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Nona arte: Nonsense em traço preciso

Álbum 'Strips!', do britânico Brian Bolland, diverte o leitor pelo caráter absurdo, enquanto envolve pelo virtuosismo técnico que lembra mestres do gênero

TEXTO Danielle Romani

01 de Junho de 2013

Imagem Reprodução

Os anos 1980 foram cruciais para as histórias em quadrinhos. Foi nessa década que o público pôde acompanhar uma transformação no comportamento e personalidade dos, até então, caretas super-heróis, a partir do lançamento da graphic novel Batman, o Cavaleiro das Trevas, do norte-americano Frank Miller. A série não apenas trazia um Batman embrutecido, fascistoíde e raivoso – uma antítese do mocinho de décadas atrás – como mostrava a preocupação das editoras em produzir álbuns elaborados e investir em novos profissionais de diversas nacionalidades.

Nesse período, os vilões também se tornaram protagonistas, roubando a cena, a exemplo do Coringa, personagem principal da Piada mortalgraphic assinada por Alan Moore e Brian Bolland.

Foi exatamente nessa fase, pegando carona em títulos da DC e da Marvel, que os autores e desenhistas ingleses invadiram o mercado, mostrando que podiam ser tão bons ou melhores que os congêneres americanos.

Os britânicos Neil Gaiman, Alan Moore, Dave Mckean e Brian Bolland são produtos dessa safra premiada. E se, inicialmente, ativeram-se ao cast de superpoderosos e mascarados da indústria de quadrinhos americana, rapidamente puderam mostrar ao grande público a maestria e originalidade dos seus trabalhos autorais. A maioria deles, acima de média. Verdadeiros deleites para os aficionados da “nona arte”.

Entre os ingleses, Brian Bolland foi o que menos se destacou por essas paragens. Só agora, com o lançamento do álbum Strips!, publicado com o selo da Nemo, pode mostrar a grandeza do seu trabalho, que conjuga desenho primoroso e roteiro preciso.


Imagem: Reprodução

Strips! é dividido em duas partes. A primeira traz a série de histórias – geniais, diga-se de passagem – conhecidas como A atriz e o bispo, que mostram uma atriz sensual, e usando pouca roupa, convivendo com um bispo trajado com os paramentos tradicionais do cargo.

Ao contrário do que se pode pensar, não há pornografia, nem cenas de sexo, nem frases chulas, nem críticas abertas à Igreja. Apenas uma narrativa que beira o surreal e o nonsense, bem ao estilo do igualmente britânico Lewis Carrol.

O desenho utilizado por Bolland também é inusitado, pelo menos para os que estão acostumados a acompanhá-lo nas tramas de super-heróis. Nesse caso, observa-se preciosismo e domínio técnico excepcionais: cada quadrinho é desenvolvido com tamanhos detalhes, que, em alguns momentos, lembram os traços de autores clássicos, como Will Eisner. Prova de que Briand Bolland domina o desenho e é capaz de transitar por vários estilos.

O conjunto – argumento e traço – transforma as histórias dessa improvável dupla num dos trabalhos mais fascinantes da geração de ingleses. Com ele, Bolland não tem nada a dever a Alan Moore ou Gaiman.

A segunda fase do livro é mais conhecida e tem o traço mais sujo e rápido, típico do cartum e da crítica: nela se poderá rever as desventuras do sr. Mamoulian, um homem de meia idade às voltas com diversas questões existenciais. Muitos afirmam que as histórias são autobiográficas. Elas também refletem o humor melancólico e inteligente dos britânicos. Mestres da elegância e do nonsense

DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.

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