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Olaria Ocre: Um trio em torno do barro

Livro condensa imagens produzidas durante estadia de três artistas na oficina do Mestre Baixinha, em Tracunhaém

TEXTO Júlio Cavani

01 de Fevereiro de 2012

A partir das referências encontradas, Roberta Guimarães, Dantas Suassuna e Jailson Gomes produziram uma série de trabalhos

A partir das referências encontradas, Roberta Guimarães, Dantas Suassuna e Jailson Gomes produziram uma série de trabalhos

Foto Roberta Guimarães/Divulgação

Olaria Ocre, o livro, funde obras de três artistas em um único objeto gráfico encadernado, que condensa imagens e informações produzidas durante a estadia de Roberta Guimarães, Joelson Gomes e Manoel Dantas Suassuna na oficina cerâmica do Mestre Baixinha, em Tracunhaém. Cada um deles tem suas poéticas e técnicas claramente individualizadas, mas, como nas misturas do barro cozido, elas se fundem quando reunidas em textos e fotos ao longo das 312 páginas.

Apesar de ser o barro um material que sugere tons terrosos, as 42 páginas iniciais são em preto e branco. Nas primeiras 27, devido a um radical uso do alto contraste, surgem apenas essas duas cores, sem cinzas intermediários. As esculturas e desenhos de Joelson e Dantas mal podem ser identificadas até aí. As fotografias de Roberta Guimarães, entretanto, pulsam em sugestões de relevos. Ao serem anuladas as cores da argila, olha-se para sua textura, para seu aspecto amorfo, seus movimentos e contornos irregulares, traduzidos pela luz capturada pela câmera.

As peças de Dantas e Joelson são reveladas após uma longa contextualização de substâncias, materiais, pessoas, lugares e paisagens que existiram ao redor deles e de Roberta durante o processo de ocupação da olaria. As fotos integram a arte ao universo. Cada uma representa um encontro entre os três artistas e o arredor. Olaria ocre é de autoria do trio, todos se lambuzam em uma fusão temporária promovida entre as permanentes individualidades.

Emoldurados pelo ambiente humano e natural, Joelson e Dantas exploram a cerâmica para o desenho, a escultura e a pintura, muitas vezes sem separação. Pesquisam novos resultados coloridos com pigmentos dissolvidos, exploram o volume, ouvem o oco, alisam as superfícies e testam o comportamento do calor do forno.

Dantas cria sobretudo personagens e símbolos aparentemente perdidos no tempo, extraídos de alguma narrativa épica desconhecida, mitológica ou sagrada, mas não necessariamente religiosa. Joelson elabora mistérios ancestrais fictícios, abrigados em formas arredondadas com harmonia e sensualidade.

DIDATISMO
Elaborada por uma equipe editorial, conduzida pelo designer Carlós Amorim, a apresentação do material produzido pelos artistas e pela fotógrafa, em formato de livro, segue caminhos enigmáticos que aliam um certo didatismo plástico-narrativo a um ritual de expectativas e surpresas. As divisões entre capítulos estão lá, porém guiadas por signos nem sempre explícitos – cabe ao leitor identificá-los livremente.

O texto de Luzilá Gonçalves, por exemplo, serve de ilustração para o que é visto – e não o contrário. Sua literatura aparece sempre como personagem, não como narrador. As palavras da escritora são reveladas aos poucos, de maneira fluida, em páginas salteadas, em blocos de poucas frases, intercalados por tomos de imagens com quantidades e tamanhos variados.

Já as análises dos críticos de arte estrangeiros Mónica Carballas e Kevin Power, mais interpretativas ou descritivas, são diagramadas em forma de texto tradicional, em páginas brancas, lançadas no livro com bastante espaçamento entre si. Trazem notas bibliográficas oportunas e cruzam a produção dos artistas com referenciais estéticos históricos.

Mónica Carballas identifica, na vivência do grupo, “uma ralentização do tempo”, que “não está relacionada com a lentidão do gesto, do movimento ou da produção, mas com a dilatação do tempo da escuta e da atenção”.

Associada à cultura popular, a arte do barro, cujo ambiente de produção (a olaria) abrigou os três artistas, é retratada com respeito enaltecedor por Kevin Power. “Miki Lauer insiste que a arte dos subjugados sempre foi detestada e que a burguesia elaborou um sistema de arte para separar seus próprios valores, assim, justificando as linhas demarcadas para sua própria superioridade”, cita o pesquisador. E compara: “O trabalho de Joelson demonstra o contrário (assim como crê Lauer), que o rico e complexo espírito criativo é claramente manifestado nesses trabalhos – incluindo os de produção utilitária, desde que resistam à destruidora repetição do comercial e à massificação exaustiva da demanda – que podem, são e deveriam ser natural e organicamente levados ao presente, permitindo que os traços da cultura cresçam e se expandam”.

Nas palavras de Luzilá, “viajante de outras eras, de um tempo em que você nem eu existíamos, a máscara guarda estrias, traços da água abrindo passagem sobre a argila. Água, barro, não foi aqui que tudo começou, não é aqui que tudo termina?” 

JÚLIO CAVANI, jornalista.

 

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