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Carnaval pernambucano em Lisboa

Brasileiros levam suas experiências na folia momesca do país às ruas da capital portuguesa, com diversos ritmos, inclusive o frevo, através do bloco Boi Tabaco, organizado por recifenses

TEXTO Álvaro Filho

25 de Fevereiro de 2025

Foto Libia Florentino/Divulgação

O frevo vai estrear no Carnaval de Lisboa. O bloco Boi Tabaco, formado por quatro recifenses que vivem na capital portuguesa, vai completar a lista de ritmos pernambucanos que já saem às ruas na agitada folia lisboeta, ao lado dos pífanos do Palhinha Maluca, do maracatu do Baque Mulher e Baque do Tejo, e do forró na versão carnavalesca do Que Nem Jiló.

“A ideia já estava em cima da mesa fazia um tempo, mas faltava coragem para entrar nessa loucura, até porque costumo dizer que não brinco carnaval, pois carnaval para mim é coisa séria”, diz Eduardo Vieira, 41 anos, um profissional da área de gestão de projetos que trocou Recife por Lisboa há oito anos.

Ao lado de mais três pernambucanos, o amigo de infância e também gestor João Compasso, do músico e produtor musical Sam Nóbrega e da designer de moda Ana Carollina Viterbo, em pouco mais de um mês os quatro conseguiram tirar a ideia de cima da mesa e torná-la realidade.

Organizadores do Bloco Boi Tabaco. Foto: Divulgação

A primeira festa do “mais novo, maior e mais bonito bloco em linha reta da península Ibérica”, como anunciam os fundadores, acontece no Sábado de Zé Pereira, nos jardins do Bar da Piscina, ao pé do imponente Panteão Nacional, no bairro de Alfama que, com casinhas brancas, ladeiras e becos, lembra bastante Olinda.

Apesar do pouco tempo de divulgação, em menos de um mês os ingressos disponíveis já haviam se esgotado. A programação prevê DJs com o set de músicos pernambucanos e o primeiro show da Banda do Boi, com Eduardo - que no Recife fazia parte da banda pop Mr. Peter - no vocal, Sam Nóbrega no violão, acompanhados dos convidados Filipe Bastos, na percussão, e Alexandre Pinheiro, no saxofone.

Para quem lê a matéria e não é de Pernambuco, o nome Boi Tabaco vem de uma expressão pernambucana para qualificar alguém que é excessivamente ingênuo. “Queríamos algo que de imediato se referisse a Pernambuco e quando foi sugerido, não houve contestação”, recorda-se Eduardo.

O bloco ainda nem estreou e já faz parte da União de Blocos de Carnaval de Rua de Lisboa (UBCL), criada há quatro anos para ordenar as agremiações que começaram a surgir na última década, impulsionada pela forte imigração brasileira para Portugal. “A recepção dos outros blocos foi fantástica. Disseram: até que enfim, alguém para tocar frevo!”, diz Eduardo.

O Boi Tabaco é o 14º bloco lisboeta e traz o frevo para um carnaval com samba, maracatu e axé e já conta com ensaios livres, prévias e desfiles nos quatro dias oficiais. Uma “novidade” para um carnaval que até dez anos atrás resumia-se aos desfiles das escolas na sexta-feira.

Uma das pioneiras na folia lisboeta é a Colombina Clandestina, que começou a desfilar em 2016 com um cortejo modesto e hoje arrasta 20 mil foliões pelo tradicional bairro da Graça. Tão antigo é o Baque do Tejo, fundado pelo desenhista industrial paulistano Fabrício Buriti, que descobriu o maracatu ouvindo Chico Science.

Fabrício Buriti, fundador do Baque do Tejo. Foto: Álvaro Filho

“Quando ouvi o Da Lama ao Caos, me apaixonei imediatamente por aquela batida potente”, conta Fabrício. A paixão foi tão grande que o desenhista trocou a escrivaninha e o escritório por uma bancada de oficina e há dez anos fundou em Lisboa a Buriti Percussão, onde fabrica instrumentos percussivos, como pandeiros, agbês, triângulos e, claro, alfaias.

O Bloco do Tejo sai num cortejo no domingo de carnaval, também por Alfama, com 40 percussionistas e um corpo de dança que inclui uma rainha do maracatu. A devoção ao ritmo pernambucano levou Fabrício a estabelecer laços com nações de Pernambuco, como a Estrela Brilhante de Igarassu, a Encanto do Pina e o Leão Coroado.

Mão por trás do batuque dos principais blocos de Lisboa, Fabrício não fica só nos instrumentos percussivos e produz os pífanos do bloco Palhinha Maluca (a “palhinha” é como os portugueses chamam os canudos de refrigerante e o maluco remete ao som irreverente do instrumento) e que reúne integrantes de vários estados do Nordeste.

O mesmo acontece com as meninas do Baque Mulher, com forte DNA pernambucano mas composto por percussionistas de todo o mundo, e o Que Nem Jiló, que, apesar da homenagem a Luiz Gonzaga, tem uma formação eclética, com integrantes estrangeiros que cantam, além dos sucessos do Velho Lua em versão carnavalesca, hits de Alceu Valença, entre outros.

A efervescência do carnaval brasileiro tem alterado o cenário da data em Lisboa, desacostumada com a pressão da folia “zuca”. O que vem rendendo uma quebra-de-braço da União dos Blocos com a prefeitura local de cariz mais conservador e menos tolerante.

Foi preciso a Embaixada do Brasil intermediar uma negociação e a paz parecia selada após a prefeitura de Lisboa garantir, durante a última reunião luso-brasileira realizada em Brasília agora em fevereiro, em apoiar os blocos brasileiros na capital. A uma semana do Carnaval, porém, voltou atrás na decisão.

O que não vai impedir os desfiles, garante o presidente da União dos Blocos, Cauê Matias.

“O carnaval brasileiro não é um evento internacional, como querem insistir e nos cobrar taxas altíssimas, mas uma manifestação cultural e de resistência realizada pela maior comunidade imigrante na cidade e no país e deveria fazer parte do calendário oficial de Lisboa”, contesta.

Em Lisboa, portanto, o frevo estreia no carnaval de Lisboa no melhor estilo “sai na marra”.

ÁLVARO FILHO, jornalista pernambucano radicado em Lisboa.

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