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Nem parece que foi outro dia que ele virou cronista

Publicitário aposentado, Joca Souza Leão lança 'Crônicas', livro composto por mais de 200 textos que revelam seu gosto por certos temas do cotidiano

TEXTO Olivia de Souza

01 de Outubro de 2013

Joca Souza Leão

Joca Souza Leão

Foto Divulgação

"Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica.”

Publicitário aposentado, Joca Souza Leão segue as orientações acima, reproduzidas do “escriba de coisas miúdas”, Machado de Assis, como o próprio se definiu nesse labor essencialmente jornalístico. E, da mesma forma que surge, a crônica – trivial, inesperada e pautada na banalidade do cotidiano – pode se esvair no dia seguinte, junto com o resto do jornal, pois “é leitura rápida, fugaz, consumida junto com as notícias do jornal”.

Cronistas possuem um pé lá e outro cá: escrevem pautados na realidade, porém, abrindo-se para o “vazio” e suas diversas possibilidades: invenção, inspiração, opinião – no fim das contas, sua realidade pessoal. “Percepções, visões, opiniões, contemplações, alumbramentos e críticas. Pessoais. Coloquiais como uma conversa entre autor e leitor. Bem-humorada ou desaforada, refletida ou passional, isenta ou apaixonada, doce ou salgada. Ficção ou realidade”, define Joca, em um de seus textos.

O gosto precoce pela literatura foi determinante para que Joca descobrisse a vocação para redator publicitário quando, aos 17 anos, teve um poema seu publicado no Jornal do Commercio e recebeu o convite para trabalhar numa agência. O mesmo periódico que serviu como pontapé inicial de sua carreira hoje divulga suas crônicas aos sábados. Motivado por uma cobrança cada vez maior de seus leitores para que compilasse esses textos em livro, Joca preparou uma antologia que abarca o período de 2006 a julho de 2013.

O livro Crônicas, agora publicado pela Cepe Editora, é um apanhado dos textos que não se atêm a assuntos específicos, apesar de temas cotidianos como urbanismo e preservação do patrimônio histórico serem bastante recorrentes entre os seus interesses. Organizado cronologicamente, o livro abre com a crônica Saravá, publicada em 2006, em que Joca se despede da propaganda e abre caminhos para outras vertentes de sua escrita, que não a de anúncios publicitários.

“Eu tentei separar as crônicas por temas. Mas vi que não funcionava, porque alguns eram mais recorrentes que outros. Há um diálogo entre as crônicas que, de certa forma, impõe a cronologia. Muitas vezes um texto se relaciona com o outro, posso tanto anunciar no texto o tema da crônica seguinte, como também me reportar a assuntos publicados anteriormente”, comenta. Em outros momentos, Joca propõe reflexões acerca do próprio ofício, como em Só cronista se explica, sobre como este tem de se justificar o tempo inteiro, ou estabelecer distinções entre crônica, artigo e ensaio. “Minha pauta é tudo, sempre pela ótica do autor, e não pela da notícia. Articulista nunca precisa se explicar, mas o cronista, sempre. Porque a crônica publicada no jornal entra em notícias, e, de certa forma, ela tem um pé na realidade”, opina.

Joca garante que não tem o famoso “medo do branco”. E assunto nunca lhe falta – reflexo disso é a quantidade de crônicas selecionadas para a antologia – mais de 200. Publicadas semanalmente, elas devem ser entregues impreterivelmente às quintas-feiras, até o meio-dia (em jargão jornalístico, o famoso deadline). E, nesse contexto, Joca desenvolveu um método de trabalho bastante eficiente, que o livra de qualquer perigo de faltar texto na hora H. “Acho que eu e todos os cronistas trabalhamos com uma coisa chamada gaveta. Sempre tenho alguma coisa que já escrevi com antecedência, três, quatro, cinco textos. Quando tenho menos de quatro textos escritos, já vou ficando agoniado”, revela Joca.

Ele diz que, a depender da iniciativa do escritor, o próprio “branco” pode virar de problema a solução: “O cronista gosta muito de escrever sobre o ‘deu branco’. Tem uma crônica maravilhosa de Rubem Braga sobre isso. O céu é o limite para ele”, garante. E quando faltar ideia para um título? Vale a receita de Para escrever uma crônica, texto que precede a antologia: “Não perca tempo. Bote um título qualquer, depois você muda. Escreva seu nome e logo abaixo o e-mail (se quiser). Pronto! Começar você já começou. Vamos ao texto.” 

OLIVIA DE SOUZA, editora da Continente Online.

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