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Relatos: Tem uma mancha na minha calcinha

Mulheres de várias gerações e nacionalidades contam suas experiências – muitas vezes traumáticas – com a primeira menstruação

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Junho de 2012

Foto Reprodução

A primeira coisa que precisa ser dita a esse respeito: falar sobre menstruação constrange muitas pessoas. Se você puxar o assunto numa roda de amigos – homens e mulheres reunidos –, é provável que alguns se voltem para o outro lado, buscando um escape rápido do tema, e isso inclui aquelas que menstruam todo mês. Sim, a menstruação já foi assunto-tabu, e continua sendo para algumas famílias, que agem como se ela não existisse, até o limite do inevitável. Por conta disso, meninas em mutação passaram momentos de desespero, ao observarem manchas de sangue surgirem “do nada” numa parte do corpo que é também cercada de tabus e interdições: a vagina.

Por conta desse comportamento social em torno dos ciclos femininos de eliminação via fluxo sanguíneo, é muito bom ler Meu livrinho vermelho (Galera Record), em que várias mulheres contam aquilo que para elas é inesquecível: a primeira menstruação. Quem teve a ideia de reunir esses relatos foi uma garota de 18 anos, Rachel Kauder Nalebuff, e não é difícil observar que motivada pela própria experiência.

Pelo teor do volume, em que há uma centena de relatos, admitimos que serão as mulheres – e também pessoas que lidam com saúde, como psicólogos e ginecologistas – as maiores interessadas nessa leitura. Nem imagine, então, leitora, que você se sentirá constrangida diante desse livrinho simpático. Uma sensação de cumplicidade e identificação irá invadir você, pode ficar certa. De cara, lembrará da própria adolescência, quando chegou a sua vez de menstruar: onde estava, com quem compartilhou o assunto, os primeiros contatos com absorventes íntimos, aquele misto de vergonha e orgulho de passar para o outro time: o das “mocinhas”.

Cada uma tem sua história para contar e, dependendo da geração a que pertence, do país de origem, do contexto histórico e, mais importante, da cultura doméstica (relação mãe x filha aqui preponderante), essa história será mais ou menos aterradora. Um dos relatos que sintetizam bem isso em Meu livrinho vermelho é o da escritora norte-americana Erica Jong, que tem, além de um bom conteúdo, o trunfo do domínio da narrativa. Medo dos 14, 1991, título do seu relato, expressa a situação de um modo que inclui a experiência geral das garotas, a dela mesma e a de sua filha.

Há também o gracioso depoimento de Yulia, editora de uma revista de arte novaiorquina. Ela lembra que seu primeiro encontro com absorventes foi aos seis anos, quando confundiu aqueles objetos macios e branquinhos com uma cama de boneca. Levou seu novo “brinquedo” para a sala, numa noite em que seus pais recebiam visitas. Foi o suficiente para receber uma aula básica sobre menstruação. A de Yulia só viria aos 13 anos, mas ela compartilharia desde então o “segredo” com sua mamis.

São tantas histórias tocantes e honestas, que, depois de lê-las, muitas das mulheres que conhecemos não vão mais sentir aquele impulso de virar o rosto quando, numa roda de amigos, o assunto menstruação surgir. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

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