(Doutor Cornelius, O planeta dos macacos)
Quando O planeta dos macacos foi lançado há exatos 50 anos, um dos maiores temores do diretor Franklin J. Schaffner era que a plateia gargalhasse durante a exibição, zombando do filme. Baseado no livro La planète des singes, de Pierre Boulle (1963), o longa narra o drama de um astronauta que cai em um planeta dominado por símios extremamente inteligentes e falantes. Para o cineasta, a inusitada inversão de papéis entre um homem e um bicho já seria motivo suficiente para estimular risadas desmoralizantes dos espectadores. Como tentativa de evitar o problema, investiu a maior parte do orçamento e do tempo da produção na maquiagem dos atores. O trecho que se segue da resenha do crítico norte-americano Roger Ebert, publicada no Chicago Tribune, demonstra que Schaffner não estava apreensivo em vão: “Muitos amigos me disseram que ouviram falar que era ‘horrível’ – quando, na verdade, ninguém em Chicago tinha visto até sexta-feira e os comentários de outras cidades foram muito bons. O que eles estavam realmente querendo dizer era que qualquer filme chamado ‘planeta dos macacos’ tinha que ser horrível. Esse tipo de esnobismo pode ser bom para uma risada ou duas, mas aqueles que o praticam perdem muitos filmes divertidos”.
Num mesmo 1968, que contou com a concorrência de 2001 – Uma odisseia no espaço, O planeta dos macacos não foi apenas um filme divertido. Além de ultrapassar comercialmente a impactante e ambiciosa obra de arte de Stanley Kubrick, o longa estrelado por Charlton Heston impulsionou, com seu esmagador sucesso de bilheteria, várias sequências questionáveis na TV e no cinema (as do século XXI seriam melhores), contribuindo para firmar e popularizar o gênero ficção científica. Mas o longa de Schaffner conseguiu um feito simbólico. Através de sua filosofia altamente digerível às massas, colaborou em um aspecto maior. Ao discutir, de forma clara, o direito à vida e à liberdade, provocou um exercício de empatia em relação os animais. Cinquenta anos depois da estreia nas telas, a discussão permanece atual: teria o ser humano o direito de utilizar os animais como meros figurantes em seu protagonismo na Terra?
Os animais, considerados “irracionais”, estão presentes nas mais diversas formas no cotidiano dos animais classificados como “racionais”: o ovo, o bacon, a manteiga, o queijo, o leite no café da manhã, as carnes no almoço e no jantar, o couro nos sapatos e nas bolsas, os bichos domésticos obrigados a se adequar ao ambiente urbano de seus donos, castrados, com suas cordas vocais extraídas; as mascotes de times de futebol; os gatinhos fofos nos vídeos da timeline do Facebook; nos testes de remédios e cosméticos; nas telas e gaiolas domésticas; nos luxuosos casacos de pele; nas jaulas dos zoológicos; nas cédulas do real; na Primeira Guerra Mundial, quando 16 milhões de animais (cavalos, camelos, cachorros, pombos) foram usados nas batalhas; nos xingamentos burro, vaca, galinha, rato, cobra, cachorro, veado, papagaio de pirata, espírito de porco; nos desenhos animados, nas histórias infantis e na ingenuamente malvada cantiga de roda: “Atirei o pau no gato, mas o gato não morreu”.
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