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O pioneirismo de Astor

Criador do Clube Mágico do Recife começou sua carreira ainda na infância, de forma clandestina

TEXTO Christianne Galdino

01 de Julho de 2013

Astor

Astor

Foto Helder Tavares

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 151 | julho 2013]

A primeira varinha mágica foi ele
mesmo quem confeccionou com papelão e cola, fazendo jus à dedicação e à persistência que são traços marcantes de sua personalidade. Enfrentando a confessada timidez, Astor Antonio de Moraes Rêgo encontrou público para suas primeiras apresentações nos colegas do extinto Ginásio do Recife. O encontro com o ilusionismo se deu na infância, quando assistiu a um mágico na escola, ainda na década de 1930. Depois, no livro infantil Quebra-cabeça, mágica e passatempo, aprendeu alguns truques básicos. “Minha mãe era muito rigorosa e não gostava nem um pouco do meu interesse por ilusionismo, pois pensava que eu estava me envolvendo com magia, feitiçaria. Ela achava que mágica e magia eram a mesma coisa”, recorda Astor, filho único de Odon e Agar, que, para driblar a vigilância materna, escondia dentro dos livros e cadernos escolares suas anotações sobre mágica.

Foi assim, na clandestinidade, que ele deu os primeiros passos no seu ofício paralelo e grande paixão: a mágica. Astor queria levar a sério a brincadeira, e continuou sua busca na juventude, enquanto estudava Arquitetura na Universidade Federal de Pernambuco. Foi em uma livraria, na esquina da Rua da Aurora com a Imperatriz, no centro do Recife, que ele encontrou o caminho para o conhecimento que tanto procurava.

Explicando a importância dessa descoberta na sua carreira, Astor diz que “além dos tantos ensinamentos práticos”, os livros do precursor da arte mágica no Brasil, J. Peixoto, traziam listas de publicações sobre a técnica, em português. “Com essas informações, cheguei ao Dr. Martins Oliveira, que era filiado ao Institut International des Récréation Scientifiques (IIRS) e, mais adiante, fundou a Associação Portuguesa de Ilusionismo (API), que existe até hoje. Comecei a me corresponder com ele.”

Depois de alguns desacertos e muita troca de cartas, Martins Oliveira decidiu nomear Astor como delegado regional da instituição. A partir daí, o ilusionista teve acesso a inúmeras publicações, e começou também a importar aparelhos de mágica: de baralhos a truques mais elaborados, passando – é claro – pelas varinhas.

Como funcionário da Prefeitura do Recife, lotado no Teatro de Santa Isabel, pôde assistir à temporada do famoso mágico panamenho Chang (nome artístico de Juan Jose Pablo), que excursionava pelo Brasil: “Sombras chinesas, caça de pombos, troca de roupas. Muitas e grandes ilusões. Tudo apresentado com alto nível de excelência. Fiquei maravilhado com aquele universo. Queria atingir aquela perfeição. Então, fiz o curso de mágica por correspondência do paranaense radicado em São Paulo, Morgan, enquanto começava a me reunir com um grupo de amigos para estudar mágica”.

Um dia, leu no Boletim Mágico, de Morgan, uma notícia sobre o ilusionista pernambucano Antônio Paulo do Rêgo Pereira, que havia participado de um Congresso Nacional de Mágica. E ficou surpreso por não conhecer aquele ilusionista. “Ainda mais eu sendo um delegado regional do IIRS. Era inadmissível.” Inconformado, pegou a lista telefônica do Recife e começou a telefonar para todos os “Rêgo Pereira”, até encontrar o mágico que se tornaria um grande amigo e sócio.

O CLUBE
Com incentivo de um famoso mágico de rua daquela época, chamado Najar, Antônio Paulo e Astor fundaram o Clube Mágico do Recife, que ganhou sede própria em 8 de maio de 1965. No sobrado da Rua Ulhôa Cintra, no Bairro de Santo Antônio, centro do Recife, onde permaneceram por mais de 20 anos, eles construíram com as próprias mãos um espaço para estudo, treinamento e apresentações beneficentes,“que tinha até palco com alçapão, sistema de iluminação e som”, recorda. Mantido a partir da contribuição mensal dos mágicos associados e, principalmente, do investimento dos seus fundadores, o clube ajudou a formar muitos profissionais. E o mais importante: tornou-se um ponto de encontro e uma referência nacional, fazendo de Pernambuco o maior polo do ilusionismo do Nordeste.

Naquele tablado, muitos mágicos estrearam e adquiriram experiência, inclusive Astor, que começou adotando o codinome de Rotsa, “porque era moda naquele tempo usar, como nome artístico, seu nome próprio escrito ao contrário”. A esposa Amyrthes e as três filhas não só incentivavam, como subiam ao palco, fazendo as vezes de partners nas apresentações. Coroando essa trajetória de sucesso, no final dos anos 1980, já assinando como Mágico Astor, o fundador do Clube organizou, junto aos demais associados, um grande festival no Teatro Beberibe, do Centro de Convenções de Pernambuco.

Porém, na década de 1990, a inadimplência por parte dos sócios acabou por inviabilizar a continuidade da agremiação. O sobrado da Ulhôa Cintra já não existe, mas o Clube Mágico do Recife permanece vivo nas memórias e intenções do seu fundador. “Um ilusionista não vai muito longe sem formação, sem cultura geral. É preciso estudar para apresentar um trabalho que seja digno dessa arte. Estudar muito!”, diz o mestre, que ainda recebe em sua casa alguns jovens mágicos, em busca das suas preciosas lições.

Da varinha de papelão, feita na adolescência, à coleção de varinhas, cuidadosamente arrumada e devidamente catalogada na sua casa, em Olinda, muita coisa mudou, mas o amor pela arte mágica manteve-se e evoluiu. Aos possíveis herdeiros e tantos amantes do ilusionismo, ele ensina: “O ilusionista não ilude, ele ilusiona seu público através de sua arte, transmitindo o que há de mais belo e encantador. Iludir é enganar. Ilusionar é criar uma nova realidade, levar o público a outra dimensão. Essa é a verdadeira mágica”. 

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