Filmes de arrepiar
Histórias de terror mais realistas têm conquistado a atenção do público e vêm sobrevivendo ao tempo, após décadas de filmes fantasiosos com personagens clássicos como vampiros, lobisomens e zumbis
TEXTO Jarmeson de Lima
24 de Outubro de 2025
Imagem do filme Poltergeist (1982), de Tobe Hooper
Foto Divulgação
E se fosse com você? A gente vê a cena e imediatamente começa a pensar em como reagir e como se sair de determinada situação. E se for no âmbito do terror, aí, meu amigo e minha amiga, a coisa muda de figura. Não dá muito pra saber como a pessoa vai reagir se um alien aparecer em sua cozinha. Ou o que fazer se zumbis corredores surgirem no seu caminho na calçada. Nos exemplos dados que envolvem criaturas e monstros não-humanos, nem rezar adianta.
Entretanto, se a situação envolve um serial killer, um assassino mascarado ou simplesmente um complô sinistro em rituais, é possível que, sim, sua reação possa ser mais plausível em sintonia com o que o personagem de um filme faz. E vem daí, inclusive, os gritos que damos quando um personagem toma atitudes burras e vai ao encontro de um destino macabro.
É por isso que, de certa forma, histórias de terror menos fantasiosas e mais realistas têm ganhado a atenção do público e sobrevivem ao tempo depois de décadas de filmes fantasiosos com personagens clássicos como vampiros, lobisomens e outras reinvenções.
HORROR CLÁSSICO
Para os que torcem o nariz para produções de horror, no entanto, é preciso lembrar que elas existem desde o surgimento do cinema. Dentre os diversos curtas e filmagens que realizou, uma das primeiras obras de Méliès era Le Manoir du Diable, uma historinha simplória, porém assustadora para as plateias daquele longínquo final de século XIX.
Também não foram poucas as adaptações feitas para obras fantásticas que se seguiram em anos posteriores, a exemplo da primeira versão de Frankenstein, produzida pelo estúdio de Thomas Edison em 1910, sem falar das famosas histórias que foram baseadas nos contos de Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft.
Neste contexto em que a sétima arte era ainda uma novidade e tudo era motivo pra escapismo, era fácil entender porque filmes de horror com mais de 100 anos de criação eram assim. Vale lembrar que o ciclo de monstros clássicos mais conhecidos vem da década de 1930 quando Bela Lugosi encarnou o Dracula e Boris Karloff assumiu o papel do monstro de Frankenstein, dando a estes personagens seu visual mais conhecido.
MUDANÇA DE PARADIGMA
Só a partir dos anos 1950 é que pudemos ver uma certa mudança de temática e enfoque. Produções mais baratas e a revolução da contracultura ajudaram a moldar novos estilos e gêneros na filmografia de terror. Bastou o sucesso de Psicose, do notável Alfred Hitchcock, para muitos realizadores perceberem que havia algo a ser mais explorado em tramas que mesclavam crime, mistério e suspense. E novamente, volta-se ao medo do mundo real, porque Norman Bates poderia ser qualquer um. A pousada onde ocorrem as cenas do filme poderia ser qualquer uma. E a vítima no chuveiro, claro, poderia ser você!
Esse pavor de assassinos ocultos e personagens que não parecem ser o que realmente são deu margem a diversos outros ícones do horror nas décadas seguintes com cenas que exalavam requintes de crueldade. Anos antes de fazer A Hora do Pesadelo, o diretor Wes Craven já estampava no trailer de Aniversário Macabro a frase Isto é só um filme! Isto é só um filme! repetidas vezes como forma de alertar os espectadores mais sensíveis da violência visceral que estava por vir.
O fato é que poucos anos depois, iniciou-se um verdadeiro massacre e banho de sangue nas telas. Foi algo quase literal porque foi há 51 anos que Tobe Hooper lançou O Massacre da Serra Elétrica, um slasher que sedimentou o estilo para fazer com que dezenas e centenas de cineastas ao redor do mundo começassem a seguir esta fórmula. Ainda assim, a história do Massacre ainda era pouco crível, afinal se passava numa fazenda abandonada no Texas com uma turma de jovens hippies. Bastava não seguir os passos deles, pensavam os espectadores.
Mas eis que John Carpenter joga um assassino mascarado à luz do dia e da noite para perseguir suas vítimas em casas simples de jardim e quintal em cidades comuns. Já não eram castelos, não eram chalés e nem lugares ermos. A partir de 1978, o horror chegava ao lar de famílias que não tinham nada de excepcionais. Ou seja, mais uma vez, a vítima poderia ser você ao encontrar um homem sinistro com uma faca e uma máscara branca sem expressões.
