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Moscouzinho: Pequeno trabalho de invenção

Em seu primeiro livro, Gilvan Barreto parte da memória para realizar um belo conjunto de imagens ficcionais

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Dezembro de 2012

Foto Reprodução

Nas trocas de emails com as pessoas que escreveriam textos para seu livro, Moscouzinho (editora Tempo d’Imagem), Gilvan Barreto apontava o que chamava de “fronteiras”, que se estabeleciam naquele processo de criação e que podemos entender como “zonas de conflito ou tensão”. Primeira fronteira: entre os fatos do passado e a interpretação que deles fazemos. Segunda: entre documentos históricos e as ficções que criamos sobre eles. Terceira: os limites entre a fotografia clássica e os caminhos que ele mesmo trilhava, buscando densidade, textura, imperfeição, ou, dito de outra forma, procurando dar à fotografia a marca humana e não da tecnologia.

Essas fronteiras estavam sendo vivenciadas pelo fotógrafo, que foi derrubando os próprios pressupostos do início dessa “viagem” em torno de si e da memória. Quando pensou em Moscouzinho, Gilvan tinha em mente um trabalho documental, no estilo tradicional da fotografia “sem autor”, que busca no mundo seus temas e deles extrai uma objetividade que sublima o indivíduo, suas marcas.

Para que fique clara sua proposta, falemos um pouco sobre o tema do trabalho. “Moscouzinho” é um apelido da cidade de Jaboatão dos Guararapes, assim chamada por ter sido a primeira a ter um prefeito comunista no Brasil, isso lá pelos idos dos anos 1940. A esse elemento “externo”, agregava-se outro, da história pessoal do fotógrafo. Seu pai, de quem herda o nome entre outros bens imateriais e profundos, havia atuado na política de esquerda em Jaboatão, onde a família vivia, e sido perseguido pela ditadura militar por conta disso. Gilvan estava impregnado dessas memórias e, enquanto trabalhava no projeto, perdeu sucessivamente o pai e a mãe. Moscouzinho passava a ser uma homenagem póstuma.

Diante dos episódios aqui apresentados – que extinguem fronteiras entre passado e futuro, o que está fora e dentro de nós, o que é verdade e o que é invenção –, não tinha como Gilvan manter-se na linha da objetividade documental pretendida. Inquietavam-no, ainda por cima, as regras da fotografia documental, problematizadas, por exemplo, pelas experiências da arte contemporânea. Tomem-se essas “zonas de conflito” como aquilo que fundamenta Moscouzinho.

Assim, não pretenda “a verdade fotográfica” diante desse livro de imagens. Veja-o como um mergulho fundo de alguém na própria história, para o qual todos os recursos possíveis fora mobilizados: leituras, viagens, pesquisa em campo, reprodução de documentos, artesania, encenação de memórias da infância, uso de diferentes equipamentos e técnicas fotográficas. Para contar sua Moscouzinho, Gilvan se expôs e não temeu enfrentamentos. “O ‘personagem’ desta história”, conceitua ele, “enfrenta o luto, sofre, cria embates com a religião, com a ditadura, com a saudade. Tenta se libertar de todas as amarras.”

A respeito do seu aspecto físico, o livro, de pequeno formato, recebeu um atencioso tratamento editorial, com o cuidado da impressão e bom uso de cores e papel. As fotografias estão impressas sem margens nas páginas, detalhe importante, porque, no que elas “sangram” pelas bordas, transcendem o espaço delimitado da página como se elas mesmas extrapolassem quaisquer ideias de fronteiras. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

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