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Sertão à beira-mar

Em dezembro, será aberto ao público, no Bairro do Recife, primeiro módulo do Cais do Sertão Luiz Gonzaga

TEXTO Mariana Oliveira

01 de Novembro de 2013

Na entrada, foi projetado um espaço de acolhimento e convivência onde foi plantado um juazeiro, típica árvore da caatinga

Na entrada, foi projetado um espaço de acolhimento e convivência onde foi plantado um juazeiro, típica árvore da caatinga

Foto Fred Jordão/Divulgação

Quem quiser conhecer o sertão nordestino, saindo do Recife, precisa percorrer, hoje, cerca de 250 quilômetros até a cidade de Arcoverde, ponto zero da sub-região. Cantada em versos e músicas, retratada em filmes, e vista comumente no noticiário devido aos problemas com a seca, a paisagem sertaneja será transportada simbolicamente para a beira do mar, no Bairro do Recife. A partir de dezembro, começa a funcionar a primeira etapa do Cais do Sertão Luiz Gonzaga, marcando o encerramento das comemorações pelo centenário do Rei do Baião, ocorrido em 2012.

O Cais do Sertão vai ocupar todo o espaço do Armazém 10, numa área construída de 7.500 m2. Esse novo equipamento faz parte do Projeto Porto Novo, que está restaurando antigos armazéns para transformá-los em espaços culturais, a exemplo do Centro de Artesanato de Pernambuco, aberto em 2012.

Inicialmente, o espaço seria um museu em homenagem a Luiz Gonzaga, porém, durante o processo de concepção, o projeto cresceu. Nasceu a ideia de um espaço em que o visitante fizesse uma imersão no universo sertanejo, tendo como fio condutor a obra do Rei do Baião. “Nosso objetivo é que a pessoa entre de um jeito e saia diferente. Que ela tenha uma relação sinestésica com o ambiente sertanejo”, afirma Gilberto Freyre Neto, coordenador de projetos da Fundação Gilberto Freyre – instituição responsável pela produção executiva do espaço.

Para abrigar a proposta, foi concebido um arrojado projeto arquitetônico, assinado pela Brasil Arquitetura. O edifício tem estrutura diferenciada, com grande marquise em concreto que forma um vão com abertura circular, em que foi plantado um juazeiro, em dezembro de 2012. Segundo Gilberto Freyre Neto, a árvore típica do sertão ainda está em fase de adaptação. “Foi um experimento. Pensamos que seria bom as pessoas entrarem no museu passando pela sombra do juazeiro. Mas ainda não sabemos se vai dar certo, se ele vai se adaptar à maresia”, explica.

Internamente, no primeiro módulo, fez-se o uso de chapas de aço e de concreto pigmentado para remeter aos tons ocres do sertão. No segundo, há um vão livre que permite a vista para o mar e o uso de combogó feito para o projeto, que remete à terra rachada pela falta d’água, aos galhos secos das árvores e às rendas produzidas na região. “Existem projetos que são criados para desaparecer na paisagem. O Cais do Sertão, ao contrário, foi desenhado para ser referência e, acima de tudo, uma construção a serviço do seu conteúdo”, pontua o arquiteto Marcelo Ferraz, um dos autores do projeto.

MUSEOGRAFIA
O módulo que será entregue em dezembro é composto pelo museu, cuja concepção esteve a cargo da pernambucana Isa Ferraz, que reuniu um grupo de consultores, com nomes como Antonio Risério, José Miguel Winsnik e Frederico Pernambucano de Melo. A curadora participou da concepção do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, e trouxe de lá a proposta de um espaço dinâmico de convivência, diversão e conhecimento, com o uso de recursos tecnológicos.

Segundo Gilberto Freyre Neto, ao entrar, o visitante vai se deparar com uma vitrine com objetos do Rei do Baião, que o conduzirá para uma estrutura metálica de forma elíptica, cujo interior é tomado por um cinema de 220 graus. No Sertãomundo – nome de batismo do lugar –, vai ser exibido um filme produzido por Marcelo Gomes, numa experiência audiovisual de oito minutos que expressa poeticamente a paisagem física e cultural sertaneja. “A ideia é que, ao entrar nesse espaço, o público seja, através da imagem, transportado para esse universo. Depois, ele sairá por uma porta que o levará aO Mundo do Sertão, em que serão apresentadas as principais dimensões da vida na região em sete territórios temáticos, entrecortados pelo Rio São Francisco”, explica Freyre.

Cada uma das estações foi batizada com um verbo. A primeira, Ocupar, trará grande maquete reproduzindo a caatinga em seus mais diversos aspectos, incluindo detalhes históricos sobre a ocupação dessa região. Em Viver, será possível conhecer a casa do sertanejo, seus utensílios, sua gastronomia; já no território Trabalhar, a ideia é compreender a labuta diária num ambiente sem água, permeada pelos sons e barulhos das típicas feiras de interior.

O âmbito cultural poderá ser vivenciado nas estações Cantar (que traz diversas referências sobre essa região na música e no cinema) e Criar (que aposta na inventividade do seu artesanato). O aspecto religioso aparece em Crer, e o processo de partida para a cidade grande em Migrar, estação que toma como base o depoimento de diversos sertanejos, famosos ou não, que deixaram sua terra para buscar uma vida melhor. Após esse trajeto, o qual pode ser percorrido livremente, o visitante terá a chance de acessar mais conteúdos, num espaço interativo que vai reunir livros, computadores conectados à internet e softwares específicos para atividades diversas, como compor um baião.

O segundo módulo – que será entregue em 2014 – vai abrigar o centro cultural, com auditório, salas para oficinas, café, restaurante-escola e área de convivência. Haverá um espaço com 600 m2 exclusivo para exposições temporárias. “Hoje, no Recife, não temos condições de receber uma grande exposição internacional. No Cais, teremos o que há de mais moderno, inclusive nos requisitos de segurança, o que vai permitir que a cidade se inscreva na rota dessas grandes mostras”, aposta Gilberto Freyre Neto.

Segundo ele, a proposta é que o equipamento interaja com o entorno, torne-se um centro de economia criativa e se conecte também com o Porto Digital. Até a sua consolidação, o Cais do Sertão Luiz Gonzaga será administrado pela Fundação Gilberto Freyre, mas a ideia é transformá-lo numa organização social que possa ter autonomia. “Assim como o Porto do Recife recebe cargas de fora e distribui pela região, movimentando a economia, o Cais do Sertão também irá impactar todo esse território, criando nova dinâmica, gerando e distribuindo riqueza”, resume Freyre. 

MARIANA OLIVEIRA, editora-assistente da Continente.

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