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“O drama é o lugar da exceção, do exagero”

Diretor de 'Casa-grande', Fellipe Barbosa faz uma reflexão sobre aspectos autobiográficos que se encontram presentes no filme

TEXTO Luciana Veras

01 de Outubro de 2014

Fellipe Brbosa

Fellipe Brbosa

Foto Mario Miranda Filho/Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Claquete" | ed. 166 | out 2014]

Ele despontou no cenário audiovisual com Beijo de sal (2006)
, curta-metragem que já evidenciava seu talento em forjar diálogos e dirigir atores. Oito anos depois, e com o documentário Laura (2011) no meio do caminho, Fellipe Barbosa circula por festivais nacionais e estrangeiros com Casa-grande. Eis algumas de suas reflexões sobre essa ficção com vários aspectos autobiográficos, cuja estreia deve ocorrer no início de 2015, com distribuição pela Imovision.

CONTINENTE De que maneira sua vida se desvela em Casa-grande?
FELLIPE BARBOSA Eu estudei no São Bento a minha vida inteira. Minha mãe era professora de francês de lá. Em 2003, quando estava começando meu mestrado em Nova York, descobri que meu pai tinha escondido de mim e da minha família essa situação de falência. Na época, foi muito duro, mas de uma forma também positiva, pois nos tornou mais próximos. O roteiro, então, foi justamente essa terapia, essa tentativa de corrigir a minha ausência: uma construção fabular, uma fantasia de como teria sido, se eu tivesse vivido isso tudo.

CONTINENTE Há muito de você no protagonista Jean?
FELLIPE BARBOSA Sim, mas o drama é o lugar da exceção, do exagero. Eu, por exemplo, peguei ônibus para ir e vir da escola muito antes do Jean. Há nele características minhas, do meu irmão, mas eu sei muito do que sou e do que não sou e do que, principalmente, não caberia no personagem. Mesmo assim, foi difícil decidir o que seria somente dele. Também não me sentia confortável em ser um dos dois mais ricos da minha turma do São Bento. O grande desafio de criá-lo era transformá-lo numa tela que seria colorida por quem quer que viesse a interpretá-lo. Como roteirista, quis partir das minhas memórias para transformar um momento de crise em oportunidade para contar essa história, e também falar dessa casa-grande que, de uma certa forma, ainda existe.

CONTINENTE Como se deu o processo de concepção do roteiro?
FELLIPE BARBOSA Comecei a escrever em 2006. Estava sempre reescrevendo o roteiro. Foram cinco, seis anos para conseguir o dinheiro. Antes, o projeto se chamava Cotas, que era um título horrível, admito, e também pretensioso. Mudei para Casa-grande, e depois comecei a pensar em um plano de abertura que legitimasse o título. Veio num sonho. Como lidei com a rejeição em diversos editais, participei com liberdade do laboratório do Festival de Sundance. Lá, recebi muitas críticas, inclusive do próprio Robert Redford, que foi meu mentor. Penso que toda crítica guarda uma preocupação legítima. Assim, assimilei algumas delas e reescrevi várias vezes o roteiro.

CONTINENTE E como você analisa seu filme?
FELLIPE BARBOSA Em Casa-grande, falo da minha casa, que é um lugar íntimo e pessoal, e, a partir daí, da cidade e do Brasil. Uma dúvida que sempre me acompanhou, e que eu compartilhava com cineastas amigos meus, era a seguinte: por que não nos incluímos nos nossos filmes? No meu caso, quis falar de uma classe alta e, ao mesmo tempo, mostrar a jornada do Jean, sua tomada de consciência, sua percepção das contradições internas de casa e externas da cidade e do país. Nesse sentido, grandes mestres franceses como Louis Malle, François Truffaut e Maurice Pialat e o cinema latino-americano de Lucrecia Martel, Alfonso Cuáron, Jorge Gaggero e Sebástian Silva, em especial os filmes A menina santa, E sua mãe também, Cama adentro e A criada, me deram força, principalmente, por tratarem de histórias pequenas, de amadurecimento pessoal, e também de seus respectivos países. 

LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.

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