No que se conectam a certo espírito da sociedade americana – e do mundo – deste início de século 21, marcado por tragédias várias, os homens de Roth igualmente vivem, cada um a seu modo, com medo. David tem medo de perder a liberdade; Marcus, de ir à guerra; e o “homem comum”, de morrer. Vão adiante, mas logo se deparam com situações e pessoas que os fazem tomar consciência de suas limitações. São vaidosos e assertivos de um lado, apavorados e claudicantes de outro. Tal ambivalência os torna complexos, humanos, personagens marcantes como só os ficcionistas de primeira sabem criar.
Roth também sabe a importância de perturbar o leitor revelando aspectos indigestos da natureza humana e da sociedade em que se insere (mas o faz com pitadas de humor sutil). A vingança do primeiroroommate de Marcus, em Indignação, expõe o grau de baixeza que uma pessoa pode atingir, e a crítica às convenções e ao puritanismo americanos, característica de toda a obra de Roth, denuncia deficiências da cultura de seu país.
Outros temas recorrentes no escritor da mesma forma assinalam O animal agonizante, Homem comum e Indignação, como relações difíceis entre filhos e pais e as artimanhas do desejo, além do judaísmo. A religião, no entanto, está lá para ser ironizada, questionada. Os personagens são fortemente céticos: Marcus cita trechos inteiros de Por que não sou cristão, de Bertrand Russell, numa sensacional discussão com um diretor da faculdade, e o “homem comum” pensa que todas as religiões são “bobagens sem sentido, uma criancice”. Esse ceticismo encontra veículo ideal na prosa direta, seca e concisa de Roth.
O animal agonizante, Homem comum e Indignação mostram ainda a competência do autor na criação de tramas, mesmo, de narrativas em que nada é por acaso, fatos e nomes são citados en passant num momento e retomados profundamente adiante, tudo se encaixa. Roth é excelente também por isso: por suas descrições e narrações estarem unidas de maneira tão orgânica às observações argutas, que se tornam indissociáveis. Nesses três livros, isto é notável. Quem dera a literatura brasileira, em duas décadas, produzisse três romances como esses que Roth produziu em uma.
Escrevendo muito, e bem, há 50 anos, Roth já ganhou vários prêmios literários. O mais recente é o inglês Man Booker International, pelo conjunto da obra, concedido em maio. É sempre lembrado para o Nobel, e nunca o leva. Os atuais (e politicamente corretos) membros do comitê sueco já afirmaram considerar a literatura americana “insular”, preferindo premiar ficcionistas medianos como a alemã Herta Müller (2009) e o francês J. M. Le Clézio (2008) – Vargas Llosa, em 2010, foi exceção.
É realmente um equívoco: os grandes romancistas, como Roth, sabem ser universais ao ambientar suas histórias num mesmo lugar. Os dramas dos judeus americanos de classe média retratados por ele poderiam ser de qualquer pessoa. Ao entrevistá-lo na fazenda onde ele mora, em Connecticut, a jornalista Lúcia Guimarães comentou sobre o Nobel, e a injustiça parece não incomodá-lo: “Olhe essa natureza em volta. Eu ainda preciso de um Nobel?” – rebateu Philip Roth, o maior escritor da atualidade. E, com Nobel ou sem, já um dos maiores de todos os tempos.
LUCAS COLOMBO, Editor e colunista do site Mínimo Múltiplo, professor de Jornalismo Cultural da Unisinos.