Reportagem

A vida como missão

Relatos de jovens que, numa sociedade contemporânea que parece contradizê-los, escolheram atuar em peregrinação religiosa, na crença de, assim, fazerem deste um mundo mais solidário

TEXTO Luciana Veras

01 de Novembro de 2018

Foto Priscilla Buhr

[conteúdo exclusivo para assinantes | ed. 215 | novembro de 2018]

E disse-lhes: vão pelo mundo todo e preguem o Evangelho a todas as pessoas.
(Marcos 16:15)

Delni era jogadora de vôlei na adolescência. Jefferson trabalhava como frentista. Lauren deixou quatro irmãos mais novos no Canadá. Eva é formada em Educação Física. Alan gostaria de ter ido para a África. Esteban toca violino. Nicodemos frequentava cultos evangélicos. Larissa adora não namorar ninguém. Vanessa estuda Neuropsicologia nos Estados Unidos. Luiz era um imigrante peruano no Chile. De origens tão distintas como cidades que não se avizinham em mapa algum – Iguatu e Vancouver, Recife e Bogotá, São Paulo e Salvador –, tais homens e mulheres possuem idades que variam da juventude à maturidade e um único propósito de vida: a partilha da própria existência com quaisquer outros que encontrarem em suas missões.

A missão, nesse caso, não versa sobre incumbências profissionais ou regras de instituições militares, tampouco se define por uma tarefa imposta por outrem. Não se trata de dever ou obrigação, e, sim, de um “chamado”, como a maioria descreve. Em um determinado momento de suas existências, transgrediram o roteiro que estava por se delinear ora por escolha própria (fazer uma pós-graduação em outro país, por exemplo), ora pela família (prestar vestibular e entrar na universidade), para assumir a condição de missionários. Hoje, vivem de “pregar a palavra”, para “servir missão”, com o intuito de “evangelizar”, uns em um estado de constante deslocamento, outros em apoio a quem se move num circuito de matriz religiosa permeado pela alteridade.

Seja por conta de um convite para conhecer um grupo de oração ou pela certeza de retraçar a via missionária dos pais, seja ao responder à abordagem numa lanchonete ou a um cumprimento de uma dupla de rapazes engravatados, o fato é que Delni, Jefferson, Lauren, Eva, Alan, Esteban, Nicodemos, Larissa, Vanessa e Luiz tiveram uma epifania, como se validando o que o apóstolo Mateus descreve no seu Evangelho, nos versículos 18-20 do capítulo 28: “Então, Jesus aproximou-se deles e disse: ‘Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na Terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos’”.

Foto: Priscilla Buhr

Em 2018, ser missionário evoca uma experiência de matizes variados, fincada numa troca que em muito se assemelha aos relatos que a própria Bíblia traz sobre as peregrinações cristãs, mas que em muito se afasta da conversão jesuítica encenada em A missão (The mission, Inglaterra/França, 1986). Nesse filme de Roland Joffé, Jeremy Irons interpreta um padre espanhol que, no século XVIII vive com um povo indígena. Quando Espanha e Portugal entram em um acordo geopolítico que outorga à Coroa lusitana o direito de escravizar os povos originários sul-americanos, o cura se alia a um caçador de escravos arrependido (personagem de Robert De Niro) para proteger os gentios.

Muito embora a prática contemporânea dos missionários se distancie da imposição da fé, e opere mais na base da troca e da vontade de estar a serviço de outros, a premissa ficcionalizada de uma missão para alicerçar uma crença não é falsa. “Está no coração da Teologia: todas as religiões que descendem do Oriente Médio são missionárias – o cristianismo, o judaísmo, o islamismo. Trazem o fervor missionário junto a uma militância de levar os ensinamentos de Jesus Cristo para uma espiritualidade pautada em estruturas de vida, questões econômicas e de convivência política”, observa o professor Gilbraz Aragão, coordenador do Observatório da Religião da Universidade Católica de Pernambuco/Unicap.

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