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O menino das ruas do Recife

TEXTO JOSÉ IREMAR DA SILVA
FOTOS CHICO LUDERMIR

01 de Novembro de 2011

Foto Chico Ludermir

O sol começava a aparecer através dos telhados dos velhos prédios do Recife Antigo. O céu estava límpido. Ao longe, podiam-se contemplar pequenas mechas de nuvens branquinhas como se fossem de algodão, em cima daquele azul celeste. Dos bares e lanchonetes já se ouvia o ranger das pesadas portas de ferro, ao se abrirem, num cordial “bom-dia” para os fregueses do matinal cafezinho ou da saborosa “média”. Mais à frente está o monumento do Marco Zero; parecese com um pêndulo sem movimento, em contrastes com os enormes navios ancorados no cais do porto. (…)

Do outro lado da rua, a calçada estava atrativa para um bando de pombos à procura de alimento. Eles disputavam cada grão encontrado ao longo da calçada, caído dos trens ou caminhões transportadores de produtos chegados de navios, até de outros países, ou que se encontravam estocados nos grandes armazéns da Alfândega.



Nesse momento, Bô levantou-se de sua cama de papelão, abriu os braços, preguiçosamente, passou os dedos por entre os olhos, para limpar as remelas, procurou um lugar junto a parede para urinar e, em seguida, sentou-se num dos bancos da praça, a observar seus companheiros de rua. Todos dormiam sobre a calçada, encostadinhos junto à parede. Usavam camisas de meia, esticadas até os joelhos, como se fossem lençóis, na tentativa de fugir do “friozinho” da madrugada recifense.

Como num passe de mágica, a calçada deixou de ser dormitório e passou a ser transitada por pessoas que vinham dos subúrbios, cumprir mais um dia de trabalho. Eram executivos, marinheiros mercantes, garis, faxineiros, vendedores ambulantes, carroceiros, policiais, bancários e muitos outros populares. Bô atravessou a rua, acocorou-se em frente ao prédio da Bolsa de Valores. O ruído dos motores dos veículos vindos das quatro pontes que ligam o bairro do Rio Branco aos demais bairros da cidade, fez os outros meninos despertarem de um sono profundo (…). Aos poucos, os meninos iam se levantando de suas camas de caixa de papelão, impressa com figuras ou nomes de marcas famosas de produtos nacionais e até estrangeiros – doces, leite em pó, sabão em barra, congelados, equipamentos eletrônicos e tantas outras mercadorias, muitas das quais até (quem saberia?) contrabandeadas. 

CHICO LUDERMIR, fotógrafo, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.

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