Sendo uma peça inédita, A morte do artista popular foi desafiante tanto para os atores quanto para o diretor. No caso dos atores – e aqui está a segunda surpresa –, eles se viram privados de tomar como modelo, quando da construção psicológica dos seus personagens, gestos e modulações à fala que, caso se tratasse de um texto já conhecido, eles poderiam utilizar como referência (como acontece com certa frequência naqueles que vão encenar as obras de Shakespeare ou Molière, por exemplo).
Assim, os atores em formação tiveram que mergulhar mais verticalmente na construção dos seus personagens e, por extensão, isso terminou por lhes dar ferramentas para uma formação mais bem-acabada (o que mostra que o curso cumpriu com os seus objetivos).
Ver jovens atores (alguns no palco pela primeira vez) levarem a termo tão competentemente uma peça como A morte do artista popular, já vale a ida ao teatro.
No caso do diretor, ter diante de si um texto inédito o salvou, de um lado, da angústia da influência (angústia que todos aqueles que se voltam para a encenação de um texto clássico são tomados, pois, inevitavelmente, têm a sua encenação comparada com as outras versões da obra que anteriormente foram levadas ao palco) e, de outro, foi instigado a criar uma encenação a partir do seu próprio conhecimento (que não é pouco) da carpintaria teatral.
O resultado, e aqui reside a grata terceira surpresa, é que vamos encontrar em A morte do artista popular um diretor completamente renovado, reoxigenado, livre de certas marcações ou traços de direção que tanto caracterizaram suas encenações anteriores, e que identificavam seu estilo como diretor.
Cadengue construiu, assim, a partir do seu repertório profissional, um espetáculo que poderia ser definido como impecável: na direção, na sonoplastia, na cenografia, nos figurinos, na iluminação e na cenotécnica. Observando que a experiência profissional não deixa de ser uma faca de dois gumes – tanto pode levar um profissional a ficar prisioneiro dos seus próprios métodos e teorias quanto pode lhe servir de ferramenta para que ele possa experimentar novos caminhos. Foi essa última opção a que foi tomada pelo diretor.
O resultado é que assistir à peça A morte do artista popular nos inscreve em um universo de surpresas. Seja pelo texto encenado (mais uma vez o teatro e o fingimento dramático são as matérias-primas de Luís Reis), seja pelo diretor que não se deixou aprisionar por fórmulas já consagradas e, principalmente, pelos atores (Roberto Brandão, Biagio Pecorelli, Ingrid de Souza, Camilla Rios, Mauro Monezi, Diogo Testa, Thaysa Zooby, Evilasio de Andrade, Tiago Gondim, Julyana Caminha, Felipe Cavalcanti e Dolores Efrem) que nos dão a certeza de que a tão decantada morte do teatro mais uma vez foi adiada.
ANCO MÁRCIO TENÓRIO VIEIRA, professor, doutor em Literatura Brasileira.