Show de Roberto Carlos emociona, apesar dos clichês
Cantor fez terceiro show no Recife em menos de um ano e lotou o Geraldão
TEXTO Marcelo Abreu
15 de Outubro de 2025
Quando Roberto Carlos abre seu show com “Emoções”, a gente tem a sensação de que está vendo um repeteco do seu especial de Natal na televisão e entrando em um mundo de clichês. É um daqueles momentos em que se tem a certeza de que a repetição desgasta certas músicas a ponto de torná-las sem sentido. Mas aí vem a canção seguinte, “Como vai você” (e mais “Além do horizonte”, “Desabafo”, “Detalhes” e muitas outras) e a gente vai entrando num mundo de recordações pessoais, memórias das quais todo brasileiro que viveu as décadas de 60 e 70 não consegue escapar. Não tem jeito: com a força de sua música, Roberto Carlos começa a reconquistar até os mais céticos.
O cantor se apresentou no Recife pela terceira vez no intervalo de um ano, desta vez no Ginásio de Esportes Geraldão, no domingo, 12 de outubro, e quase lotou o espaço. Na noite anterior, no mesmo local, o show teve seus ingressos esgotados. Ele esteve também na cidade dezembro passado, fazendo um show de graça na praia do Pina.
Sua produção de discos rareou nos últimos anos. Aquele tradicional lançamento de todo ano, no mês de dezembro, com repertório novo, não tem surgido regularmente nas últimas duas décadas. Roberto lançou cerca de 40 álbuns de estúdio com músicas inéditas, em português, ao longo de uma carreira fonográfica que já tem 66 anos. Gravou inúmeros outros discos com versões de suas músicas em inglês, italiano e, sobretudo, em espanhol, além de discos ao vivo e colaborações com outros nomes da música brasileira. Ainda este ano, tem mais dez shows agendados pelo Brasil. Faz anualmente uma temporada num navio de cruzeiro. Para sua idade, 84 anos, é ainda um artista excepcionalmente ativo, fazendo shows todos os meses, no Brasil e no exterior.
E se alguém consegue manter o carisma intacto, esse cara é ele mesmo. O show é basicamente sempre o mesmo, baseado no chamado “repertório cama, mesa e banho” dos anos 70 e 80. Ao todo, apresenta 24 canções, incluindo “Olha” e “Lady Laura”. No meio da apresentação tem um medley no qual emenda cinco canções: “Seu corpo”, “Amanhã de manhã”, “Os botões”, “Falando sério” e “Côncavo e convexo”. Uma atrás da outra, sem intervalo, elas dão a dimensão do sucesso avassalador de Roberto ao longo dos anos.
O melhor momento da apresentação é “Cavalgada”, quando a letra poderosa é ilustrada por luzes no palco que fazem referência às estrelas que “mudam de lugar, chegam mais perto só pra ver”. E pela banda que dá um tratamento quase de rock pesado, no final da execução. É um dos poucos momentos em que Roberto ousa desafiar aquele gosto mediano de um público pouco disposto a experimentalismos e mais energia. Houvesse mais momentos como o de “Cavalgada”, o show poderia ser, como um todo, muito melhor.
Lá pelo meio da apresentação, durante a execução de “O calhambeque” e “O Cadillac”, a banda prolonga a parte instrumental e o cantor sai do palco por uns minutos, o velho truque usado pelos veteranos para uma pausa disfarçada, sem interromper o show. O público adora, e canta junto, quando ele toca a mais “recente” e pouco inspirada “Esse cara sou eu”, de 2012, e a curiosa “Mulher de 40”. O mundo pop, e mesmo a música romântica tradicional, sempre exaltou a juventude. Homenagear quem já passou dos quarenta anos, apesar da aparente obviedade do tema, torna-se uma grande sacada, sobretudo vinda de um artista que há muitos anos não é mais jovem. A letra da canção, além de comovente, dialoga com grande parte do público feminino, tão fundamental na carreira do cantor.
A banda tem um naipe de cinco instrumentos de sopro, duas guitarras, baixo, piano, teclado, bateria, percussão e duas cantoras nos backing vocals. É formada pelo maestro Eduardo Lage e por músicos veteranos que estão com o cantor há um bom tempo, totalizando 14 pessoas. Uma das decisões acertadas é o tratamento rítmico diferente que dão às canções mais conhecidas, às vezes mudando levemente o andamento e se aproximando de uma sonoridade jazzística, sempre ressaltando o romantismo das letras. Apresentar os músicos é oportunidade para o cantor dizer uma de suas gracinhas: “Com uma banda como essa, eu nem preciso cantar. Mas eu não quero perder esse emprego”.
Na parte final do show já é tradição: quando soam os acordes de abertura de “Amigo”, o público na pista do ginásio se levanta e corre para a frente do palco. É a deixa para a distribuição de flores que vai começar em breve. Curiosamente é também o momento em que várias pessoas, em lugares mais afastados, levantam-se e vão embora, como se já tivessem cumprido uma obrigação. A pressa absurda do mundo contemporâneo provoca em alguns a impaciência, a vontade de ir embora até de um show esperado e pelo qual se pagou caro. Então, com as mulheres se aglomerando próximas ao palco e alguns saindo do Geraldão, tivemos ainda os clássicos “Como é grande o meu amor por você” e “Jesus Cristo”. E finalmente, “Eu ofereço flores”, de 2023, a canção mais recente lançada por ele (entre as tocadas no show) e que dá o nome à turnê atual.
Uma apresentação de Roberto Carlos é um desses momentos que desafiam uma classificação fácil. No fim das contas, foram duas horas e dois minutos de show, incluindo 12 minutos de distribuição de flores (rosas brancas e vermelhas). O que seria tudo aquilo? Uma sessão de adoração de um público que vai de jovens a idosos e canta, sem muito senso crítico, todas as letras com familiaridade? A apresentação de um artista acomodado que se dá ao luxo de agradar sem fazer grande esforço, baseado na repetição sem fim de grandes sucessos do passado? Um desfilar de clássicos imortais da música brasileira que vão do rock dos anos 60 ao romantismo que beira a cafonice, junto com mensagens religiosas e músicas que fazem parte do imaginário coletivo de uma nação? Ou o show de um compositor de letras poderosíssimas que refletem no âmago das pessoas, falando sobre o amor? (O que, afinal, poderia ser mais importante?) Roberto parece ser tudo isso junto e por isso desafia classificações fáceis e torna-se cada vez mais um fenômeno na música brasileira.