Morre, aos 89 anos, Vladimir Carvalho
Cineasta paraibano, um dos fundadores do curso de Cinema da UNB, começou a carreira ao lado de Eduardo Coutinho e dirigiu mais de 20 obras, como o documentário "Rock Brasília"
24 de Outubro de 2024
Vladimir Carvalho no campus da UNB, onde foi professor
Foto Mila Petrillo/Divulgação
Um dos maiores nomes do cinema documental brasileiro, o diretor e produtor paraibano Vladimir Carvalho morreu, nesta quinta-feira (24/10), aos 89 anos em Brasília, de infarto. O cineasta estava internado desde o dia 5 de outubro, no Hospital Santa Helena, em consequência de problemas renais. Dentre as suas principais obras, estão O país de São Saruê (1971), Conterrâneos velhos de guerra (1991), O engenho de Zé Lins (1991), Barra 68: Sem perder a ternura (2000), Rock Brasília: Era de ouro (2011); e Cícero Dias, o compadre de Picasso (2016).
Nascido em 31 de janeiro de 1935, em Itabaiana, Zona da Mata da Paraíba, Vladimir Carvalho é o irmão mais velho do diretor e fotógrafo Walter Carvalho. Ainda pequeno, foi levado pelos pais ao Recife para ser criado por uma tia, onde receberia uma melhor educação. A partir de 1959, passa a atuar como crítico nos jornais A União e Correio da Paraíba, de João Pessoa, para onde se mudara com a tia. Em seguida, em Salvador, se juntaria ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes. Cursando Filosofia na Universidade Federal da Bahia, conhece Glauber Rocha, passando a integrar as movimentações do Cinema Novo.
Após realizar o documentário Romeiros da Guia (1962), Vladimir Carvalho trabalhou como assistente de direção de Eduardo Coutinho no clássico Cabra marcado para morrer, cujas filmagens foram interrompidas por conta do golpe militar de 1964, sendo concluído somente após 17 anos e lançado apenas em 1984. Em 1969, ingressou na Universidade Federal de Brasília como professor, sendo um dos fundadores do curso de Cinema da UNB.
No dia em que sofreu o infarto, Vladimir havia concedido uma entrevista à jornalista Márcia Zarur, para uma websérie produzida para o Sesc. Ele havia deixado o imóvel que abriga a Fundação Cine Memória, que guarda todo o acervo construído em 50 anos de carreira, e caminhava para casa quando sentiu-se mal e chamou a esposa Maria do Socorro.
Com o documentário Cícero Dias, o compadre de Picasso, o cineasta conquistou os prêmios de Melhor Roteiro e de Direção do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2016. O filme é um retrato íntimo do pintor pernambucano, que se radicou na França nos anos 1930, fugindo da ditadura do Estado Novo, e conviveu com grandes nomes da Arte Moderna, como Pablo Picasso e Fernand Léger. Para o documentário, Vladimir visitou o túmulo de Dias no Cemitério de Montparnasse, que tem como lápide o título de sua obra mais famosa Eu vi o mundo… ele começava no Recife, ponto de partida para ele entrevistar o pintor, e ceramista Francisco Brennand, o romancista e dramaturgo Ariano Suassuna e o crítico de arte Frederico Morais, entre outros.

Foto: Divulgação
Após lançar filmes políticos e sociais, em suas últimas obras voltou-se à arte, como em Rock Brasília - Era de Ouro, lançado em 2011. O documentário traz depoimentos de vários músicos que fizeram parte do levante roqueiro na capital do país. Dentre eles, Renato Russo, entrevistado pelo documentarista, em 1988, antes de uma apresentação do Legião Urbana, no Estádio Mané Garrincha.
"Vladimir Carvalho é um nome incontornável do cinema documental brasileiro. Ele começou sua carreira como assistente de direção do mítico documentário Aruanda, de Linduarte Noronha, e trabalhou com Eduardo Coutinho nas filmagens interrompidas de Cabra Marcado Para Morrer em 1964 por conta do golpe militar o que o levou a viver alguns meses na clandestinidade. Em 1971, realizou O país de São Saruê, um filme sobre a dura vida dos lavradores e garimpeiros no semiárido paraibano. A censura do regime militar, porém, interditou a obra que só pode ser vista no Festival de Brasília em 1979. Hoje, ele é considerado um dos melhores documentários do cinema nacional", comenta o professor e cineasta Alexandre Figueiroa.
"Tive oportunidade de conhecer Vladimir pessoalmente quando cobri várias edições da Jornada de Cinema da Bahia, nos anos 1990, e nas vezes que veio ao Recife. Sempre foi um entusiasta do documentário nacional e seus filmes se destacam pela relevância que ele dava aos entrevistados e o enfoque político e social que marca toda sua obra. Conversar com ele sobre seus documentários era como se o filme se desdobrasse e ganhasse uma nova versão ainda mais apaixonada do que o que víamos na tela", destacou Figueiroa, ressaltando, ainda, que Vladimir Carvalho foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD).
Veja abaixo o documentário Material Bruto - A memória de Vladimir Carvalho,
em que o cineasta conta sua trajetória e filmes que o influenciaram: