Neste ano, ainda estão sendo preparadas mais reverências a Moacir, como o novo disco do Grassmass, projeto do músico pernambucano Rodrigo Coelho. “Tributos a Moacir dentro do jazz existem aos montes. O objetivo principal é aproximar as gerações mais novas de sua obra. É uma re-visão de seus temas mais mântricos, com synths no lugar dos sopros, mantendo a percussão tribal, mas numa paisagem sonora mais densa. Tudo gira em torno dessa apropriação da musicalidade africana, não no sentido arqueológico de revisitá-la, mas de entendê-la como semente de uma nova estética musical, um novo ‘afro-futurismo’”, explica o ex-baixista da Jorge Cabeleira.
O repertório de Tribute to Moacir Santos, que traz duas inéditas de Coelho, é baseado principalmente em Coisas com versões permeadas por sintetizadores, drum machines, piano, baixo, guitarras, bateria e percussão (gravada por Lucas dos Prazeres). Duas faixas estão disponíveis: Coisa nº 4 (download através do site The Wire) e Coisa nº 2, no SoundCloud. “O encontro entre o passado e o futuro, entre a música de raiz e a música universal, é algo que sempre me fascinou. Quando ouvi Coisas, onde toques de candomblé se fundiam a um gênero contemporâneo como o jazz, percebi que essa busca ressoava de forma universal”, complementa.
De mais uma audição de Moacir, surgia outro arrebatamento e um trabalho decorrente. O compositor e músico paulista Lucas Bonetti estudava Instrumento Popular do bacharelado em Música da Faculdade Santa Marcelina (SP) quando, durante uma aula de percussão, ouviu pela primeira vez uma composição do artista: Maracatu, nação do amor (April child). Ficou tão impressionado que passou a pesquisar a obra moaciana. “O mais interessante para mim na carreira do Moacir é sua diversidade de facetas. Em todas as suas áreas de atuação, ele tem produções muito relevantes, desde seus arranjos na época da Rádio Nacional até suas músicas compostas para cinema, além de ter atuado brilhantemente como professor e gravado diversos discos seminais. Sempre há algo novo para ser descoberto em sua obra”.
Esse estudo evoluiu para um mestrado na Unicamp, em 2012, com o objetivo de pesquisar suas composições para cinema. “Primeiro, houve um resgate dos filmes, pois muitos estavam perdidos e não tinham sido relançados comercialmente em novos formatos. Depois disso, todas as inserções musicais foram devidamente decupadas para se iniciar o processo de transcrição. Levei seis meses para transcrever todos os parâmetros musicais, como estrutura formal, instrumentação, linhas melódicas e harmonizações. Depois disso, consultei diversos músicos especialistas, como Proveta, André Mehmari e Fernando Corrêa, para refinar as transcrições, e esse processo de revisão durou mais seis meses”.
Em 2014, depois de defendida a dissertação, o projeto foi contemplado no edital do Rumos Itaú Cultural. Inicialmente, o apoio visava a divulgação das partituras em livro. “Mas como a ideia era uma publicação de distribuição gratuita, para poder facilitar o acesso a esse material, decidi, junto aos produtores do Rumos, que uma plataforma online viabilizaria também o acesso a trechos dos filmes. De fato, essa é uma das funcionalidades mais interessantes do site: poder assistir aos excertos audiovisuais simultaneamente com as transcrições da trilha em partitura.”
O Trilhas Moacir Santos (trilhasmoacirsantos.com) abrange partituras das composições do maestro para o cinema brasileiro no início da década de 1960, no período anterior ao lançamento de Coisas. Os filmes que tiveram suas composições transcritas e analisadas foram: Ganga Zumba (Cacá Diegues, 1963), Seara vermelha (Alberto D’Aversa, 1964), Os fuzis (Ruy Guerra, 1964) e O beijo (Flávio Tambellini, 1965). Nessa pesquisa, Bonetti identificou células embrionárias da obra-prima que Moacir lançaria em seguida.
“Imediatamente depois de finalizar o mestrado sobre suas trilhas musicais, com o foco em suas produções brasileiras, iniciei um projeto de pesquisa de doutorado, também na Unicamp, investigando a sua produção norte-americana. Em 2015, pude morar por aproximadamente quatro meses na Califórnia para realizar uma pesquisa de campo, financiada pela Fapesp, como parte do doutorado em andamento”, relata Bonetti, que ainda está preparando a produção do disco de estreia do seu grupo, Ágar-Ágar Trio, focando seu repertório especificamente nas adaptações das trilhas musicais de Santos. “É uma forma de ressignificar as partituras transcritas por mim para o projeto”, completa.
Assim como escreveu músicas para o cinema, o próprio Moacir Santos renderia, com sua história, um filme. E este deve ser realizado. O cineasta pernambucano Daniel Aragão afirma que já deu início ao projeto. “O filme é uma ficção, finalizei o roteiro já nessa minha última passagem pela Califórnia, mas não sei quando o longa será produzido. Vou ter que esperar o destravamento de tudo, possivelmente dentro de dois anos iniciarei. Minhas negociações com os produtores norte-americanos dependem de uma certa estabilidade no Brasil. Mas o roteiro está lindo”, adiantou o diretor.
A trajetória cinematográfica do nosso Ouro Negro foi brevemente descrita pelo sambista e letrista de algumas composições de Moacir, Nei Lopes: “Só mesmo o destino, com os vários nomes que tem, para transformar um negrinho do interior de Pernambuco, nascido menos de quatro décadas após a abolição da escravatura e órfão aos 3 anos de idade, em um dos músicos brasileiros mais reconhecidos, nacional e internacionalmente, em todos os tempos. Pois este é o resumo da história do maestro Moacir Santos, que, aos 14 anos, nem sabia ao certo sua idade nem a grafia de seu nome. E que, impulsionado por uma força estranha, veio vindo, do interior de Pernambuco para o Recife, do Recife para João Pessoa, de João Pessoa para o Rio de Janeiro, do Rio de Janeiro para Los Angeles e de Los Angeles para o mundo.”
E, assim, bem do jeito de Moacir, serena e elegantemente, seu legado e sua fama vão se expandindo.