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O terror em outra época

TEXTO Tiago de Melo Gomes

01 de Abril de 2011

O senador Joseph McCarthy (E) liderou o Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas

O senador Joseph McCarthy (E) liderou o Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas

Foto Reprodução

[conteúdo vinculado à reportagem de "História" | ed. 124 | abril 2011]

Nos anos que se seguiram aos atentados
de 11 de setembro de 2001, os EUA protagonizaram uma verdadeira caça às bruxas. Após ter sido surpreendido dentro de casa pelos terroristas, o país se viu em meio a uma histeria coletiva, na qual se acreditava que qualquer pessoa poderia ser um suspeito em potencial. Em especial, se fosse muçulmano ou de origem árabe. Após alguns anos de graves violações aos direitos civis e duas guerras malsucedidas (Afeganistão e Iraque), o ambiente começou a se dissipar. O medo do terrorismo sobrevive, mas sem que isso gere um clima dominado pela irracionalidade.

Algo muito parecido ocorreu na primeira metade dos anos 1950. Era o macarthismo, um processo que teve semelhanças com o que vimos nos anos Bush, com algumas diferenças; a principal era o fato de os inimigos serem os comunistas. Mas a intensidade foi semelhante: por razões frequentemente indefensáveis, pessoas foram presas, perderam seus empregos ou tiveram de sair do país. Tudo por serem acusadas (quase sempre sem o menor motivo) de “comunistas”.

O macarthismo não surgiu por acaso. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, o governo norte-americano estava convencido de que, após se livrar dos nazistas, o novo adversário eram os comunistas. Na verdade, a URSS, devastada pela guerra, não tinha nenhuma condição de confrontar aquela que era claramente a potência dominante do mundo pós-1945, e nem pretendia fazê-lo. Mas, na avaliação norte-americana, todo cuidado era pouco com os soviéticos, vistos como ardilosos e traiçoeiros, contrários à liberdade, empenhados numa luta sem fim para destruir o capitalismo. Assim, nos corredores da Casa Branca e do Pentágono, nascia a Guerra Fria.


Acusado de ser comunista, Charles Chaplin perdeu o visto de permanência
nos EUA. Foto: Reprodução

Mas atenção: a Guerra Fria não é um fato, ou um episódio, mas uma visão de mundo, dividido de forma maniqueísta entre “nós” (defensores do capitalismo, da liberdade) e “eles” (defensores da ditadura, mentirosos, traiçoeiros). Essa visão originou um pânico generalizado. Famílias eram estimuladas a construir abrigos subterrâneos em seus porões e estocar provisões, para o caso de um ataque nuclear. Nas escolas, crianças recebiam treinamento de como sobreviver no caso de um bombardeio soviético.

Nesse clima de histeria, não surpreende que rapidamente tenha nascido a necessidade de identificar e neutralizar os oponentes alojados dentro de seu próprio país a serviço dos soviéticos. Nascia o macarthismo, termo criado em referência a Joseph McCarthy (1908-1957), senador republicano que comandava o Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas, que funcionou como o núcleo da perseguição ao comunistas, reais ou imaginados.

ARTISTAS NA MIRA
O Comitê perseguiu sistematicamente todos os tipos de pessoas suspeitas de comunismo, fossem funcionários públicos, médicos, advogados. Mas seus alvos preferenciais estavam na indústria do entretenimento, historicamente vista pela direita norte-americana como esquerdista. E, já em 1948, uma dezena de produtores, diretores e roteiristas foram presos, suspeitos de “atividades antiamericanas” (o eufemismo legal para “comunismo”). A partir daí, nasceu a “lista negra”, pela qual passaram centenas de atores, produtores, diretores e roteiristas, a exemplo de Lauren Bacall, Humphrey Bogart, Lilian Helmut, Dashiell Hammett, entre outros. Todos foram investigados, muitos foram proibidos de trabalhar, alguns foram presos.

A maioria desses nomes é de pessoas pouco conhecidas para o público de hoje. Mas a caça às bruxas não poupou aquele que certamente é um dos maiores nomes da história do cinema: Charles Chaplin. O genial artista tinha problemas de longa data com o Federal Bureau of Investigation, FBI, já que, embora jamais tivesse militado politicamente, tinha evidentes simpatias esquerdistas. Seu filme O grande ditador (The great dictator, 1940) ridicularizava abertamente Adolf Hitler e o nazismo num momento em que os EUA ainda eram neutros na Segunda Guerra, fato que irritou o presidente Franklin Roosevelt e as autoridades federais. Chaplin acabou entrando na lista negra, e, sendo inglês de nascimento, viu o FBI revogar seu visto de permanência no país. Aborrecido, mudou-se para a Suíça e nunca mais residiu nos EUA.

Outro nome de destaque a cair na teia do macarthismo foi o brilhante cineasta Elia Kazan. Graças a seu passado comunista, Kazan foi investigado e interrogado pelo Comitê. Com sério risco de perder o visto de permanência do país (havia nascido em Constantinopla, atual Istambul, Turquia), dedurou muitos de seus colegas. Ao se livrar das garras do comitê, fez um filme que era nada menos que uma apologia da delação: o sensacional Sindicato dos ladrões (On the waterfront, 1954), com Marlon Brando no papel principal. Passou a ser odiado por muitos da comunidade artística de Hollywood, e quando, em 2009, recebeu um Oscar pelo conjunto da obra, muitos dos presentes (entre eles Sean Penn, Nick Nolte e Richard Dreyfuss) se recusaram ostensivamente a aplaudir a entrega do prêmio, como forma de demonstrar seu repúdio.

Mas tamanha aberração no seio de uma sociedade fortemente marcada por valores liberais não poderia durar. Em meados daquela década, Joseph McCarthy (até pouco tempo um obscuro senador pelo estado do Wisconsin) foi duramente atacado pelo respeitado jornalista Ed Murrow, da Rede CBS. Uma série de reportagens do seu programa See it Now mostrava os absurdos da perseguição a pessoas que jamais haviam tido qualquer contato com o comunismo, desnudando o completo desrespeito às liberdades civis que marcavam a história dos EUA. O senador que representava a luta anticomunista e a defesa de seu país passou a ser visto como um paranoico ambicioso, que havia empurrado os EUA para uma vergonhosa sequência de atos intoleravelmente semelhantes àquilo que se via em ditaduras, enquanto posava de paladino da liberdade mundial.

Desmascarado, McCarthy não perdeu o cargo de senador, mas recebeu uma reprimenda pública do senado, e perdeu toda a credibilidade. A partir daí, o macarthismo perderia força, e seu líder morreria na obscuridade em 1957. Naquele momento, a caça as bruxas já se tornara um capítulo vergonhoso da história norte-americana. 

TIAGO DE MELO GOMES, doutor em História pela Unicamp e professor de História Contemporânea da UFRPE.

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