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O jeitinho americano de ver o “país do futebol”

Jornalista investiga a imagem nacional nos EUA, num momento marcado pela sua estabilidade econômica frente às atuais crises internacionais

TEXTO Carolina Leão

01 de Abril de 2013

Ilustração Karina Freitas

Quem viveu sua juventude nos anos 1970 e 1980 certamente se lembra do melancólico slogan “O Brasil é o país do futuro”. A frase, que hoje pode até não ter o mesmo impacto nas novas gerações, é, na verdade, uma publicidade espontânea, disseminada com a obra do vienense Stefan Zweig. Um clássico sobre a nação brasileira, editado nos anos 1940, cuja fama foi alcançada na década seguinte, transformando-se numa espécie de codinome/mito ao longo da história. O título do livro condensava um sentimento cultural compartilhado pela elite e classe média brasileira, que, 70 anos após o lançamento deBrasil, um país do futuro, pôde abandonar a melancolia e comemorar o feito. O Brasil deixou de ser promessa e virou milagre. É o que mostra o jornalista Daniel Buarque, em Brazil – um país do presente: a imagem internacional do “país do futuro” (Editora Alameda).

O clima atual é, sem dúvida, de euforia. A economia é demarcada como turning point dessa nova realidade, alcançada após décadas de inflação e medidas emergenciais. Buarque expõe, através de depoimentos de experts em economia internacional, como e por que o Brasil se transformou num dos principais destaques da mídia americana, visto com empolgação por líderes políticos e empresários, e comemorado como esperança global.

Com um corpus de investigação objetivo, formado por índices estatísticos e pela análise do jornalismo especializado norte-americano, o livro traz uma releitura da obra de Zweig, à luz de uma interpretação contemporânea, influenciada pelo clima otimista do momento. A tarefa não é fácil. Pela própria contingência dos temas atuais, é sempre mais delicado lançar-se numa interpretação sobre o que vivenciamos e experimentamos.

Além disso, o Brasil tem uma vasta e expressiva literatura analítica sobre a sua formação e origem, que se caracteriza pelos aspectos negativos: os entraves ao nosso desenvolvimento social. Obras interpretativas com as quais intelectuais procuraram desvendar as nossas mazelas sociais e ajudaram a construir a própria identidade nacional, caso, por exemplo, de Gilberto Freyre ou Roberto DaMatta, só para citar alguns que são utilizados em obras similares a de Daniel Buarque.

O seu livro, porém, não parte de um recorte teórico tradicional. Ele obtém sua materialidade nas fontes midiáticas atuais, e na própria atuação do jornalista em seu campo de trabalho. Para compor a pesquisa, realizada em dois anos, ele viajou por 10 estados americanos, entre eles, a cosmopolita Nova York e conservadoras cidades do sul. O que traz um olhar diferenciado do campo acadêmico, no qual os temas mais espinhosos sobressaem-se.

Como referência, o autor utiliza a maior potência econômica do mundo: os EUA. A escolha, explica, veio do fato de os Estados Unidos também pautarem a forma de pensar do Ocidente. Os EUA são verdadeiros antagonistas do Brasil na história da colonização das Américas. Por lá, fez-se valer a lei do Destino Manifesto, pela qual se acreditava que a colônia e seus colonos tinham sido escolhidos por Deus para triunfar na nova terra, expandindo sua visão de mundo e religião pelo território. Max Weber, em A ética protestante e o espírito do capitalismo, demonstra com precisão o êxito dessa empreitada.


Ilustração: Karina Freitas

No Brasil, ao contrário, a ocupação se deu em meio ao espírito aventureiro, bem explica Sergio Buarque de Holanda, de milhares de portugueses que deixaram o velho continente para tentar enriquecer em terras brasileiras, extraindo vorazmente seus recursos naturais. Além disso, também coloca Buarque de Holanda, o trabalho, tido como graça divina pelos protestantes, por muito tempo foi visto como um fardo no Brasil; afinal, para a aristocracia europeia, a riqueza era uma herança genética e não um esforço de trabalho.

RECURSOS NATURAIS
No entanto, ironicamente, o Brasil, ao contrário dos EUA e de outras potências econômicas mundiais, goza de prestígio internacional por sua natureza generosa e cordialidade. Longe de grandes epidemias e catástrofes, livre de conflitos bélicos. “A interpretação externa é de que a natureza é parte integral do país e precisa ser levada em consideração neste momento em que o Brasil surfa numa perspectiva de crescimento e de consolidação da sua força global”, comenta o autor.

“Os recursos naturais faziam parte da ideia de ‘país do futuro’ apresentada por Zweig, sim, assim como a estrutura social que encontrou no país durante a guerra, a ‘cordialidade’ de um povo que não tinha um perfil bélico; a questão racial, muito do que ainda faz parte da interpretação internacional a respeito do Brasil”, completa.

Apesar de centralizar sua discussão na forma como a América do Norte vê o Brasil e ajuda a fomentar o mito que o cerca, Daniel não encontra diferenças significativas em como os EUA e a Europa observam e interpretam esse novo Brasil. Ele cita, por exemplo, recente pesquisa do King’s College, em Londres, cujo resultando aponta que os velhos estereótipos acerca do “país do Carnaval, samba e futebol” ainda ocupam o imaginário estrangeiro, mesmo que tenham perdido espaço para temáticas mais sérias, como a estabilidade econômica e política.

“Quando as economias dos países desenvolvidos entraram em colapso e o Brasil conseguiu manter-se ‘de pé’ em meio ao turbilhão internacional, ficou claro para o Ocidente que o país merecia mais atenção”, coloca.

O que pode ser também uma abordagem interessante, lembra Daniel, é a opinião dos países menos desenvolvidos sobre o Brasil. “Ao contrário da euforia que percebo em grande parte do mundo desenvolvido, países menos desenvolvidos aparentam ter uma visão diferente. Já li artigos publicados em lugares como o Paraguai e a Bolívia em que o Brasil é observado com suspeita, como sendo uma nova versão de ‘imperialismo regional’.” 

CAROLINA LEÃO, jornalista e doutora em Sociologia.

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