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Sexo, feitiçaria e história do Brasil

Com 'O senhor do lado esquerdo', Alberto Mussa leva o leitor ao prazer do bom romance policial, enquanto oferece ricas informações livrescas

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Setembro de 2011

Alberto Mussa

Alberto Mussa

Foto Divulgação

Alberto Mussa (1961) é um autor carioca da nova geração de escritores. Em linhas gerais, podemos dizer que o que caracteriza sua prosa é o amálgama sensível e inteligente de ficção e ensaísmo. E ele é hábil em não revelar ao leitor quando se trata de um ou de outro caso, garantindo um alto grau de verossimilhança às suas histórias, um pressuposto basilar da narrativa romanesca. E é sob esse trato entre romancista e leitor que ingressamos com avidez na trama de O senhor do lado esquerdo – O romance da casa das trocas, lançamento recente da Record.

O episódio que desencadeia a trama é o seguinte: um secretário da presidência da república, do governo Hermes da Fonseca, é encontrado morto numa libertina Casa das Trocas, antiga residência da amante do imperador, a marquesa de Santos, assim nomeada por ser um lugar em que o sexo é praticado sobretudo mediante a troca de casais. A elite carioca de então – sim, estamos na belle époque, em 1913 – frequenta o lugar, permitindo-se as mais variadas práticas sexuais, entre diferentes e mesmos sexos. Sabe-se que a última pessoa com quem o político morto esteve foi a prostituta Fortunata, que desaparece após o crime. Um perito da polícia, que domina a então novíssima técnica de identificação digital, é designado para desvendar a autoria do crime e encontrar seu autor.

Como o leitor terá observado, trata-se de um romance policial. E, como na maioria dos melhores exemplares do gênero, Mussa mantém o suspense até as últimas páginas (embora, por variados indícios, possamos imaginar o desfecho), nutrindo o leitor com episódios excitantes e situações que se emaranham, pistas e despistes.

Mas, o que de fato diferencia o romance de outros do gênero é sua cultura livresca, fruto da potência investigativa do autor, que se interessa profundamente por assuntos “periféricos”, como as culturas africana, indígena e árabe (principalmente a pré-islâmica, nesse último caso), sobre as quais lê e pesquisa, em busca de elementos pouco conhecidos. Assim, ele forra a narrativa com um húmus riquíssimo de informações – nem sempre verdadeiro, porque também fruto de sua imaginação – sobre aspectos relativos à história do Brasil, centrada no Rio de Janeiro, cenário da história. O fato de sabermos que se trata de uma articulação entre fatos e ficção põe tudo que é dito sob suspeita, o que não deixa de ser um exercício de liberdade também para o leitor. (“Será que isso é verdade?” é uma pergunta que nos anima diante de O senhor do lado esquerdo.)

Assim é que o leitor mais apressado, que só gosta de comer o prato principal, dispensando os detalhes contidos numa refeição completa e suas etapas, terá de exercitar também a calma nessa leitura. Porque, a cada momento, o narrador promove suspensões no enredo, oferecendo pausas ensaísticas que, enquanto adiam o desfecho ansiado, comentam sobre aspectos como urbanismo, sexualidade, psicologia, criminologia, feitiçaria, entre outros temas, uma combinação que serve muito de comentário à trama, mas que também coloca mundos aparentemente apartados em contato. Exatamente como ocorre ali, na Casa das Trocas, onde, sob o manto do anonimato, a alta sociedade abre-se a uma sexualidade sem fronteiras de qualquer espécie. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

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