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Notícia sobre Jackson Pollock

Nascia, há 100 anos, o artista que melhor reinterpretou os postulados da pintura abstrata “inventada” por Kandinsky

TEXTO Raul Córdula

01 de Janeiro de 2012

Partindo da tela nua, o artista conferia à pintura a gestualidade que lhe era intrínseca

Partindo da tela nua, o artista conferia à pintura a gestualidade que lhe era intrínseca

Imagem Reprodução

Na América, ainda não eram tempos psicodélicos, liam-se os beatniks Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Da Europa, ainda não tinham chegado os Beatles nem os Rollings Stones, a música ainda eram blues e jazz. A vanguarda das artes plásticas era a action painting, movimento apreciado também pelos músicos que os próprios pintores amavam – tanto é que Dave Brubeck registrou na capa de dois dos seus mais famosos LPs obras de artistas como Franz Kline, em Time in outer space, e Sam Francis, em Time changes.

A action painting, assim nomeada em 1952 pelo crítico de arte Harold Rosenberg, no artigo The american action peinters, publicado na revista Art News, foi confundida por muitos com o expressionismo abstrato e também conhecida como pintura gestual. Nos anos 1950, estava em voga, era a versão americana da pintura abstrata europeia ou, ainda, da pintura tachista (de tache, mancha em francês); e seus ídolos logo começaram a surgir: o alemão Willem De Kooning, o russo Marc Rothko, os americanos Franz Kline, Robert Motherwell, Adolf Gottlib, Mark Tobey e Sam Francis, e o descendente de polonês Jackson Pollock.

Esse último foi o mais importante deles, o que melhor traduziu e reinterpretou os postulados de Kandinsky, a quem é atribuída a “invenção” da pintura abstrata, que, por sua vez, somente teve a seu favor o fato de ter chegado antes, pois a pintura mundial inevitavelmente caminhava para a superação da figura ou da realidade objetiva como tema. A figuração e outras “maneiras” pictóricas, quando voltaram a interessar aos artistas de vanguarda, vieram com a marca indelével da pintura pura, como obra em si, independentemente de seu significado literal ou temático, mas contaminada pela materialidade da tinta, da textura, da transparência e da monumentalidade, e pelas surpresas que causavam os gestos dos ataques na tela – Pollock declarou em uma entrevista: “Preferi atacar a tela não esticada, na parede ou no chão...”.

Nascido há exatos 100 anos, no Wyoming, faleceu em New Island em 1956, tendo revolucionado a pintura americana em seus parcos 44 anos de vida. Nos anos 1940, estudou em Los Angeles, mas fixou-se depois em Nova York, onde se colocou no pico da arte moderna americana. No início de sua vida artística, falou-se das influências do chileno Matta e do catalão Miró.

Dispensando o cavalete e, depois, o pincel, Pollock criava suas pinturas imiscuindo-se nelas. Foto: Reprodução

A monumentalidade da obra de Pollock não se encontra nas grandes dimensões que falseiam os conceitos de obra magnífica. Monumentalidade pode ser entendida também como ausência de dimensões, a característica que uma obra de arte tem de ser grandiosa tanto vista diretamente como em uma reprodução. A Guernica, de Picasso, é uma obra monumental de grandes dimensões, porém, suas gravuras da série Tauromaquia são pequenas, mas também monumentais. Pollock foi um pintor de grandes quadros, cuja maioria – os de sua fase madura – era pintada com a tela estendida no chão. Ele disse que pintava, assim, inspirado nos índios que faziam desenhos de areia no oeste americano.

No Brasil, com exceção de quem viaja, suas obras só são conhecidas através de reproduções – nem por isso, quem vê uma imagem de sua obra pela primeira vez deixa de se impressionar e, talvez, notar que ele é um dos maiores artistas do mundo. Sua forma de pintar sem dizer nada, sua maneira de derrotar qualquer sugestão temática com a representação textural da pintura, sua agressividade poética são coisas que não passam despercebidas do olhar mais complacente.

O crítico de arte Clement Greenberg, famoso pelo teor filosófico que imprimiu em seus ensaios sobre a arte moderna, foi seu grande amigo e teórico, e o chamou de o melhor pintor de sua geração, não só pela surpreendente força de sua obra, mas também pela atitude renovadora do seu “fazer” artístico, transformador da “pintura de cavalete”.

Ao lado da colecionadora Peggy Guggenheim, mulher do pintor Max Ernst e herdeira da fortuna de Salomon Guggenheim, fundador do museu que leva o nome da família – homenageando o filho desaparecido numa excursão pela África em busca de objetos de arte autóctone –, Greenberg sacralizou para o mundo a maturidade moderna da arte americana, ao dizer que a melhor produção da arte de vanguarda não estava na Europa, mas na América. Dessa arte, Pollock foi o mais apolíneo representante, e, da arte de sua época, o mais dionisíaco contestador. A arte americana deve, portanto, a Greenberg o aval à geração que ocupou seu lugar definitivo no mundo, geração centenária, hoje.

O álcool e a velocidade tiraram Jackson Pollock do convívio das gentes numa noite de farra, quando virou seu carro numa curva da estrada. O artista subiu aos céus das estrelas de uma sociedade que ancora seus sentimentos na ideologia do sucesso, e que chora seus mortos como se os aplaudisse. 

RAUL CÓRDULA, artista plástico, crítico de arte e ensaísta.

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