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Vertin Moura: Poética sonora de Arcoverde

Conterrâneo do Cordel do Fogo Encantado estreia com 'Filhosofia', em que exibe letras extensas e imagéticas, apresentadas de modo performático

TEXTO Bruno Albertim

01 de Fevereiro de 2014

Foto Marcelo Soares/Secult/Fundarpe

No último Festival de Inverno de Garanhuns, Lirinha não escondia um certo orgulho paternal. “Acho que o meu fazer musical tem grande encontro no Vertin. E eu também aprendo muito com ele”, dizia o agraciado ex-vocalista do Cordel de Fogo Encantado, depois da apresentação do conterrâneo Vertin Moura, o jovem músico de 23 anos que, ao lado de medalhões como Ney e Caetano, fez um dos shows mais impactantes da maratona de espetáculos que se configura relevante no panorama de festivais de gêneros do país.

O jovem reconhece – e assume – a filiação. “Sim, eu, de Paulo Afonso, criado em Arcoverde, tive a sorte de ver a efervescência do Cordel (do Fogo Encantado) e ali virei artista”, devolveu o compositor que é grata revelação da música contemporânea de Pernambuco. Sertanejo, estudante de Filosofia, criador de letras narrativas, extensas, imagéticas, dono de uma poética corporal que o situa como um dos rarosperformers da cena local, Vertin Moura aparece com força no panorama. Acaba de lançar, de forma independente, o álbum Filhosofia. O disco, que marca ponto na linha evolutiva do mercado local, encurta distâncias e revela sentidos entre o cordel de ascendências ibéricas e o pop do século 21.

Ainda que vá, consistentemente, por um caminho próprio, a poética de Vertin tem a subscrição da narrativa de Lirinha. “Quando vi o Cordel, eu estava começando a enveredar pelo teatro. Aí, veio aquele cara que falava, que cantava um rock que não é rock, é regional e tem poesia. Achei aquilo f...”, lembra ele, um filho dileto da Arcoverde efervescente, e ainda marginal, da década passada. “Mas não era só o Cordel que existia. Havia outras figuras, como a Mofobia Torreiro, de que eu gosto muito também. Ali, diante deles, decidi que queria ser artista. Na verdade, há uma relação entre Mofobia e Cordel. Foram bandas lançadas na mesma época, as pessoas se revezavam numa e noutra”, lembra.

FILOSOFIA
Vertin usa suas inquietações intelectuais, inclusive acadêmicas, para nutrir o disco. “Vinha reunindo músicas dos 16 até os 20 anos. E Filhosofia é o nome da última canção que compus antes de idealizar o disco. Quando cheguei em 2010, tinha feito duas canções e reunido as dos outros anos”, diz. “Aí, na hora de botar o nome no disco, veio a ideia de Filhosofia. Eu já estava cursando Filosofia e aquele era meu primeiro filho. A ideia de juntar as duas coisas veio da consciência que o ser humano tem e do poder de se expressar. A música fala desse devir, desse processo do que ainda vai vir. A última frase diz: “Já me silencio para não calar os vindos que dormem. É esse o processo de construção da humanidade”, raciocina.

Vertin não nega: reflete através da música, emoldurada por um pop cioso de tradições e práticas remotas. “Quando idealizei o disco, quis usar a ferramenta da música para alcançar o público com o pensamento acadêmico. Alcançar outros tipos de público. As teorias são sempre feitas para quem tem acesso a elas. Minha maior preocupação é esse lado prático e social do conhecimento. Em todas as canções há aspectos, termos, conceitos ou alguma ligação com temas da dita filosofia ocidental”, diz ele.

A canção Mal pudores, por exemplo, é uma crítica à ansiada verdade e ao universalismo do pensamento ocidental. “Até chegar em Nietzsche, a gente não tinha a crítica da verdade. Só a sua busca. Só aí que a gente deu uma quebradinha e disse: para que essa verdade?” Na canção Suor, ele fala dos “suores da vida”. “A gente nunca vai traduzir realmente o olhar do outro. Vai estar sempre no campo da interpretação. Herdei muito das leituras que fiz sob a orientação do (professor) Érico Andrade, que é minha principal referência na academia.”

Há também canções com temas amorosos. Desenho, por exemplo, descreve um pedido de perdão. Mas são as questões mais existenciais que dão o tom teatral às apresentações de Vertin. “O devir é o principal foco do meu trabalho. Eu idealizei o disco como um espetáculo de teatro, como o espetáculo da vida”, diz o filho de evangélicos que teve que se impor em casa para deixar de frequentar os cultos aos domingos e se engajar na cena cultural da cidade onde cresceu.

“Se papai ou mamãe me pegassem ouvindo um disco da Legião Urbana na infância, era um problema. Quando meu irmão decidiu começar mesmo a carreira de artista, eu já era adolescente”, diz ele, que, com os irmãos, traçou a mistura de samba de coco, rap e repente, pop brasuca e clássicos do rock mundial que marcariam sua musicalidade.

Fã tanto de Kurt Koubain como de Vital Farias, Xangai e Elomar, Vertin confere à sua perfomance uma aproximação com a teatralidade hoje escassa na produção local, desde que Lirinha encerrou a carreira do Cordel. Vendido de forma independente, Filhosofia deve ser encomendado diretamente ao artista (R$ 20, pelo vertin7@hotmail.com). “A música independente ainda depende de muito apoio”, ironiza. 

BRUNO ALBERTIM, jornalista e mestrando em Antropologia pela UFPE.

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