Gaga: five foot two
Documentário mostra os bastidores da carreira e da vida de Lady Gaga
TEXTO Eduardo Montenegro
25 de Setembro de 2017
Foto: Reprodução
Durante boa parte da carreira de Lady Gaga, a artista manteve-se num status inexpugnável de grandeza, glamour e boa recepção por parte da mídia. Quando Just dance, após um ano, conseguiu fazer sucesso, seguido pelo smash hit Poker face, Gaga começou a trilhar um caminho de fama em que ascensão, aclamação comercial e prêmios virariam rotina. É claro, não só o apoio financeiro da gravadora, o apoio da mídia e dos fãs colaboraram para seu sucesso: é inegável que Lady Gaga nasceu para ser o que é, de talentosa que se é. Quando entrou na era The Fame Monster, com a estrondosa música Bad romance, a descendente de italianos nascida em Nova York já era um ícone da moda, com suas roupas excêntricas, ousadas – uma rebeldia que se refletia em suas músicas. Talvez um dos momentos mais importantes para a carreira dela foi quando, após lançar Born this way, se apresentou no Grammy de 2011, vencendo três categorias.
Entretanto, como a própria já encorporou na performance de Paparazzi no Video Music Awards de 2009, a fama é traiçoeira e torna seus personagens vulneráveis. A partir do lançamento de Judas, a lady que mantinha-se firme e rígida deu seus primeiros vacilos. Desde esse momento polêmico, em que lançou a música nas proximidades da Páscoa, Lady Gaga, de inatingível, virou alvo. Principalmente quando teve de cancelar a já bem sucedida Born this way ball tour quando quebrou o quadril. Lady Gaga, enfim, estava vulnerável.
É, afinal, sobre esse lado vulnerável que se trata o documentário Gaga: five foot two, dirigido por Chris Moukarbel, mais um original da Netflix. Por “five foot two”, entende-se o tamanho/altura de Lady Gaga (ou Stefani Germanotta) segundo a tabela dos Estados Unidos – aqui, seria em torno de 1,50 a 1,55. Podemos fazer um paralelo entre seu tamanho e seu momento atual da carreira, com o lançamento do Joanne, cujas músicas vimos ser criadas durante o filme: em poucos momentos desde o início de sua vida pública, Lady Gaga permitiu ser vista sem salto alto, na maioria das vezes, extravagantes plataformas de Alexender McQueen, por exemplo. Agora, na tentativa de despir-se de seu lado mais alegórico, Lady Gaga quer ser vista na sua versão mais simples, íntima e pessoal de si mesma, quase abandonando seu nome artístico e assumindo-se verdadeiramente como Stefanni Joanne Angelina Germanotta. “Call me Joanne”, esbraveja logo nos primeiros momentos do show da Joanne World Tour.
O documentário acompanha a criação do Joanne, em 2015, até a performance no intervalo do Super Bowl, já neste ano. Poderia ser apenas um documentário de bastidores, e realmente o é, se Lady Gaga não nos permitisse ver a dor que enfrenta há, pelo menos, cinco anos. Recentemente, revelou que sofre de fibromialgia, doença que causa fortes dores musculares pelo corpo, motivo pelo qual a cantora cancelou sua participação durante o Rock in Rio de 2017 e adiou algumas datas da turnê para o início de 2018.
Entre sessões médicas aqui, idas aos estúdios e momentos um tanto divertidos, Lady Gaga também nos dá pequena lição, à sua própria maneira, sobre o papel da mulher no mundo da música. Com um cigarro na mão, revela que, por diversas vezes, os empresários queriam dizê-la como deveria ser sexy, como deveria se portar como cantora pop etc. Em outras palavras, tirava o controle das mãos dela. Para fazer com que ainda se sentisse dona de sua própria carreira, Gaga diz que fazia coisas absurdas para dar seu recado, como a ideia de sangrar no VMA de 2009.
O documentário se vende como um raio-x da pessoa por trás dos vestidos de carne, das roupas coladas, das perucas e da maquiagem. E é triunfante nesse sentido, uma vez que não se torna público somente as dores físicas do ícone da música, mas também, de suas carências emocionais e psicológicas. Numa das cenas, faz um paralelo entre sua vida profissional e amorosa, por mais clichê que possa soar: quanto mais vendia, mais perdia algum namorado. Revela que, sim, sua vida amorosa é um fracasso e sente falta de alguém.
Do ponto de vista técnico, Gaga: five foot two cumpre seu papel sem grandes excedentes. A fotografia do filme pode chamar atenção em algumas cenas, como nos ensaios para o Super Bowl. Entretanto, o que chama mesmo atenção é o roteiro – e sabemos que é mais difícil escrever um roteiro documental do que de um filme ficcional. Certamente, Chris deve ter previsto, junto com a Gaga (que está na produção do longa), quais cenas queriam adicionar ou filmar. O que poderia acontecer nelas é que seria o diferencial. Por exemplo, uma das cenas mais sensíveis e bem filmadas de Gaga é quando apresenta a música Joanne para sua avó, mãe de Joanne, irmã de seu pai, logo, tia de Lady Gaga. Enquanto o enquadramento coloca em primeiro plano Stefani/Gaga e a avó ouvindo a música, e em segundo plano, uma fotografia da homenageada, o pai Joe sai do cômodo. A perda da tia, morta com lupus, ainda é uma dor presente na família Germanotta.
Cru, sensível e poderoso na medida que tem que ser, Gaga: five foot two é um dos documentários essenciais para quem quer que se interesse por música. É como que se Gaga perguntasse, exatamente como canta em Aura: “do you wanna see the girl who lives behing the curtain?” Você quer ver a garota por trás da cortina?