De acordo com a escritora, a ideia de família quebrada é um tema frequente em seus romances e neste não foi diferente. Porém, O vento… traz essa noção de despedaço ampliada para o vínculo religioso, e, também, para a interação dos protagonistas com os elementos naturais. “Em alguns momentos, Deus e a natureza parecem negligenciar, de certa forma, esses personagens”, reflete. No arcabouço do enredo, o diálogo com o sagrado é interposto por uma prosa concisa e pragmática. O salto de linguagem causa um estranhamento que parece fazer parte da perspectiva de preservar o leitor naquele local pouco frequentado; um espaço estranho no qual curiosidade e vazio estão incessantemente juntos.
Ao mesmo tempo em que promovem algum tipo de repulsa, os sermões escritos por Almada possuem elementos ligados à hipnose; são catárticos numa medida doutrinária e perversa, o que causa certa perturbação: “Se a pessoa mais saudável que há entre vocês saísse nua no meio de uma noite chuvosa de inverno, há noventa e nove por cento de probabilidade que acabe pegando uma pneumonia. Do mesmo modo, se deixam o corpo entregue ao pecado, há noventa e nove por cento de chances que o Demônio se apodere dele. Cristo é amor. Mas não confundam amor com covardia, não confundam amor com escravidão. A chama de Cristo ilumina, mas também pode provocar incêndios”.
A argentina assegura que a tarefa fundamental de um escritor é debruçar-se sobre a linguagem. “Eu gosto de dizer que as vezes trabalhamos contra a linguagem também, no sentido de desmontar um mecanismo e trocar as peças de lugar. Em O vento… trabalhei com uma estrutura simples, pequena, econômica. Quando começo a escrever uma história, levo um bom tempo até encontrar o tom. Às vezes, esse tom está relacionado ao argumento. Neste caso, pensei que o romance deveria ser escrito como um sussurro; um murmúrio, algo parecido com o jeito dos crentes falarem com Deus”, detalha.
Apesar das possíveis conexões com a obra de Vitrúvio, a formulação do tempo em O vento que arrasa subverte toda a ideia estética da Idade Antiga, na qual a monumentalidade, formada por seus ideais simétricos e definições matemáticas, é o que era considerado belo, oportuno. O livro de Almada evoca o fascínio por uma representação das ruínas, de algo que ficou preso entre o passado e o presente. Com isso, a temporalidade é turva, inspira tanto a ideia de memória – como nos momentos de recordações empreendidos pelos personagens –, quanto a de fugacidade; uma lembrança do memento mori: o Chaco argentino como espelho, no qual você reconhece não só o fim daqueles sujeitos, mas o seu, também.
PRISCILLA CAMPOS, jornalista, mantém o blog de literatura Fuga para o Oeste.