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Sensorial... de exceção

No mercado de alto luxo, o que mais valora o indivíduo de posses é o conceito de exclusividade, pelo qual se paga muito caro

TEXTO Carolina Leão

01 de Dezembro de 2013

Iates luxuosos se tornam espaços privilegiados de convivência social

Iates luxuosos se tornam espaços privilegiados de convivência social

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 156 | dezembro 2013]

Embora visto muitas vezes como
um campo no qual se sobressaem os aspectos mais supérfluos ou superficiais da cultura contemporânea, o consumo é hoje um dos mais significativos elementos de reposição da distinção cultural, ultrapassando até indicadores de escolaridade e posicionamento social. Cada grupo, cada classe em destaque nesse novo cenário do consumo fará uso dos códigos publicitários e comportamentais para se definir diante dos demais, afirmando sua soberania, independentemente de conta bancária. “Toda determinação é uma negação”, diz o sociólogo francês Pierre Bourdieu.

Formado em Direito, o velejador profissional Samuel Brito está há três anos num mercado pioneiro e considerado um dos mais profícuos do luxo do Brasil: o setor náutico, em que a exclusividade determina o convívio social entre pessoas de uma mesma classe. Ele começou no segmento de importados com a venda de carros, mas deixou para trás por conta dos problemas sociais. “O consumidor no Recife não se sente muito confortável, tem medo, por conta do alto índice de violência”, explica. Apesar de ser um dos maiores importadores de carros do Nordeste, o Recife é uma cidade pequena, onde o “todos se conhecem” afasta os consumidores do luxo automobilístico, verdadeiros distintivos sociais.


Juliana Santos, empresária de loja multimarcas, disponibiliza motoristas para levar roupas às casas das clientes. Foto: Helder Tavares

Ferraris, por exemplo, não chegam a 10 unidades numa cidade que tem dinheiro para gastar. Pelo menos, é o que comprova o setor de Samuel. Ele trabalha com iates que podem custar de três a 15 milhões de reais. Embarcações que não ficam atrás de apartamentos de luxo. Pagos, geralmente, à vista. E tem fila para adquirir modelos que podem ser personalizados de acordo com o gosto e refinamento do cliente.

Samuel lamenta a falta de infraestrutura, como a construção de marinas, e garante que um dos maiores hobbies dos milionários pernambucanos é sair a bordo de um iate, com sua família ou amigos. “Lá, eles estão isolados. Não precisam se preocupar com a violência. São apenas eles mesmos”, comenta. E nada de champagne ou caviar. No iate do pernambucano, a pedida é um bom churrasco. A demanda é tal, que o restaurante Tapa de Quadril vai oferecer delivery de churrasco para iates.

Juliana Santos, herdeira do grupo João Santos, à frente da multimarcas Dona Santa desde 1994, soube traduzir o desejo de consumo de seu perfil de consumidora. “Luxo, hoje, não é apenas o valor, mas a exclusividade”, resume. A loja focaliza em dois perfis: um, voltado para a fast fashion, com tendências contemporâneas; outro, especializado na raridade. Grifes como Balmain e Chloè integram esse segmento. “Enquanto marcas tradicionais comerciais fazem 1.000 exemplares, a Chloè produz quase artesanalmente, em torno de 100 exemplares”, afirma.


Velejador profissional, Samuel Brito investiu no setor náutico que, segundo ele, tem sido mais lucrativo que a venda de carros importados. Foto: Helder Tavares

Além do parcelamento, ao qual a Dona Santa já se rendeu, o mercado de luxo, no segmento de moda, tem uma característica. “O consumidor gosta de ser o centro das atenções, de ser paparicado”, garante Cláudio Diniz, diretor-executivo da Maison du Luxe. Pensando nisso, a Dona Santa disponibiliza diariamente dois motoristas, que vão até a casa da cliente com os modelos solicitados ou recomendados por vendedoras especializadas em marketing e atendimento.

O luxo sensorial é uma definição que agrega tanto o estereótipo do milionário excêntrico como workaholics que passaram a última década obcecados em aumentar sua fortuna. Para eles, lembra Cláudio, o mercado é do luxo contemporâneo, no qual estão em destaque, por exemplo, o apelo emocional proporcionado por experiência simples. Nos Alpes Dolomitas, na Itália, o Hotel San Lorenzo Lodge, um dos mais famosos do mundo no segmento, oferece ao hóspede instalações luxuosas acompanhadas de atividades frugais, como a arte de fazer pão. O Four Seasons, na Florença, outro complexo de luxo, apresenta como uma de suas opções de lazer uma caçada às trufas, com direito a cães farejadores e porquinhos treinados.


Além de acomodações super luxuosas, o hotel Four Seasons oferece itens do luxo “sensorial”, como a experiência de “caça às trufas” no bosque. Foto: Divulgação

Para quem busca fortes emoções, a aviação é o setor mais indicado. Por U$ 5 milhões, a Saker Aircraft, especialista em aviões de caça, disponibilizará um dos seus modelos para uso pessoal. Mas só em 2019.

É o monopólio, diz Lipovestky, dos emblemas de classe nos quais a apropriação de bens de luxo lhes confere uma raridade capaz de fazerem deles, os consumidores, o símbolo por excelência da excelência.

Um outro setor que se destaca em meio ao novo cenário de luxo é o da gastronomia. É o que também mais se aproxima de uma classe média órfã de seus signos afetivos de consumo, como a moda. O segmento tanto funciona com as experiências gastronômicas permitidas pela liberdade da compra (de viagens a cardápios fechados) quanto pelo rótulo da “gourmetização”, um simulador de bom gosto.

“A classe média, por sua vez, fica no meio termo entre os dois extremos e pode procurar rótulos fáceis, como este dos produtos gourmet, no esforço pela distinção, tentando emular (mas nem sempre conseguindo) o gosto da classe alta”, comenta Renata Amaral, jornalista e doutoranda em Comunicação pela UFPE. 

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