Halloween - A Noite do Terror, de John Carpenter, também chamou atenção por outros motivos. Primeiramente, porque apresentava logo no início uma morte em cena pela perspectiva (ponto de vista) do assassino…e que era apenas uma criança (!), o então jovem Michael Myers. Segundo, porque foi uma produção extremamente barata que lucrou horrores em uma temporada onde blockbusters como Superman - O Filme e Grease - Nos Tempos da Brilhantina tinham estreado. Na humilde briga com esses campeões de bilheteria, o terror triunfou e ganhou uma notoriedade que marcou pra sempre o gênero.

Porém, chegando à década de 1980, cineastas de horror passaram a investir mais em efeitos práticos e digitais do que em roteiros. Era fácil ver historinhas sem nexo que serviram apenas de pretexto para motivar cenas escabrosas com litros de sangue falso na tela.
MÁQUINAS DE ESPREMER SANGUE
Essa quantidade de slashers saturou tanto nossa atenção que foi curioso ver novamente Wes Craven em ação realizando uma espécie de paródia e metalinguagem cinematográfica na franquia Pânico (Scream). Um filme que além de tentar criticar e revitalizar o gênero, ainda deixou como legado a máscara do icônico ghostface, hoje vista em tudo que é loja de presentes e, claro, copiada e usada à exaustão em festas à fantasia.
E quando até mesmo esta fórmula ficou saturada, chega uma novidade estética polêmica usada até hoje com filmagens aparentemente amadoras em que qualquer pessoa poderia ter filmado. Ao invés de uma inocente filmagem caseira de aniversários, casamentos e chá-revelação, a câmera agora apontava para a angústia e desespero de gente que parecia de verdade, ou que não aparentassem ser atores e atrizes profissionais.
Ao assistir found footages como A Bruxa de Blair, o espectador passa a virar cúmplice e testemunha do que estava acontecendo na tela. Este formato de found footage, que pode ser traduzido como "filmagens encontradas", se popularizou pelo mundo após o longa de 1999 de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez e provou ser algo bastante lucrativo também (claro), com o lançamento do espanhol [rec] e com a franquia Atividade Paranormal.

Foto: Divulgação
A câmera podia ser tremida, os enquadramentos podiam não ser ideais, a ação podia demorar a acontecer, mas quando aparecia algo em tela era impossível não se impactar e sentir aquele frio na espinha. Afinal, em um found footage estamos diante de algo que supostamente não deveria ser visto.
E o fato de ser uma obra feita em primeira pessoa nos traz para dentro do filme sem que tenham nos pedido permissão. Foi com este estilo de câmera na mão e fitas escondidas em segredo que muitos longas baratos deste tipo ganharam atenção num boca-a-boca na web para se tornarem hits virais no streaming com uma boa proporção entre custo e benefício.
É ASSIM QUE SE ASSUSTA
Essa combinação de produção de baixo custo com expressivas bilheterias é o que mantém até hoje a produtora Blumhouse como uma das mais bem-sucedidas do mundo. Pelo menos três de seus lançamentos figuram entre as maiores bilheterias do horror na história: Invocação do Mal, A Freira e Annabelle. Curiosamente, todas elas bem-relacionadas em um universo sobrenatural compartilhado.
Curioso notar também que mesmo com a presença de fantasmas, entidades demoníacas e possessões, a série de filmes Invocação do Mal também é daquelas que atrai a pessoa comum pela trama em que famílias aparentemente tradicionais também podem ser vítimas de fenômenos inexplicáveis. Ou, de repente, são pessoas comuns envolvidas sem saber em uma conspiração como aconteceu com a frágil personagem de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary, que foi vítima de um complô para a chegada do Anticristo.
E os dogmas religiosos, de certa forma, eram e continuam sendo um prato cheio para realizadores que podem buscar em escrituras sagradas uma ameaça possível para as pessoas no mundo real. Essa já era uma tônica que O Exorcista já nos apresentava há 52 anos... afinal, era só o relato de uma pobre adolescente que, de repente, foi possuída por um demônio para que seus pais tivessem que recorrer a rituais pouco ortodoxos da Igreja Católica.
O sucesso de O Exorcista também se deve ao fato de ter sido adaptado de um livro de mesmo nome que causou intensa repercussão na época. O autor, por sua vez, se inspirou em um suposto caso real que ocorreu mais ou menos como descrito no romance de William Peter Blatty. Já quem usa e abusa da ficção com tramas e traumas de personagens quase reais é um autor onipresente ao longo de cinco décadas no segmento audiovisual.
Com obras literárias que foram adaptadas e readaptadas devido ao seu apelo popular ao longo destas décadas, o escritor norte-americano Stephen King viu desde os anos 1970 suas obras ganharem vida no telão e na telinha. Um filão inesgotável junto com a quantidade de contos, romances, livros e novelas que escreveu ao longo de sua carreira.
Uma de suas obras mais adptadas é Colheita Maldita que ganhou uma franquia com 11 longa-metragens. A quantidade de filmes derivados do livro de mesmo nome, entretanto, não corresponde muito à qualidade, apesar do primeiro deles ter conquistado boa parte dos fãs de terror nos anos 1980.
