Arquivo

Onde estivestes de noite

TEXTO CLARICE LISPECTOR
FOTO FLORA PIMENTEL

01 de Novembro de 2011

Foto Flora Pimentel

Por que não tentar, neste momento, que não é grave, olhar pela janela?

Esta é a ponte. Este o rio. Eis a penitenciária. Eis o relógio. E Recife. Eis o canal. Onde está a pedra que sinto? A pedra que esmagou a cidade. Na forma palpável das coisas. Pois esta é uma cidade realizada. Seu último terremoto se perde em datas. Estendo a mão e sem tristeza contorno de longe a pedra. Alguma coisa ainda escapa da rosa dos ventos. Alguma coisa se endureceu na seta de aço que indica o rumo de – outra cidade.

Este momento não é grave. Aproveito e olho pela janela. Eis uma capa. Apalpo tuas escadas, as que subi em Recife. Depois a pilastra curta.

Estou vendo tudo extraordinariamente bem. Nada me foge. A cidade traçada. Com sua engenhosidade. Pedreiros, carpinteiros, engenheiros, santeiros, artesãos – estes contaram com a morte. Estou vendo cada vez mais claro: esta é a casa, a minha, a ponte, o rio, a penitenciária, os blocos quadrados de edifícios, a escadaria deserta de mim, a pedra. 

FLORA PIMENTEL, fotógrafa.

Publicidade

veja também

Pesquisa: Teatro para a infância

“Não tive tempo de ser cinéfilo”

“Mesmo um filme que não fale diretamente de política, é político”