Sempre passo muito tempo pensando em como tratar/chamar a morte de David Foster Wallace. A morte de David Foster Wallace é fato. Morreu. Faz 10 anos. Matou-se. Foi para o céu (ou para o inferno, pra quem acha que os suicidas não merecem perdão). Abotoou o paletó de madeira. Está vendo capim nascer de baixo pra cima.
Dizer isso não ofende. Porque é fato; porque não é ofensivo; porque, se fosse, ele não iria ouvir porque, precisamente, ele morreu.
Mas, se fôssemos (imaginemos, por alguns momentos) falar do passamento de um amigo, de que modo nos referiríamos ao acontecido? O ponto, aqui, é esse: David Foster Wallace é um daqueles escritores que fazem você querer ser amigo dele. Holden Caufield se sente assim em relação a Somerset Maugham. Eu queria ter sido amiga de David Foster Wallace.
É isso que David Foster Wallace causa em nós, quando o lemos. Ou quando lemos sobre ele: como acontece em Although of course you end up becoming yourself, livro no qual David Lipsky transformou o material de uma nunca escrita reportagem para a Rolling Stone em um comovente relato dos últimos dias da turnê americana de divulgação de Graça infinita, comparado ao Ulysses de Joyce e alcunhado de “o último grande romance do século XX”.
Durante este interstício, a conversa – registrada ao longo de voos confirmados e cancelados, estradas, hoteis, entrevistas, restaurantes de beira de estrada, cigarros e acompanhantes que servem de guias nas cidades visitadas (e desaprovam o seu figurino, ao contrário de John Updike, elogiado por, nas mesmas ocasiões, apresentar-se de paletó de tweed e gravata) – gira em torno de televisão, vida acadêmica, cultura pop, cinema, música, política, economia e sentido da vida... Além, é claro, da literatura. E de como 90% do que lhe advinha dos livros que ele “realmente amava” era o que chamou de senso de uma conversa acerca da solidão. O gênio se transmuda, cada vez mais, em um ser humano. De quem a gente tem vontade de ser amigo.
Ao contrário do mito do "gênio atormentado", a angústia de Foster Wallace é palpável, real, conhecida. Nós já a vimos em outras pessoas. Nós já a sentimos. Em determinado momento, todos iremos procurar por algo, e a pergunta continua sendo o quê? Em seu famoso discurso This is water, a questão se resume, magistral e simplesmente, à possibilidade de que seja a própria vida antes da morte.
David Foster Wallace poderia ter sido nosso amigo. Em certo grau, David Foster Wallace poderia ser qualquer um de nós. Alguém que é inteligente e engraçado, que sofre com a depressão, que planeja um futuro com família e filhos, que aponta as coisas que são “absolutamente incríveis, mas inacreditavelmente dolorosas”, que tem dificuldades de relacionamento, que não se encaixa, que dá a volta por cima, que tem esperanças, que luta, mas que sucumbe. E se mata. Se suicida. Tira a própria vida.
E, com isso, deixa um buraco em nós, que sentimos a falta dele como a de alguém próximo: a pátina do ausente. Porque não tem a ver com ser amado, mas com se sentir muito sozinho, internamente. Segundo Jonathan Frazen, ele e David Foster Wallace discutiram acerca da função da ficção, e chegaram à conclusão de que seria combater a solidão. Para David Lipsky, livros são substitutos sociais, e terminamos lendo livros de pessoas com as quais gostaríamos de sair para dar uma volta. Não fui amiga de Foster Wallace, mas, para ambos os fins, felizmente, todos temos os seus livros.