Artes Visuais

Rodrigo Sassi e a arte sobre canteiros de obra

Artista paulista reflete sobre arquitetura, urbanismo e ruínas usando madeira, ferro e outros restos da construção civil. Uma de suas obras já pode ser conferida na Usina de Arte, em Água Preta

TEXTO Carol Botelho

05 de Maio de 2025

Rizoma (2024), obra importante do artista, ganha nova leitura na Usina de Arte

Rizoma (2024), obra importante do artista, ganha nova leitura na Usina de Arte

Foto Divulgação

Canteiro de obra deixou de ser sinônimo de construção de “algo melhor do que antes” faz tempo. Em geral, significa que um passado está sendo destruído. A sensação de tristeza pela perda da memória vem junto com um sentimento de esperança de transformação quando olhamos para o trabalho do artista paulista Rodrigo Sassi. Em suas instalações e esculturas realizadas com materiais descartados pela construção civil, Rodrigo ressignifica restos de concreto, madeira e ferro, refletindo de forma poética as relações entre arquitetura, urbanismo, fragmentos, restos e ruínas. “A beleza das coisas é a gente que faz e está sempre relacionada às nossas referências. O peso também fala muito, tanto quanto a leveza”, afirma.

Viadutos de um brinquedo de fliperama, com curvas que se entrelaçam como uma mistura de minhocas. Intervenções sobre ruínas que as ressignificam. Já não estão mais tão arruinadas. Pedaços de ferro parecem criaturas a ganhar vida. Pêndulos de madeira interseccionam círculos. Não parece mais estarmos em meio a um caótico canteiro de obras.

Uma de suas obras, Rizoma (2024), de cimento e gesso, está prevista para ser instalada em breve na Usina de Arte, galeria a céu aberto situada na Usina Santa Terezinha, no município pernambucano de Água Preta. Exposta pela primeira vez no MAM em São Paulo, o trabalho foi instalado horizontalmente, tal como o caule subterrâneo que lhe dá nome. Na usina, porém, Rodrigo conta que a estética mais degradada do local onde será instalada mudará também a estética da obra, a ser instalada em posição vertical. Rodrigo adianta que, em breve, estará no Recife para inaugurar a obra.

“Considero um dos meus mais importantes trabalhos”, declara o artista, para em seguida explicar que a importância vem de uma mudança técnica e de um marco na carreira, uma individual em uma instituição importante como o MAM. “É a primeira obra que eu tiro as formas de madeira. Normalmente neste tipo de trabalho que faço com cimento a madeira incorpora a composição das obras, mostrando o desgaste das madeiras que antes eram usadas em construção civil. Na verdade, acabou sendo uma quebra de padrões em relação ao que estava acostumado a fazer”.

Rodrigo revela também que não tem uma regra para criar, mas, muitas vezes, se deixa guiar pelos próprios materiais, “acumulando muito do mesmo ou dialogando com tantas coisas até que o tridimensional vire uma grande colagem”. O conceito e as especificidades dos locais onde as obras serão expostas são o ponto de partida de Rossi para criação das peças, cuja característica geométrica é onipresente nesses 12 anos de estrada artística.

Repara no título das peças do artista: Esquina de lá # maior (2011), Esquina de lá # menor (2012). Não é difícil associar as obras à leveza e organicidade. Macramê (2018), toda de vergalhão de ferro, transfigura a matéria dura em algo tão flexível quanto um tecido a ser tramado. Na mesma pegada, Reborda (2023), Renda Portuguesa (2021) e Passadeira (2022).

“Minha obra fala muito sobre uma arquitetura transitória, que hoje está lá, amanhã não mais. Essa dinâmica que eu vivo em São Paulo foi o que me despertou a criar arquiteturas feitas dos restos de canteiros de obras. Isso só acontece porque algo foi derrubado para algo ser criado. Em poucos casos isso se mostra positivo, vislumbrando um avanço em nossa sociedade, mas, em sua maioria, o descaso com nossa história e falta de preservação se sobressaem. Isso ocorre muito em São Paulo, mas também se aplica a muitos outros lugares, como Recife. Na Europa, já não ocorre tanto. Isso vai da dinâmica de cada lugar. Eu falo sobre o que me cerca e por isso crio algo verdadeiro”, declara o artista, que também virá ao Recife para lançar um livro sobre sua trajetória.

