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Tintim: As aventuras de um herói diferente

Spielberg acelera a narrativa do clássico das HQs europeias, mas subtrai estilo de Hergé na animação

TEXTO Pedro Paz

01 de Fevereiro de 2012

Imagem Divulgação

As histórias em quadrinhos influenciam o cinema desde os primórdios deste, no final do século 19. Elas possibilitam a uma obra cinematográfica expandir sua narrativa, à medida que empresta personagens, fornece temas e recursos de linguagem excepcionais. O poderoso cinema estadunidense somente se deu conta das múltiplas possibilidades financeiras da união entre cinematografia e HQ com o lançamento e sucesso mercadológico do filme Guerra nas estrelas, do diretor norte-americano George Lucas, em 1977. Além do faturamento da bilheteria, a venda de produtos relacionados ao filme chamou a atenção dos estúdios - uma nova lógica de mercado surgia na indústria do entretenimento.

Dessa forma, Hollywood, distrito da cidade de Los Angeles, mundialmente conhecido pela adaptação de comics americanos, como Superman, Batman e Homem-aranha, busca novas fontes criativas no contemporâneo, devido a um possível esgotamento dos seus super-heróis. Em 2011, uma brisa europeia soprou na indústria cinematográfica dominada pelas editoras Marvel e DC Comics. Primeiro, os personagens do gibi belga Os Smurfs, criados pelo ilustrador Pierre Culliford (1928-1992), ganharam as telas dos cinemas. Depois, no final do ano, chegou às telas a animação As aventuras de Tintim – O segredo do Licorne nos EUA, adaptação de três histórias (O caranguejo das pinças de ouro, O segredo do Licorne e O tesouro de Rackham, o terrível) do quadrinho mais famoso do cartunista belga Georgi Remi (1907-1983), mais conhecido como Hergé. O longa-metragem, lançado no Brasil somente no final de janeiro de 2011, já tem no currículo o título de melhor animação do ano, segundo a 69° edição do maior prêmio da crítica americana, o Golden Globe Awards (Globo de Ouro). Curiosamente, o filme não entrou na lista de indicados ao Oscar de Melhor Animação em 2012 - talvez os 380 membros do comitê de escolha desses filmes não simpatizem muito com Spielberg ou com a técnica do motion capture (captura digital de movimentos), que supostamente tiraria a pureza de uma animação, pois é feita sobre a atuação de atores.

Com essa adaptação, perde-se a contribuição do cartunista para a arte gráfica: o estilo esquemático, também conhecido como estilo belga de linha clara ou, simplesmente, ligne claire. O seu principal aspecto consiste na restrição da realidade para linhas leves. Spielberg também não mantém a ausência de sombras, outra característica típica do Hergé. Por outro lado, traços geométricos e proporções realistas são levados em consideração, ainda que pendendo para formas arredondadas. Além disso, nos desenhos do artista belga, aparecem poucas linhas cinéticas, como aquelas que servem para indicar o movimento, ou seja, que marcam a velocidade.

Isso não faria sentido ser adotado no filme. O interessante dessas divergências na adaptação da história em quadrinhos para o cinema está na ideia de que uma mídia não pode ser reproduzida, exatamente, por outra de natureza diferente.

Enquanto, na Europa, Tintim atravessa décadas como uma referência da cultura infantojuvenil, nos Estados Unidos é praticamente um desconhecido. Diferentemente de Os Smurfs e Lucky Luke, inspirados no estilo de Hergé, que foram escolhidos pelos estúdios Hanna-Barbera, na Califórnia, e se tornaram um grande sucesso na televisão. Contudo, a produção vem tendo boa receptividade nos cinemas. Depois de quase 30 anos, o diretor americano Steven Spielberg conseguiu adaptar para a tela grande um dos quadrinhos mais famosos na Europa. Essa predestinação teve início em 1981, quando ele estava lançando Indiana Jones e os caçadores da arca perdida e leu uma crítica francesa que comparava o filme às aventuras do jovem repórter Tintim. Com o aval da família do artista, o realizador apenas esperava a chegada da tecnologia adequada para aliar a verossimilhança de atores reais com a fantasia da animação. Apesar das perdas estéticas que a obra de Hergé teve na adaptação, um dos grandes méritos do Spielberg no filme é minimizar o comportamento infantil da personagem, em comparação à HQ, atualizando a linguagem verbal, sem deixar de usar expressões marcantes como “Papagaio Louro!”. Spielberg também impôs um ritmo mais interessante na transição das cenas, utilizou trilha sonora eficiente para um longa de aventura com suspense, do compositor John Williams, e fez manobras com as imagens dificilmente realizáveis numa filmagem real. As aventuras de Tintim é o primeiro de uma trilogia - nos outros dois, Jackson e Spielberg inverterão os papéis. Os próximos passos do realizador é trabalhar no roteiro de Jurassic Park 4. Os 24 álbuns com as aventuras de Tintim foram publicados no Brasil pela Companhia das Letras. Recentemente, também foi lançada uma coletânea com os três livros usados como referência no filme. 

PEDRO PAZ, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.

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