Ainda na seara de adaptações de King, Carrie e Cemitério Maldito foram levados à tela grande quatro vezes cada. Seu maior hit, no entanto, é uma adaptação que ganhou três filmes: It - A Coisa, sendo a maior bilheteria já registrada para um filme do gênero, com um total arrecadado até agora em mais de US$ 700 mil. Este valor possivelmente deve aumentar, considerando seu relançamento nos cinemas para promover a vindoura série Bem-Vindos a Derry, que traz o temível palhaço Pennywise novamente sendo encarnado pelo ator Bill Skarsgård. Ainda vale mencionar O Iluminado, o primeiro e único filme de horror dirigido por Stanley Kubrick em sua carreira, sendo considerado uma obra-prima do gênero, mas que não foi bem-aceito pelo autor por conta de mudanças criativas.
Em comum a todas estas adaptações bem-exitosas, está a força dos protagonistas de Stephen King com personagens com carisma e determinação contra forças ocultas e fenômenos que não conseguem conter. O autor mostra uma predileção por narrativas com crianças e adolescentes, onde há um verdadeiro contraste com a suposta fraqueza dos personagens, nos aproximando também de conflitos que estes vivenciam e tornam essa narrativa mais empática por parte de quem lê e de quem assiste.
Enquanto isso no Brasil, o escritor Raphael Montes acumula elogios por roteiros em filmes e séries na mesma proporção em que suas obras repercutem e geram polêmica. Séries como Bom Dia Verônica e Dias Perfeitos ultrapassam rótulos de histórias policiais virando tramas de terror para mulheres com gatilhos de violência doméstica, abusos e relacionamentos abusivos. Ainda assim, é bom lembrar que isso é só um filme... Será?
AQUI TAMBÉM TEM BICHO-PAPÃO
O Brasil é um país com forte tradição oral de histórias violentas e com teor sobrenatural. Sempre contamos com a produção de inúmeras obras de horror nas mais diversas mídias. Apesar de uma trajetória irregular, temos uma filmografia que além da apropriação de referências, clichês e fórmulas do cinema internacional, caminha com suas próprias pernas seguindo marcas de aspectos regionais com caminhos autorais.
É inevitável lembrarmos do trabalho de José Mojica Marins, o cineasta responsável pela criação do inigualável Zé do Caixão, uma figura ímpar na filmografia de horror mundial com obras lançadas e relançadas em home video nos Estados Unidos, no Japão e na Europa. Muito embora tenha sido mais conhecido pelas vinhetas do famigerado Cine Trash na TV, Mojica tem um legado que inclui outras obras incríveis como O Despertar da Besta (Ritual dos Sádicos) e Exorcismo Negro, em que brinca com o status mítico do personagem que criou.

Foto: Divulgação
No entanto, não pensem que o horror no cinema brasileiro se restringe a ele. Seus contemporâneos como Carlos Hugo Christensen, Walter Hugo Khouri e Jean Garret chegaram a lançar obras que eventualmente podem ser vistas nas madrugadas do Canal Brasil, a exemplo de Enigma para Demônios, O Anjo da Noite e Excitação, respectivamente. Mas como viver de cinema naqueles anos 1970 não era fácil, depois de um tempo também tiveram que assinar produções ligadas à pornochanchada.
Mais sorte teve a geração de cineastas brasileiros deste século XXI que viram nas histórias de horror uma forma de serem ousados em suas narrativas flertando gêneros para conquistar um público mais cético. Desta turma é possível destacar o trabalho de Marco Dutra & Juliana Rojas (As boas maneiras), Dennison Ramalho (Morto não fala) e Rodrigo Aragão (Prédio vazio), este último um cineasta capixaba que pouco a pouco inseriu seu nome na seleta lista de cineastas de terror no Brasil ao estrear com o assustador Mangue Negro em 2008.
E apesar de os brasileiros estarem no topo entre os maiores consumidores de filmes de terror pelo mundo, de acordo com dados de uma pesquisa da Pluto TV*, a produção nacional é tímida em comparação a esta demanda no exterior. Ainda assim, temos obras que possuem um DNA tipicamente nacional, seja por suas paisagens ou pelos roteiros que em geral fogem das convenções típicas dos similares hollywoodianos sem que seja preciso carimbar que estes filmes sejam necessariamente histórias de terror.
Não é à toa que esse movimento crescente tenha chamado atenção até mesmo da Globo que está apostando com tudo neste filão com séries como Reencarne e Vermelho sangue trazendo ao solo tupiniquim, vejam só, vampiros e lobisomens. Mas isso aí já é outra história…
JARMESON DE LIMA, jornalista, produtor cultural, curador e integrante do coletivo Toca o Terror (@tocaoterror), que analisa e comenta obras de horror e ficção-científica desde 2013