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Rilke: Equilíbrio entre o semântico e o formal

Antologia traduzida por José Paulo Paes revisita obras do poeta tcheco, buscando respeitar, além do sentido das estrofes, suas rimas e metrificações

TEXTO Gianni Paula de Melo

01 de Setembro de 2012

Rainer Maria Rilke

Rainer Maria Rilke

Imagem Reprodução

O primeiro “encontro” entre José Paulo Paes e Rainer Maria Rilke se deu em 1926. Naquele ano, em julho – mês em que nasceu o escritor paulista – até novembro –, mês da morte do poeta famoso por sua obra em língua alemã –, os dois artistas comungaram o mesmo mundo; encontraram-se contemporâneos por um breve período. Mais tarde, quando, nas décadas de 1940 e 1950, o rilkianismo ganhou os leitores brasileiros e exerceu influência expressiva sobre os autores nacionais, José Paulo Paes tomou conhecimento de algumas obras do tcheco – era o segundo “encontro” dos poetas.

Suas leituras das traduções feitas para o espanhol e para o francês, no entanto, não o contagiaram como no frenesi da época. Só depois de aquirir alguma familiaridade com a língua alemã, ele retornou à poesia de Rilke, podendo, então, confrontar o texto original com as versões a que tivera acesso. Esse foi o terceiro – e decisivo “encontro” – entre eles. A partir daí, José Paulo Paes começou a esboçar as próprias traduções, pois notava que, nas existentes, o sentido era priorizado em demasia, enquanto rimas e metrificações não eram tratadas com o mesmo zelo.

Dessa forma, a antologia traduzida pelo poeta brasileiro (falecido em 1998) e editada pela Companhia das Letras se preocupa igualmente com os aspectos semânticos e formais. Na tentativa de criar um panorama representativo de Rilke, foram selecionados poemas das obras Livro de horas, Livro das imagens, Novos poemas, Réquiem, Elegias duinenses, Sonetos a Orfeu, além de outros, esparsos e póstumos. Praticamente todas as suas fases são revisitadas e notamos como seu estilo acolhe, em diferentes momentos, traços neorromânticos, simbolistas, impressionistas e expressionistas.

Antes dos poemas, o tradutor ainda faz uma apreciação ao mesmo tempo crítica e didática da obra apresentada no livro, em uma introdução que ele próprio avalia como apenas um “trabalho de divulgação”; informações compiladas e reelaboradas “em linguagem mais pedestre”. Modéstia de José Paulo Paes à parte, o texto serve como repertório que amplia as possibilidades de entendimento da poética conhecidamente metafísica de Rilke, sem a arrogância de querer decifrá-la. A intenção é apontar noções-chaves ao público sobre um poeta tão denso, e que, justamente por isso, não se esgota no esforço interpretativo. Os anjos recorrentes na sua poesia, aliás, representam um desses elementos que ficaram reféns do comportamento hermenêutico de alguns leitores diante do texto poético.

A seleta é eficaz em transmitir as preocupações e interesses do escritor que passou grande parte da vida sustentado por mecenas e teve tempo para apurar sua arte entre castelos e viagens. Resguardando sempre a solidão necessária à criação – até mesmo depois de se casar –, Rilke persegue suas dúvidas sobre a existência e recorre aos jogos de oposição/complementação para respondê-las: anjo e homem, dor e júbilo, vida e morte. E quando o assunto é Deus, sua inquietude torna-se ainda mais elevada, já que não era passivo aos dogmas ou alinhado às regras religiosas, mas estava sempre embriagado das questões próprias da espiritualidade. 

GIANNI PAULA DE MELO, repórter da Continente Online.

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