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Retorno aos zo'é

Livro documenta as duas viagens que o fotógrafo Rogério Assis empreendeu ao encontro do grupo indígena paraense

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Junho de 2014

Foto Rogério Assis/Divulgação

O ano era 1989 e o fotógrafo Rogério Assis estava trabalhando com uma equipe na produção de um vídeo institucional para a Funai, quando foi chamado para integrar outro grupo da Fundação, que estava indo às pressas ao encontro de um povo indígena até então não contatado por ela – uma etnia conhecida à época como poturu, mas que depois viria a ser reconhecida como zo’é.

O problema é que, por conta da aproximação com missões evangelizadoras, 147 desses indivíduos estavam com a saúde severamente debilitada. Rogério Assis conta que não teve tempo nem de se reabastecer, então, só levou consigo quatro rolos de filmes Tri-X. Os registros que fez nesse primeiro encontro são reputados como as primeiras fotografias dos zo’é. Essas imagens, em preto e branco, se juntam a outras que o fotógrafo paraense fez 20 anos depois, no livro Zo’é, que teve recente lançamento e exposição no Recife, no Centro Capibaribe de Imagem (CCI).

Rogério Assis está entre os fotógrafos brasileiros que se dedicam ao registro visual de grupos indígenas e seu aporte é francamente antropológico e documental. Essa especificidade torna desigual, por exemplo, a comparação entre o seu trabalho reunido neste livro e o de Claudia Andujar junto aos ianomâmi, nos anos 1970-80, e publicado em várias obras, ou o de Sebastião Salgado, entre os mesmos zo’é, no livro/exposição Gênesis (2013).

Isso porque, mesmo providas de beleza estética, as imagens de Assis apontam para uma preocupação maior com o registro de situações do cotidiano desse povo de língua tupi, que habita o noroeste do Pará, ao longo dos rios Cuminapanema, Erepecuru e Urucuriana, e que, de acordo com a antropóloga Dominique Tilkin Gallois (autora de importante texto no livro de Assis), contabiliza 270 indivíduos.

Se essa opção documental de Rogério Assis se distancia do trabalho de imensa carga poética de Andujar e do soberbamente estetizado de Salgado, ele se aproxima de registros mais fotojornalísticos, como os de Nair Benedicto, Pedro Martinelli e Milton Guran, para citar alguns. A propósito, para quem se interessa pelo tema, existe um ótimo trabalho de observação da construção da imagem do índio brasileiro pela fotografia no projeto de pesquisa Iconografia fotográfica dos povos indígenas do Brasil, que pode ser lido na página O índio na fotografia brasileira.

É curioso como tem variado a percepção de não índios sobre grupos indígenas, desde os primeiros registros fotográficos, no século 19. Vai desde uma visão do índio como o “exótico” de gabinete de curiosidades, passando pelo desejo de “pacificá-lo”, doutriná-lo, “civilizá-lo”, pelos projetos assistencialistas, de integração e preservação, até a compreensão – mais comum hoje – de que é preciso manter-se a uma distância possível e atuar pela proteção dessas comunidades, sobretudo daquelas em situação de isolamento, como é o caso dos zo’é.

A inflexão de reportagem que perpassa o livro Zo’é decorre da própria trajetória de Rogério Assis, que, radicado em São Paulo, vem trabalhando para jornais e revistas de grande circulação. Ele conta que, depois de 1989, tentou voltar várias vezes aos zo’é, mas que nenhum veículo se interessou pelo assunto. O seu retorno de três semanas, em 2009, “foi um investimento pessoal”, como ele afirma. Depois de algumas peripécias, conseguiu editar o livro pela Terceiro Nome. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

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