e apresentações especiais, como a homenagem com música ao vivo em memória de Nosferatu, clássico do expressionismo alemão que completa 90 anos, este ano.
No Potsdamer Platz, estão as salas tecnologicamente superiores, como as da rede CineStar (Sony Center) e o Cinemaxx. Região devastada pela Segunda Guerra, abandonada durante a Guerra Fria e, na última década, redesenhada como ícone do capitalismo megacorporativo, no qual se afirma a nova Berlim, o Potsdamer Platz foi o local eleito para abrigar o Berlinale Palast, complexo especialmente construído para o Festival de Berlim e que, uma vez por ano, se torna a maior referência em termos de conforto, tamanho de tela e projeção cristalina. Anualmente, a Berlinale também se apropria do Friedrichstadt Palast, luxuoso palco dedicado a espetáculos de dança, que, equipado apropriadamente, se transforma em espaço de excelência, como foi a sessão de Taxi Driver, de Martin Scorsese, restaurado em digital 4K. Também no Potsdamer Platz, a Deutsche Kinemathek tem uma programação de clássicos, como a mostra Fritz Lang, legendário diretor de Metropolis.
Nos intervalos das sessões do Kino Central, cinéfilos se encontram no Café Cinema
No entanto, nada supera a experiência de frequentar as pequenas salas alternativas, encontradas principalmente em redutos ideologicamente libertários, de diversidade étnica e cultural, como nos bairros de Kreuzberg, Friedrichshain, Schöneberg e Neukölln. No Eiszeit, por exemplo, pude assistir a Jimi & das Fehmarn Festival, documentário sobre a influência de Jimi Hendrix, que se apresentou em Hamburgo e deixou marcas na cultura local. De inspiração anarquista, no Regenbogen Kino é possível deixar as crianças no playground durante a sessão. E, se sua bicicleta quebrar, basta pagar um euro para usar a oficina ao lado. No Kino Central, após o filme, vale conhecer o Café Cinema, contíguo à sala. Além do bom cardápio e decoração, é um tradicional ponto de encontro para cinéfilos e afins.
Esse é apenas um recorte, entre tantos possíveis, ao explorar o circuito de cinemas de Berlim, cuja diversidade permite revelar não somente filmes inesperados, mas as diferentes faces de uma cidade.
ANDRÉ DIB, jornalista.
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