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Mônica: Uma menina (enfezada) de ouro

Mais famosa cria das HQs nacionais chega aos 50 anos como motor do maior império erguido por um desenhista brasileiro

TEXTO Paulo Floro

01 de Abril de 2013

Mônica, de Mauricio de Sousa

Mônica, de Mauricio de Sousa

Imagem Reprodução

Com adjetivos nada lisonjeiros de gordinha, baixinha e dentuça, Mônica, 50 anos, ficou conhecida por milhões de leitores brasileiros, desde que surgiu numa tira de Cebolinha, publicada na Folha de S.Paulo, no dia 3 de março de 1963. A personagem iria trilhar um caminho de sucesso ainda inédito no mercado editorial brasileiro – e até hoje não ultrapassado. Seu criador, o cartunista e empresário Mauricio de Sousa, 77 anos, conseguiu construir um universo que se renovou através de gerações e sobreviveu a intempéries, graças à estratégia de acompanhar os interesses de seu público-alvo. Mônica continua a ser a menina enfezada que distribui coelhadas. Mas também existe como a garota do título Turma da Mônica Jovem, hoje, a única HQ que ultrapassa 1 milhão de exemplares vendidos no Brasil.

Conhecida como personagem do universo infantil, Mônica ganhou versão adolescente com traços inspirados no mangá, beijou seu grande amor desde a infância, Cebolinha, e até se casou. Todo esse desenvolvimento de uma personagem tão famosa teve repercussão na mídia. “Quando criei os personagens não imaginei essa situação”, disse Mauricio de Sousa. “Era uma turminha de seus sete anos de idade, em média. Há alguns anos, percebemos que as crianças de 10, 12 anos para cima deixavam de ler a turminha clássica, por acharem coisa de criança. Então, migravam para o mangá. Por isso, vimos que era a hora de fazer algo para não perder esses leitores. O sucesso da Turma da Mônica Jovem comprova que acertamos.”

Turma da Mônica Jovem aproveita não só o traço do mangá, mas o estilo de histórias seriadas, criando um apelo colecionista típico dos leitores desse gênero de HQ. Com aventuras mais sofisticadas, traz uma releitura de todos os personagens do universo da turma, desde Anjinho até Chico Bento, em versões teens cheias de referências ao universo contemporâneo dos jovens.

Hoje, o título é o mais vendido no Ocidente, com média de 600 mil cópias por edição, ultrapassando até mesmo gigantes como Marvel e DC Comics. Nos EUA, um gibi do Homem-Aranha não chega a 200 mil. Segundo dados da Mauricio de Sousa Produções, as revistas das diversas linhas com os diferentes personagens vendem 30 milhões de exemplares por ano. Outro cálculo estima que 1 bilhão de revistinhas foram comercializadas desde 1970, quando a primeira revista da Mônica foi às bancas.


Piteco, por Shiko, é uma das graphic novels lançadas
pela Mauricio de Sousa Produções. Imagem: Reprodução

Falar a um público tão amplo gera a responsabilidade de se manter atualizado frente às demandas dos leitores. “Nossa preocupação é sempre estar antenados com o leitor. Atualizados com a linguagem e os sonhos de crianças e jovens num mundo que realmente muda a cada instante. O que nos ajuda muito é essa interatividade que a internet nos proporciona e também a percepção dos assuntos mais comentados”, diz Mauricio.

RELEITURA
Foi essa mentalidade de Maurício de Sousa que proporcionou mudanças editoriais ousadas para a Turma da Mônica nos últimos anos. Em 2009, com o mote do aniversário de 50 anos de carreira, a editora Panini e a Mauricio de Sousa Produções lançaram uma obra comemorativa que convidou 50 novos quadrinistas para criar versões autorais dos personagens das HQs. O livro MSP 50 - Mauricio de Sousa por 50 artistas fez sucesso e acabou dando origem a uma trilogia, com MSP + 50, em 2010 e MSP Novos 50, no ano seguinte. Além de artistas que são promessas no cenário de quadrinhos, como Gustavo Duarte, Raphael Salimena e Vitor Cafaggi, os livros trouxeram convidados renomados como Ziraldo, Laerte, Mozart Couto, Angeli e Fábio Moon. Os pernambucanos Laílson Cavalcanti e Mascaro participaram da homenagem. Mais do que chamar atenção para as personagens, os livros mostraram que Mauricio segue como autor relevante para diversas gerações de artistas. “Ter 150 desenhistas cuidando com carinho dos meus personagens é algo que comove”, comenta.

Ao lado da Turma da Mônica Jovem, essa trilogia de livros-homenagem foi um marco para definir o papel importante que Mauricio de Sousa tem hoje para os quadrinhos nacionais. “Todo mundo leu Mônica em algum momento da vida. Esses personagens são parte da nossa cultura”, diz Sidney Gusman, diretor editorial da Mauricio de Sousa Produções e um dos arquitetos desse novo panorama da editora. Foi ele quem teve a ideia dos MSPs.


