Não poderia faltar "Diva" (2020), a tão polêmica quanto famosa quanto forte intervenção que fere e sangra a paisagem da Usina de Arte, em Água Preta, que, no passado, foi um solo castigado pela monocultura do açúcar. “Essa expo é importante porque queremos ir para além de Diva. Claro que tem sua importância. Mas queremos mostrar que existe uma trajetória além dela”, ressalta Juliana.
CONTINENTE Faz oito anos que você não expõe no Recife. E volta com exposição da trajetória de 24 anos. Como reflete esse período?
JULIANA NOTARI É muito bom você poder parar no meio da sua trajetória e fazer uma avaliação. E junto de uma curadora que conhece super bem o meu trabalho, tem uma análise maravilhosa. Então você ter um momento de respiro na trajetória… 24 anos não é muito, mas também não é pouco. Revisitar trabalhos traz uma compreensão alargada do seu próprio trabalho. E, junto com Clarissa, isso ganha uma potência grande, porque ela é uma curadora muito boa e tem uma relação bastante próxima com meu trabalho e comigo também. E isso é um privilégio. Estou adorando os textos que ela preparou. Recomendo a todo artista que está em meio de carreira, que tem seus 50 anos, a fazer isso. Está sendo ótimo revisitar trabalhos.
Estamos trazendo obras antigas como minha primeira videoinstalação, "Assinalações", em que cobri uma mesa inteira com cabelo humano. Agora, a mesa vai estar lá como uma escultura exposta de uma forma diferente. Ao mesmo tempo, estou revisitando um material em que não mexia há mais de 20 anos, o cabelo. Dessa vez tem uma novidade que é o cabelo de animais. Então, eu e os assistentes fomos em vários pet shops para conseguir cabelo. É bem interessante se inspirar em seu próprio trabalho. É voltar na sua produção e ter novas ideias com o material que você achou que nunca mais voltaria a usar. Então isso está sendo muito legal.
CONTINENTE Spalt-me seria o trabalho que mais representa o seu momento artístico atual?
JULIANA NOTARI Seria sim. Não é à toa que revisito. A partir de "Diva", acho que esse corpo coletivo ficou mais acentuado, esse corpo que se comunica com a urbanidade, com a paisagem, com a arquitetura, principalmente. Havia pensado em um trabalho para a Bienal do Mercosul que se comunicava com a fachada da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Acabei não fazendo. Mas existe o desejo de trazer esse corpo para o espaço urbano.
CONTINENTEQue fendas, rupturas e fissuras esses trabalhos tão potentes deixaram em você?
JULIANA NOTARI A cada trabalho, eu me modifico. Quando faço uma performance é porque parto de uma necessidade muito grande. É natural que me transforme. Em “Amuamas”, deixo uma joia encravada na floresta amazônica. Uma joia que ganhei da minha avó e que já havia passado por três gerações de mulheres. Depois faço uma ferida, banho com meu próprio sangue menstrual coletado por mim. Após três dias, volto à floresta, limpo a ferida, coloco o objeto e, como o xamã me explicou, fecho com argila para a raiz da planta respirar. Tudo isso mexe com subjetividade. Senti forças naquele lugar. Naquela floresta, lugar isolado, tudo é transformação. A arte da performance é capaz de atingir minha subjetividade de maneira mais direta através do ritual. É aquele momento de suspensão. O artista não sabe o que vai acontecer. Ele também é testemunha do próprio trabalho, por mais que tenha alguma consciência, algo sempre lhe escapa. É uma transformação contínua. Tanto é que terminei "Symbebekos" depois de 20 anos. Antes, fazia um caminho reto sobre os cacos de vidro com os pés descalços. Depois, entendi que o percurso do tempo é espiralar, é cíclico. Quando o faço novamente é porque também me modifiquei. O artista cria com o útero aberto.
CONTINENTE Para onde a arte vai te levar a partir de agora?
JULIANA NOTARI Não sei. E ainda bem que não sei. Porque, se soubesse, estaria mentindo. Quando começo um trabalho, nunca sei que final terá. Essa é uma das questões interessantes da arte e de qualquer atividade que trabalhe com a sensibilidade: lidar com o acaso, com o erro. A arte é um lugar privilegiado para lidar com isso. Estou sempre aberta aos erros.
Juliana Notari: Spalt-me
Onde: Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães - Mamam (Rua da Aurora, 265, Boa Vista, Recife)
Quando: Sábado (19), das 15h às 18h. Visitação: até 11 de dezembro; quartas, quintas e sextas, das 10h às 17h; sábados e domingos, das 10h às 16h
Quanto: Entrada gratuita