“O livro é a catalogação e, de certa forma, podemos dizer que também a validação de uma pesquisa. Tenho alguns catálogos que antecederam esta publicação, que recortam momentos específicos de minha carreira, ou tratam de uma ou outra exposição específica, mas este livro traça todo um percurso, conta uma história. Acredito que outros virão, mas este é o ponto de partida. Aqui mostro obras que me inseriram no circuito, minhas primeiras e também as mais importantes exposições que já fiz e participei. A partir de agora vem uma nova fase, mais maduro, mas que é definida por todo este começo mais experimental”. A obra traz textos críticos de Agnaldo Farias, Ana Cândida de Avelar, Cauê Alves, Francesca Hughes, Leandro Muniz e Pollyana Quintella. A edição é da Martins Fontes.

Em entrevista à Revista Continente, Rodrigo falou de um dos temas mais discutidos nas artes: o tempo. “Existe uma relação material que é extremamente vinculada à poética de meu trabalho pois, em sua grande maioria, eles se apropriam de objetos e materiais já usados e sem serventia que foram descartados. Neste sentido, estamos lidando com um passado recente e, ao se transformar em obra de arte, espera-se que seja preservado para o futuro. Este processo todo fala muito mais sobre o presente, sobre o reflexo de nossa sociedade do agora. De certa forma, datando a obra e meu momento no mundo”.

O interesse de Rodrigo pela arquitetura, segundo ele, é justamente seu propósito em relação ao seu tempo e sua sociedade. “O que vejo hoje é uma busca por tecnologias mais sustentáveis, baratas e rápidas. Impressões 3D, isopor, pré-moldados. Isso reflete nossa busca tanto pela sustentabilidade ambiental, quanto pela acessibilidade. Tudo em detrimento às nossas necessidades atuais”.

Iniciado no grafite, nas ruas, foi natural observar a paisagem do entorno e refletir o urbanismo e a arquitetura contemporânea. No lado mais pobre, o abandono. Em violento contraste, nos espaços mais valorizados pela especulação imobiliária, fortalezas inacessíveis à maioria dos habitantes, como se uma cerca elétrica invisível, intimidadora ideológica e material pudesse catapultar os que não se sentem pertencedores daquele entorno oficialmente público mas de fato privado.

“Eticamente sou contra o picho, vejo isso mais como uma afirmação que extrapola o espaço do outro, degrada patrimônios e polui nosso entorno. O grafite é diferente, tenho grande respeito por quem desenvolve uma linguagem, embeleza a cidade e traz questões para que possamos refletir. Coloco a prática do grafite no mesmo patamar das obras de arte que comentei anteriormente em diálogo com a cidade e seus cidadãos.

Esteticamente, tanto o picho como o grafite, chamam sua atenção. "O grafismo de ambos faz parte também da minha pesquisa, mesmo que indiretamente e, vejo muito dessa linguagem urbana em minhas obras também, mas é apenas mais uma dentre muitas coisas que olho para criar, não ocupa um lugar de destaque quando penso em minha obra”.

A arquitetura convencionou chamar os locais em que construções inacabadas persistem como canteiros de obra eternos de junkspace ou espaço-lixo, termo cunhado pelo arquiteto holandês Rem Koolhaas em ensaio publicado em 2001. “Se o lixo espacial é o lixo humano que espalha o universo, o lixo espacial é o resíduo que a humanidade deixa no planeta. O produto construído da modernização não é a arquitetura moderna, mas o Lixo Espacial. Lixo Espacial é o que resta após a modernização ter seguido seu curso ou, mais precisamente, o que se coagula enquanto a modernização está em andamento, suas consequências”.

“Gosto muito desses espaços pois eles reforçam esse conceito de transformação que meu trabalho levanta. Acho que meu olhar foi moldado para perceber beleza nesta realidade, ou talvez pensar que eu possa com meu trabalho explorar essa beleza em contraponto a críticas que ele carrega. Falo sobre o que faço hoje, mas meu início como grafiteiro era igual, críticas diretas sobre um belo pano de fundo”.

CAROL BOTELHO, repórter especial das revistas Continente e Pernambuco

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