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A sujeira da informação

Estudo destaca as consequências ambientais e ecológicas do crescimento exponencial do acúmulo de dados e do acesso à internet

TEXTO Yellow

01 de Novembro de 2016

“Os servidores que armazenam os arquivos da nuvem também são computadores, só que nunca desligados”

“Os servidores que armazenam os arquivos da nuvem também são computadores, só que nunca desligados”

Foto divulgação

[conteúdo da ed. 191 | novembro de 191]

Costumamos culpar os automóveis pela emissão de CO2, efeito estufa e aquecimento global. Cidadãos conscientes dirigem Teslas e Priuses, e navegam em seus smartphones durante engarrafamentos. No entanto, a internet também aquece a Terra, e grande parte do impacto ecológico que a humanidade desfere no planeta, hoje em dia, tem origem na informação que transmitimos e armazenamos na internet.

Durante milhares de anos, a palavra informação, derivada do verbo em latim informare, significava “dar forma ao pensamento”, “ensinar” ou “treinar”. Esperava-se que a informação contivesse significado. Essa forma de entender e usar o termo mudou, durante o século XX.

Em 1948, os laboratórios da companhia telefônica americana Bell anunciaram a invenção do transistor, um dispositivo simples que substituiria em todos os aspectos as grandes válvulas que eram usadas em computadores até então. O transistor possibilitou uma revolução eletrônica, iniciando os processos de miniaturização e onipresença que continuam até hoje. 

Porém, como descreve James Gleick, em A informação – Uma história, uma teoria, uma enxurrada (Companhia das Letras, 2013), “Uma invenção ainda mais profunda e fundamental surgiu numa monografia publicada em 79 páginas da Revista Técnica dos Sistemas Bell nas edições de julho e outubro. Ninguém se preocupou em fazer um comunicado à imprensa. Ela trazia um título ao mesmo tempo simples e grandioso – Uma teoria matemática da comunicação –, e a mensagem era difícil de ser resumida. Mas ela se tornou o fulcro em torno do qual o mundo passou a girar. 

Como o transistor, esse avanço também envolveu um neologismo: a palavra bit, escolhida nesse caso não por uma comissão, e, sim, pelo autor, um homem de 32 anos chamado Claude Shannon. O bit então se juntou à polegada, à libra, ao quarto de galão e ao minuto e passou a ser visto como uma quantidade determinada — uma unidade fundamental de medida. Mas para medir o quê? “Uma unidade de medida da informação”, escreveu Shannon, como se algo como a informação fosse mensurável e quantificável.

Buscando apenas maneiras de tornar mais eficaz a transmissão de ligações telefônicas, e inspirado pelo telégrafo e o Código Morse, o jovem e recluso pesquisador sugeriu a codificação de todo tipo de informação (texto, áudio, imagens, vídeos) em código binário. A menor unidade da informação, a distinção entre 0 e 1, seria o bit. E assim a informação passou a ser entendida como algo que, se existe, precisa necessariamente ocupar espaço no mundo, é física.

Os antigos egípcios registravam seus hieróglifos em pedra. Posteriormente, criaram o papiro, e o papel, como o conhecemos hoje, veio da China. A informação guardada em suporte digital ocupa menos espaço, não sofre erosão ou degradação e pode ser transmitida e copiada sem perdas. Um mundo sem papel, portanto, deveria diminuir o impacto ecológico da humanidade. Porém, cada bit precisa de energia elétrica para existir, e a partir da popularização dos computadores pessoais, durante as duas ou três últimas décadas, passamos a vivenciar um crescimento exponencial na quantidade de informação criada pela humanidade. E o crescimento exponencial é traiçoeiro, algo com o qual as mentes humanas não evoluíram para entender naturalmente.

Costumamos imaginar e representar a internet como uma teia de conexões, um rizoma. Vale lembrar que cada conexão, cada vértice de sua complexa arquitetura representa um servidor que guarda nossas informações. E, com o passar do tempo, não apenas o número de pessoas com acesso à internet aumentou, como também multiplicaram-se os tipos de informação que são coletadas e armazenadas acerca de cada usuário.

Em 1994, quando o acesso à internet passou a ser aberto para provedores privados, o primeiro da RMR, a empresa Elógica, costumava disponibilizar para seus clientes um pacote de 30 reais mensais, que garantia 30 minutos de acesso à internet, via modem, uma conta de e-mail no formato @elogica.com.br, que tinha tamanho limitado e era feito para que os e-mails ficassem armazenados no computador do cliente, e um espaço em seus servidores, no qual o contratante poderia hospedar sua página pessoal. Para ter presença na internet, em seus primórdios, a pessoa era obrigada a conhecer sua linguagem de formatação (o HTML) e seu protocolo de transferência de arquivos (o FTP).

Hoje em dia, é muito mais fácil para um usuário da internet publicar na rede seu conteúdo. Serviços como Twitter, Facebook e Wordpress permitem a todos fazerem declarações online sem a necessidade de sequer entender como a internet funciona. Foram criados também outros serviços, como Gmail e Google Docs, que armazenam em seus servidores os arquivos que usuários costumavam manter em seus discos rígidos, como e-mails, arquivos de texto, apresentações e tabelas. A facilidade de armazenar nossos arquivos na nuvem é tão grande, que cada vez mais pessoas optam por guardar fotos e vídeos em serviços como Google Photos ou Dropbox. 

