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Rubem Braga: O bicho do mato cosmopolita

Biografia mergulha nas raízes familiares do cronista, narrando, de forma cinematográfica, momentos importantes de sua vida e seu ofício

TEXTO Olivia de Souza

01 de Dezembro de 2013

Foto Reprodução

"Já tomei muito avião para fazer reportagem, mas o certo não é assim, é fazer como Saint-Hilaire ou o Príncipe Maximiliano, ir tocando por essas roças de Deus a cavalo, nada de Rio-Bahia, ir pelos caminhos que acompanham com todo carinho os lombos e curvas da terra, aceitando uma caneca de café na casa de um colono.”

Se forem levados em conta os aspectos geográficos, é de se estranhar que o grande nome por trás da crônica brasileira seja o do capixaba Rubem Braga (1913-1990). Ele, que nunca se adaptou muito bem ao estilo de vida corrido da cidade grande – berço desse gênero literário, urbano por essência –, apesar de ter fincado residência em capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e até Paris, preferia muito mais a calmaria da roça ou do seu apartamento, em cobertura na Rua Barão da Torre, onde ficou até o fim da vida, em Ipanema, e no qual buscou recriar toda a atmosfera interiorana de Cachoeiro de Itapemirim, sua cidade natal, o sossego de deitar na rede fumando um cigarrinho em paz e a liberdade de escolher fazer absolutamente nada.

Um “bicho do mato cosmopolita”, como bem definiu o romancista José Lins do Rego, que, talvez por conta desse gosto pelas “miudezas da vida”, consolidou um estilo próprio de escrita, fundamentando as bases da crônica moderna do país e exercendo forte influência sobre toda uma geração de escritores do cotidiano.

Diversas celebrações marcaram o ano de 2013, centenário de nascimento do cronista e jornalista, que faleceu em decorrência de um câncer na laringe. Entre elas, o lançamento do livro inédito Retratos parisienses (Editora José Olympio), uma antologia de 31 crônicas feitas por Braga, quando foi correspondente do Correio da Manhã no país, onde, além do ofício de cronista, pôde exercer as facetas de intelectual e crítico de arte, tendo conhecido e “tirado sarro” de figuras como a de Jean-Paul Sartre. “É um homem baixo, retaco, e certamente feio”, afirmou, sem rodeios, num texto sobre a visita à casa do existencialista francês.

Nos lançamentos seguintes, ganhou destaque a reedição da biografia Rubem Braga – um cigano fazendeiro do ar (Editora Globo), de autoria do jornalista Marco Antonio de Carvalho, lançada em 2007 e vencedora do Prêmio Jabuti do ano seguinte. Com apresentação de Álvaro Costa e Silva, a obra ganhou revisão técnica e é fruto de um minucioso trabalho de pesquisa de mais de 10 anos, que envolveu cerca de 270 entrevistas com pessoas que conviveram com o escritor, acesso a fotografias e cartas trocadas com familiares, amigos e colegas de ofício.

Conterrâneo do escritor, Marco Antonio – que faleceu no ano de lançamento do livro e nem chegou a vê-lo nas prateleiras – mergulha nas raízes familiares de Braga, narrando, de forma cinematográfica, diversos momentos importantes de sua vida.

Aos 19 anos, como jornalista, Braga já havia coberto a Revolução Constitucionalista de 1932. Sua atuação como repórter e correspondente do Diário Carioca durante a Segunda Guerra Mundial, junto à Força Expedicionária Brasileira, na Itália, em 1945, resultou no livro Com a FEB na Itália. Atuou como cônsul e embaixador do Brasil no Chile e no Marrocos; sofreu perseguição durante o Estado Novo, pela forte oposição à política varguista, o que lhe rendeu prisões e mudanças constantes.

O livro também aborda a relação com figuras importantes do vibrante cenário cultural da época: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Clarice Lispector, entre outros. Também, as diferenças ideológicas com o crítico, escritor e líder católico Alceu Amoroso Lima, o caso com a atriz Tônia Carrero (chegou a ameaçar suicídio, se ela o deixasse) e o amor platônico por Danuza Leão.

Rubem Braga foi um caso único entre os escritores de sua geração – nunca chegou a escrever um romance. Foi um dos maiores colaboradores dos jornais e revistas – aproximadamente 15 mil crônicas, publicadas durante 62 anos de atividade jornalística. Justo a crônica, considerada pelos críticos, por vezes, como um gênero menor, engloba os melhores exemplares da produção literária brasileira de todos os tempos. Tudo culpa do “sabiá da crônica”. 

OLIVIA DE SOUZA, editora da Continente Online.

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