Na verdade, o prefácio veio impresso em duas folhas à parte, porque Osman acreditava que uma obra de arte ficcional deveria vir sozinha, impondo-se pela sua grandeza, sem qualquer intervenção externa, nem mesmo um prefácio consagrador. O prefácio, aliás, era uma ideia dos editores da Melhoramentos, a que Osman aderiu, não sem um grande custo, até pelo grande respeito a Antonio Cândido.
ENGAJAMENTO
Havia, ainda, o agravante de que Osman se filiava literariamente ao nouveau roman, que na França significava alienação completa, ausência de preocupação política e social. Embora amigo de algumas figuras proeminentes desse movimento literário, o escritor pernambucano deu entrevistas e escreveu artigos explicando sua técnica e o seu distanciamento do movimento literário, apesar das aproximações estéticas. Tudo isso, é claro, durante a repercussão da obra.
Mas a crítica universitária resolveu o problema criado pela patrulha ideológica, mostrando que não havia, em Avalovara, qualquer filiação ao nouveau roman. Em Pernambuco, o escritor Hermilo Borba Filho, radicalmente político e engajado, tratou de mostrar as qualidades políticas e sociais da obra, de modo a desfazer logo todos os equívocos.
De forma que sobre Osman não caiu, de forma alguma, a acusação que ele tanto temera. Ele próprio ainda concederia outras tantas entrevistas e escreveria vários artigos mostrando-se um engajado político determinado e sério. Na verdade, o autor de Avalovara tinha grandes preocupações políticas, mas cuidava muito da forma literária, porque imaginava o romance como radical forma de arte, na sua mais expressiva manifestação.
Depois da entrevista na AIP, voltamos a nos falar poucas vezes, quase sempre por telefone, sobretudo quando ele precisava de informações sobre política e literatura pernambucana. Nas décadas de 1960 e 1970, por exemplo, as chamadas interurbanas eram feitas com dificuldade, e Osman ligava para a redação do Diario de Pernambuco, onde me encontraria sempre, porque era ali que eu trabalhava de domingo a domingo, sem intervalos.
Dono de uma voz pausada, simples, sem nenhuma afetação, no princípio queria saber como andavam os escritores mais jovens, as aspirações, os planos, as publicações. Muito rigoroso com a atividade literária, dizia que o escritor não poderia perder tempo com empregos exigentes e nem mesmo com uma coluna em jornais e revistas, porque estaria jogando energia fora. Energia e tempo. Toda a vida teria de ser usada apenas para a literatura e para os planos de obra.
Publicaria, mais tarde, A rainha dos cárceres da Grécia, com um conteúdo muito mais humano e político: a questão dos aposentados no Brasil, passando pelo drama psicológico das pessoas humildes e pela burocracia governamental que os envolve, sem cair no panfleto, mas sem ser também um livro fácil de ser lido, em que a narrativa apresenta trechos do diário da personagem principal.
É preciso não esquecer, ainda, a construção revolucionária de Nove, novena, outro livro que marca, fundamentalmente, a obra de Osman e que solidifica a sua curta, mas profunda e inquietante, obra literária. Traduzido, ganhou os melhores e mais densos elogios da crítica internacional, destacando-se a versão francesa de Avalovara, muitas vezes considerada uma obra-prima de grandeza insuperável.
RAIMUNDO CARREIRO, jornalista, escritor, autor de Tangolomango e O amor não tem bons sentimentos, entre outros.