No entanto, esses servidores que armazenam os arquivos da nuvem são computadores também, assim como os que possuímos em casa. No entanto, gigantescos, e não desligam nunca. Quando acessamos uma foto que foi postada no Instagram, por exemplo, ou ouvimos uma música através do Spotify, isso significa que estamos recuperando um arquivo armazenado em um disco rígido localizado em alguma parte do mundo. Um usuário qualquer da Google faz a empresa consumir, por mês, o equivalente a três horas de uma lâmpada de 60 watts.

Imagine computadores com discos rígidos capazes de conter todas as fotos do Flickr, ou todos os vídeos do YouTube. Ou todos os tweets

Só que a quantidade de informações com que cada usuário da internet contribui diariamente está muito além de suas fotos e vídeos. Quando utilizamos qualquer tipo de serviço na internet, através de computadores, smartphones, consoles de video game ou tevês, todos os dados de nossa navegação estão sendo coletados por empresas de cartões de crédito, de telefonia celular, bancos, drogarias, supermercados, e são agregados por firmas de pesquisa de big data, como Acxiom, Claritas e Datalogix. Por dia, cada usuário do Facebook ou do Waze gera milhares de “pontos de dados”, informação que precisa ser armazenada em discos rígidos, e replicada em vários outros, para que não corra o risco de desaparecer.

Os data centers de hoje são medidos em hectares. Cidades de armazéns repletos de computadores, cada um deles coordenando centenas de discos rígidos, ligados eternamente dentro de ambientes refrigerados artificialmente. Eles se localizam, sempre que possível, em áreas de baixa especulação imobiliária, embora existam também data centers em áreas urbanas, como os dos supercomputadores que manipulam as ações das bolsas de valores.

O resultado disso é que a internet é, hoje, um dos maiores consumidores de energia elétrica do mundo. Em um estudo divulgado em maio de 2015, a organização Greenpeace estima que, se fosse um país, a internet seria o sexto maior consumidor de eletricidade.

No Brasil, a instalação de data centers é bem menor do que em outros lugares, devido à burocracia e aos altos impostos. Uma matéria do site TechinBrazil, de setembro de 2015, aponta que a soma das áreas construídas de todos os data centers brasileiros era menor do que toda a estrutura encontrada na cidade de Miami. 

Os maiores data centers brasileiros de que se tem notícia pertencem a bancos, provedores e companhias telefônicas. O Itaú instalou o seu em Mogi Mirim, SP (que consome 90 Mega Watts), e o Santander está em Campinas, SP (consumindo 50 MW).

O grande problema de um consumo de energia tão grande é que grande parte da eletricidade produzida no mundo não vem de fontes renováveis, como as hidrelétricas. Países desenvolvidos ainda queimam combustíveis fósseis para produzir eletricidade, como os Estados Unidos, cuja matriz energética possui 66% de queima de carvão, gás e petróleo.

No supracitado estudo, a Greenpeace aponta uma vontade genuína das empresas de tecnologia em mudar suas fontes de eletricidade para meios de produção de energia limpa, como a hidrelétrica, eólica e solar, porém ainda encontram barreiras nos monopólios que fornecem eletricidade. As empresas mais verdes são Apple, Facebook e Google. O Facebook chegou a criar uma arquitetura própria e mais energeticamente eficiente para o hardware de seus data centers, dispensando fornecedores como Dell e HP.

A Greenpeace aponta, ainda, a Amazon e as empresas de streaming de vídeo como as maiores vilãs digitais do planeta. A primeira está rapidamente se tornando a maior rede de varejo do mundo, prestes a desbancar gigantes como Walmart. Em sua competitividade agressiva, é a maior provedora de serviços de computação em nuvem, com sua afiliada Amazon Web Services. Embora tenha prometido instalar campos de energia eólica de 100 MW para abastecer seus data centers, no ano passado, expandiu seu consumo para mais que o dobro disso, usando todo tipo de energia que estiver disponível.

Nós nos acostumamos a assistir a vídeos de alta resolução de gatinhos em caixas, no YouTube, e séries exclusivas no Netflix, praticamente sem tempo de espera no carregamento. Esse superpoder é proveniente de um grande investimento dessas empresas em infraestrutura de bancos de dados. A Netflix é tão suja, que foi necessária uma investigação, de cientistas da Mary Queen University of London, para localizar seus 4.669 servidores secretos. O Brasil é o único país da América do Sul que possui (cerca de 50) servidores.

Existe algo que o consumidor consciente possa fazer? Pode cobrar de companhias quais serviços ela usa para que utilizem eletricidade mais verde. Pode ainda se informar sobre o que consome e escolher empresas mais limpas. Ou continuar a assistir House of Cards enquanto sua casa submerge na maré elevada pelo derretimento das calotas polares. 

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