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Vitral: Marianne Peretti e sua obra moderna

Mostra em cartaz no Recife revela uma pequena parte do trabalho da artista franco-brasileira, realizada em mais de 60 anos de atividades

TEXTO Mariana Oliveira

01 de Janeiro de 2014

Foto Breno Laprovitera/Divulgação

Os turistas que vão à capital federal têm a Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, mais conhecida como Catedral de Brasília, na lista de lugares a visitar. O projeto arquitetônico arrojado parece ter sido pensado para receber os vitrais em tons brancos, verdes e azuis que cortam as laterais e o teto do templo – tamanha a comunhão entre eles. Porém pouca gente sabe que, quando ela foi inaugurada, em 1970, era revestida de vidro transparente. Os vitrais só foram idealizados na década de 1980, quando Niemeyer convidou sua amiga Marianne Peretti para projetá-los. Foi um casamento perfeito. Não há, hoje, como imaginar a catedral sem aqueles vitrais.

Apesar de ter seu nome atrelado a uma obra tão grandiosa e de ter diversos trabalhos monumentais espalhados por Brasília – no Palácio do Jaburu e no Supremo Tribunal Federal, entre outros –, o nome da franco-brasileira Marianne Peretti ainda não foi devidamente reconhecido. Isso se dá, em certa medida, pela falta de interesse dos pesquisadores brasileiros pela arte vitral, em especial por sua produção moderna. Outra questão que talvez tenha influenciado essa baixa valorização é o fato de boa parte de sua produção ser de propriedade privada, sejam vitrais, painéis, esculturas, pinturas, gravuras...

Percebendo esse vácuo, a produtora Tactiana Braga se uniu ao crítico e curador Laurindo Pontes para realizar o projeto Documento Marianne Peretti, iniciado há três anos, cujo objetivo é revelar a grandiosidade do trabalho dessa artista. “Quando se pesquisa sobre o modernismo brasileiro na arte, as referências são Tarsila do Amaral, Volpi, não há qualquer registro do nome de Marianne Peretti em um livro que trate de arte moderna no Brasil. Isso é um absurdo. Nossa ideia é justamente alçar o seu nome e sua produção ao lugar de destaque que merecem”, comenta a produtora.

O projeto dará origem a três produtos diferentes: a exposição Marianne Peretti: 60 anos de arte, que está em cartaz na Caixa Cultural do Recife até o próximo dia 19; um documentário (em fase de edição); e um livro – o primeiro dedicado à artista – que faz um amplo registro de seu trabalho, catalogando mais de 600 obras. Ambos têm lançamento previsto para este ano.

Para respaldar o projeto, Tactiana e Laurindo buscaram um especialista em arte vitral moderna que pudesse avaliar com propriedade o trabalho de Marianne. Não foi tarefa fácil, uma vez que a maioria dos pesquisadores de vitrais se especializam nos do medievo. “Não fazia sentido apresentar o trabalho dela a qualquer um. Procurávamos alguém que fosse especialista e chegamos a Véronique David, do Centro André Chastel – Sorbonne/INHA, que não conhecia o trabalho de Marianne. Mandamos um portfólio e depois ela veio ao Brasil conhecer a artista e suas obras”, conta Tactitana Braga. “Ela considerou a Catedral de Brasília uma obra-prima mundial do vitral do século 20. Agora, na França, no Centro André Chastel, já temos pesquisas sobre o trabalho de Marianne”, complementa Laurindo Pontes.

Durante a execução do projeto, foi localizado o primeiro vitral feito por Marianne, em Paris, numa empresa ligada ao setor elétrico. A obra, que não tinha assinatura, foi restaurada e a artista esteve no local para assiná-la. O mesmo processo deve acontecer com o vitral em três dimensões da capela do Palácio do Jaburu, o qual também não tem qualquer registro de autoria. A equipe do Documento Marianne Peretti já está articulando a ida da artista a Brasília para deixar sua assinatura nesse e em outro vitral colocado na residência do vice-presidente.

EXPOSIÇÃO
A mostra Marianne Peretti: 60 anos de arte, em cartaz desde o início de dezembro, faz um breve recorte dos 60 anos de carreira da artista, com trabalhos antigos e outros mais recentes. Mas como trazer para uma galeria a monumentalidade de boa parte dos vitrais e painéis produzidos por Marianne? Para conceber a mostra, os produtores chamaram dois experientes fotógrafos, Breno Laprovítera e Jarbas Jr., que registraram toda essa produção, com destaque para as obras da capital federal. Ao invés das fotos de cartão-postal da catedral, por exemplo, eles buscaram novos ângulos, novas iluminações, ressaltando os detalhes e a beleza dos vitrais. Essas imagens foram ampliadas em grandes painéis, afinal, não seria possível dar a real dimensão desses projetos em fotos de tamanho reduzido.

Segundo o curador, o pé direito alto da Caixa Cultural mostrou-se adequado para a ideia de dar uma dimensão maior às fotos. Os vidros que se espalham pelo chão e a claraboia do prédio dialogam com os trabalhos ali apresentados. “A luz entra no espaço. E, para apreciarmos um vitral, precisamos da luz. Achei isso interessante, apesar de aqui eles serem apresentados em fotografias”, comenta a artista. O átrio central do espaço foi semifechado para receber as imagens dos vitrais da Catedral – uma forma de estabelecer uma relação com o próprio formato do templo. Além das mais variadas imagens, dessa que é sua obra-prima, vemos ampliado o projeto feito por Marianne na década de 1980, sem a ajuda de qualquer ferramenta tecnológica. Mas o mais impressionante é o registro da artista ajustando os traços e as linhas, num desenho já em tamanho real, colocado no chão de um estádio. Essas imagens, juntas, mostram o esforço e a dedicação dela ao projeto.

Há ainda uma área voltada às obras esculturais de Marianne, que utilizam ferro laqueado e vidros. Nessa retrospectiva, é apresentada ao público a série Objetos úteis e agradáveis, que reúne o trabalho no campo do Design. São mesas, cadeiras, desenhos e pinturas do acervo pessoal da artista, criados por ela. Fora da exposição, é possível encontrar obras de Marianne Peretti em diversos edifícios e residências do Recife: na Catedral de Boa Viagem, no Tribunal Regional Federal, no Fórum Thomaz de Aquino e na Igreja Nossa Senhora da Piedade, em Jaboatão dos Guararapes.

Aos 85 anos, a artista – filha de mãe pernambucana e pai francês, radicada no Brasil desde os anos 1950 – segue trabalhando intensamente em sua casa, no Sítio Histórico de Olinda. Havia sido em Olinda, há 15 anos, que Peretti realizara sua última individual, no Museu de Arte Contemporânea (MAC). Um hiato muito grande para uma artista que ainda precisa ser devidamente reconhecida. 

MARIANA OLIVEIRA, editora-assistente da revista Continente.

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