A Mauricio de Sousa Produções também lançou a graphic novel
Astronauta Magnetar, por Danilo Beyruth. Imagem: Reprodução

“Antes desses projetos que recriaram os personagens da Turma da Mônica, o mercado atual enxergava Mauricio de Sousa como uma pessoa distante, um empresário bem-sucedido que vivia do conforto do sucesso alcançado”, explica Gusman. “A distância acabou. Acredito que hoje ele seja um nome cult.” Pelo impacto que tem na cultura popular e pelo alcance de várias gerações, o pai de Mônica é comparado aos cartunistas Will Eisner e Osamu Tezuka, pela influência que suas obras tiveram para os EUA e Japão, respectivamente.

Os livros do MSPs acabaram se tornando catálogos da atual produção de quadrinhos no Brasil. Revelaram nomes e levaram o trabalho de veteranos para um público amplo. Por conta da boa acolhida, em 2012, foi dado início ao projeto das graphic novels assinados por artistas. O primeiro, Astronauta - Magnetar, de Danilo Beyruth, foi a HQ nacional mais vendida do ano e esgotou com apenas uma semana em bancas. A trama aborda questões filosóficas como a solidão, ao mesmo tempo em que faz referência aos quadrinhos infantis da Turma.


Primeira publicação de Mônica foi na edição de 11 de fevereiro de 1963 da Folha de São Paulo. Imagem: Reprodução

O paraibano Shiko foi outro artista convidado a ter um álbum autoral. “Eles enxergaram meu estilo de desenho, bastante apropriado ao personagem Piteco, que se passa na pré-história. Estou muito empolgado e devo passar todo o primeiro semestre me dedicando a finalizar esse projeto”, disse. O livro está programado para novembro. Antes, sairá o Turma da Mônica: ciclos, assinado pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, considerados revelações dos quadrinhos nos últimos dois anos.

Para comemorar o aniversário de 50 anos de Mônica foram pensados relançamentos históricos, duas exposições, peças de teatro, um novo site, selo dos Correios, série de TV, além de novos licenciamentos, que incluem até mesmo uma rede de fast-food e uma doceria (tino comercial sempre foi o forte do quadrinista). Pai ciente do sucesso da cria, Mauricio de Sousa investiu R$ 5 milhões para promover o cinquentenário em 2013. Depois de atingir a puberdade e renascer como ícone cult em HQs autorais, Mônica se prepara para chegar à maioridade. O autor revelou que planeja uma versão adulta para 2016. Será um passo importante para a dentuça de vestido vermelho, que nasceu como coadjuvante de Cebolinha e alcançou sucesso como poucos personagens no país.

O REPÓRTER POLICIAL QUE CRIOU A MENINA DENTUÇA


O criador Mauricio de Sousa (D) e a filha Mônica (E), que inspirou a "baixinha, gorducha e dentuça" mais famosa dos quadrinhos brasileiros. Foto: Divulgação

Mauricio de Sousa era um repórter policial de 27 anos, quando pediu uma chance de mostrar uma proposta de tira de humor para a redação do jornal em que trabalhava, a Folha de S.Paulo. Cebolinha teve sua estreia no dia 3 de março de 1963 e foi uma aposta do periódico, contando inclusive com anúncio na primeira página, em fevereiro do mesmo ano, antecipando a novidade. Em seu primeiro quadrinho de vida, Mônica, arretada da vida, desfere uma potente coelhada na cabeça do dono da tira. Segundo o criador, o sucesso da menina dentuça com o público foi tão grande, que chegaram muitos pedidos para que ela ganhasse mais espaço.

Maurício se inspirou em sua filha, Mônica Spada e Sousa, então com três anos de idade. Ele se apropriou dos traços mais marcantes, como a estatura baixa, os dentes grandes e as gordurinhas, além do fato da menina carregar um coelho de pelúcia velho e surrado. Hoje, a Mônica real trabalha junto com o pai como diretora comercial e tem dois filhos, uma moça de 30 anos e um rapaz de 27. Depois de ficar conhecida nas tiras de Cebolinha, a personagem ganharia sua primeira revista em 1970. Outros filhos – são 10 ao todo, de quatro casamentos – também ganharam versões de papel. Magali, Marina, Nimbus (inspirado em Mauro), as gêmeas Vanda e Valéria, Dr. Spam (Mauricio Spada) e Do Contra (Mauricio Takeda).

Mauricio, que morava em São Paulo nos anos 1960, foi ao Rio apresentar sua criação às grandes editoras da época, como a Ebal, que alegou não ter interesse por ser um material “muito paulista”. Na Rio Gráfica, futura Globo, falaram: “Deixa aí que, quando tiver espaço em alguma revista do Mandrake ou Fantasma, a gente usa”. Chegou a trabalhar com Ziraldo na revista O Cruzeiro, mas voltou para São Paulo. Em 1970, conseguiu juntar uma equipe para lançar a Mônica pela editora Abril.

O primeiro número foi lançado com tiragem de 200 mil exemplares e tornou-se um sucesso. A personagem e sua turma foram levados para o cinema em 1982 e ganharam um parque temático em 1992. Nesses 50 anos, o traço mudou, o temperamento forte ficou mais brando e a heroína abordou temas como inclusão social, preconceito, direitos da infância e adolescência, pobreza. Caso raro de protagonista feminina, ela conseguiu atravessar séculos com um empoderamento ainda pleiteado por muitas mulheres.

PAULO FLORO, jornalista.

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