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Trabalho: Consciência e engajamento

Em livro organizado pelo MPT, fotógrafos e escritores reúnem impressões sobre as dificuldades enfrentadas por trabalhadores

TEXTO Marina Moura

01 de Novembro de 2015

Geyson Magno registrou a realidade dos gesseiros em Pernambuco

Geyson Magno registrou a realidade dos gesseiros em Pernambuco

Foto Geyson Magno

Ainda que tenha abrigado produções heterogêneas, parte do modernismo brasileiro se concentrou em refletir sobre o indivíduo oprimido pelas circunstâncias. As décadas de 1930-40 experimentaram um surto industrializante que, além do progresso, expôs desigualdades, exploração e subdesenvolvimento, ao menos para uma parcela da população. Casos como o do escritor Graciliano Ramos e do artista plástico Candido Portinari ilustram bem a necessidade de determinados artistas em produzir com consciência e engajamento social uma realidade áspera e marginalizada, da qual, agora no século 21, ainda não nos libertamos totalmente.

Para tratar do universo dos trabalhadores de maneira lúcida, o Ministério Público do Trabalho (MPT) concebeu um projeto que aborda o cotidiano laboral sem um viés jurídico, mas sob visão de fotógrafos e escritores ou jornalistas. Assim surgiu o livro O verso dos trabalhadores (editora Terceiro Nome), financiado com dinheiro arrecadado pelo MPT de multas trabalhistas e lançado no último mês de outubro. A obra será distribuída gratuitamente para escolas e bibliotecas públicas. Todo o conteúdo do material e informações complementares estão disponíveis no site O versos dos trabalhadores.

Organizado por Rodrigo Fahrat e Alessandro Soares, a página conta com sete ensaios realizados por cinco fotógrafos: Avener Prado (Imigrantes), Geyson Magno (Gesseiros e Vaqueiros), Marlene Bergamo (Bolivianos), Tibério França (Carvoeiros e Lavradores) e Walter Firmo (Portuários). Intercalados às imagens, há textos inéditos, entre cartas, matérias, artigos e ficção, de oito autores: Eliane Brum, Mia Couto, José Rezende Júnior, Clara Arreguy, Xico Sá, José Luiz Passos, Marcelo Rubens Paiva e Lya Luft. O escritor amazonense Milton Hatoum escreve o prefácio.

Segundo Alessandro Soares, os autores tiveram liberdade de abordar a problemática do trabalho de acordo com suas vivências e pontos de vista. Assim, as fotografias não estão a serviço dos textos ou vice-versa, dando ao leitor a possibilidade de estabelecer suas próprias articulações. É verdade, também, que essas representações escritas e visuais formam uma unidade temática que acaba por fixar a imagem de umas nas outras, com o mesmo compromisso crítico e de solidariedade para com aqueles trabalhadores de algum modo desmoralizados ou embrutecidos pelos seus ofícios.


Carioca Walter Firmo documentou o universo dos portuários. Foto: Walter Firmo

As fotografias de O verso dos trabalhadores possuem em comum um caráter documental e se aproximam do fotojornalismo, numa tentativa de “conviver sem se fazer presente”, nas palavras do fotógrafo pernambucano Geyson Magno que, como mencionado acima, contribuiu para o livro com dois ensaios. Vaqueiros foi realizado entre os anos de 2003 e 2006, período no qual Magno percorreu todas as cidades do Nordeste, produzindo em torno de 21 mil fotos referentes à lida com o boi. Por sua vez, o escritor cearense Xico Sá fez questão de rememorar os vaqueiros de sua infância, no relato Vaqueiro, um homem marcado como gado, e lembrar que apenas em 2013 esta profissão foi regulamentada no Brasil.

Nos textos, que transitam entre vários gêneros, há diversos temas envolvidos — desde as semelhanças e precariedades presentes em solos brasileiro e moçambicano, dificuldades de imigrantes para se estabelecer, a morte de centenas de trabalhadores causada por amianto (espécie de mineral altamente tóxico e asfixiante), escravidão moderna, o racismo de um país miscigenado, até as relações ambíguas entre uma empregada doméstica e seus patrões e condições de trabalho em redes de fast food. Os escritos possuem, desse modo, uma carga de denuncismo. “O enorme sofrimento físico e moral de milhões de trabalhadores brasileiros ainda é a maior indignidade de um país que se pretende democrático”, avalia Hatoum, no prefácio.

Em uma das cartas endereçada a amigos, Graciliano Ramos rebatia a acusação de que privilegiava as misérias e deformações como tema de suas obras afirmando que, se elas estavam presentes fora do campo da arte, nada mais justo do que serem incorporadas ao fazer artístico. O verso dos trabalhadores, enquanto projeto coletivo, trilha o mesmo caminho, mas sem apresentar uma realidade incontornável. O livro extrapola sua intenção político-social na medida em que se coloca como exercício contra o esquecimento e sugere (melhores) condições de futuro, quando dá visibilidade a pessoas geralmente muito distantes do protagonismo na arte. 

MARINA MOURA, estudante e estagiária da revista Continente.

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