É frevo meu bem: "Lá vem o Homem da Meia-Noite"
TEXTO José Teles
28 de Fevereiro de 2025
Foto Eduardo Cunha/Secult-PE/Fundarpe
Frevo meu bem
Homem da Meia-Noite
O Clube Misto de Alegoria e Crítica Homem da Meia-Noite, nascido em 1931, diz-se que de um racha no Clube Cariri, ou uma disputa pra definir quem abriria o Carnaval de Olinda. Se o Cariri ia para a rua às 4h da matina, o Homem da Meia-Noite antecipou seu desfile para as 24h. O nome do bloco teria vindo da série homônima, em quatro episódios, que fez imenso sucesso no Recife nas telas do Cine-Teatro Helvética.
O Clube Carnavalesco de Alegoria e Crítica realizou seu primeiro, e modesto, desfile em 1932. No ano seguinte, já aparecia com relativo destaque na imprensa do Recife:
“Hoje vai constituir em Olinda um grande sucesso o aparecimento do Homem da Meia-Noite, troça fundada o ano passado, que muitas simpatias conquistou.
À meia-noite em ponto sairá de sua sede, precedido de uma orquestra, trazendo como símbolo a chave do carnaval a fim de dar licença a abrir as portas de momo. Devem todos aguardar sua passagem nos Quatro Cantos, local para onde convergem os foliões carnavalescos dali” (Diario da Manhã 1933).
Filiado à Federação Carnavalesca Pernambucana, o Homem da Meia-Noite, em 1935, já desfilava também no Recife, como clube de alegoria. Nesse ano, a federação anunciou apenas três, o clube olindense, e os recifenses Dragões de Momo e Quatro Diabos.
Certamente se deve à sua indiscutível originalidade, enfatizada pelo boneco, ou calunga, de 5 metros de altura, o fato de o Homem da Meia-Noite tornar-se popular em tão pouco tempo. Mas igualmente ao fato de grande parte das agremiações olindenses ser uma espécie de homenagem aos congêneres do Recife. Não pouca gente considera que seja de Olinda o lendário clube de pedestre Vassourinhas, o que realizou uma histórica viagem ao Rio, em 1951 e, que ao passar pela Bahia, inspirou a criação do trio elétrico.
O Vassourinhas de Olinda, que inteira 113 anos em 2025, foi fundado em 1912, quando o Vassourinhas do Recife já estava com 23 anos. No livro 1900 – 1981 Olinda, Carnaval e povo, de José Ataíde (1982), que merece há muito tempo uma reedição, o autor lista as agremiações de Olinda, desde o início do século passado muito deles batizaram-se com o nome de clubes e troças do Carnaval do Recife.
O Clube das Pás foi fundado em 1888. Três anos mais tarde surgiu um homônimo em Olinda. Em 1907, a Marim dos Caetés ganha um Clube Carnavalesco Misto Lenhadores, êmulo da agremiação do mesmo nome, fundada na capital pernambucana em 1897, dissidência do Clube das Pás. Em Olinda surgiu “avatar” até de troças como As Cigarreiras, que não era constituído por moças que labutavam em fábricas de cigarros (nos anos 20 havia muitas fábricas de cigarros no Recife) . . .
Lê-se com frequência que as agremiações do nosso Carnaval foram formadas por indivíduos do mesmo ofício. A troça As Cigarreiras tinha marmanjos como integrantes, mas que não trabalhavam fabricando cigarros. Boa parte deles fumava, até porque então havia até cigarros medicinais, indicados para doença de pulmão. Os cigarros Peitorais.
Esses clubes e troças olindenses não competiriam com as originais recifenses, então se restringiam praticamente a Marim dos Caetés. O Homem da Meia-Noite, no final da década de 30, “recolheu-se” à sua cidade. Os anos 1940 foram marcados pela longa decadência dos clubes de pedestres e troças. Algumas deixam de desfilar no Carnaval por falta de subsídio, entre essas o Homem da Meia-Noite.
O Carnaval de rua do Recife definhou nos anos 1970. Clubes, troças, caboclinhos, maracatus desfilando em passarela oficial tornavam impossíveis de serem seguidas pelos foliões, como acontecia quando saíam pelas ruas dos bairros centrais. No final da década, o Carnaval de Olinda foi tomando corpo. Multidões passaram a acompanhar os desfiles de Elefante, Pitombeira, Homem da Meia-Noite, Virgens do Bairro Novo. Foram surgindo novos blocos, Eu Acho É Pouco, o Siri na Lata, bloco recifense de esquerda que desfilava em Olinda.
De lá para cá, Olinda faz um Carnaval disputadíssimo, cada ano mais animado, e o Homem da Meia-Noite é a agremiação mais reverenciada. Sua saída, à meia-noite em ponto, é um acontecimento do Carnaval do estado. Mas encarar o desfile é para os fortes. A rua estreita onde fica a sede do clube é totalmente tomada por foliões. Quando o calunga gigante começa a se mexer, a orquestra a tocar, é cada um por si. Cada qual protegendo seu espaço. Um Carnaval como acontecia na primeira década do século 1920, quando situações idênticas levaram a surgir o frevo e o passo.