Falar a um público tão amplo gera a responsabilidade de se manter atualizado frente às demandas dos leitores. “Nossa preocupação é sempre estar antenados com o leitor. Atualizados com a linguagem e os sonhos de crianças e jovens num mundo que realmente muda a cada instante. O que nos ajuda muito é essa interatividade que a internet nos proporciona e também a percepção dos assuntos mais comentados”, diz Mauricio.
RELEITURA
Foi essa mentalidade de Maurício de Sousa que proporcionou mudanças editoriais ousadas para a Turma da Mônica nos últimos anos. Em 2009, com o mote do aniversário de 50 anos de carreira, a editora Panini e a Mauricio de Sousa Produções lançaram uma obra comemorativa que convidou 50 novos quadrinistas para criar versões autorais dos personagens das HQs. O livro MSP 50 - Mauricio de Sousa por 50 artistas fez sucesso e acabou dando origem a uma trilogia, com MSP + 50, em 2010 e MSP Novos 50, no ano seguinte. Além de artistas que são promessas no cenário de quadrinhos, como Gustavo Duarte, Raphael Salimena e Vitor Cafaggi, os livros trouxeram convidados renomados como Ziraldo, Laerte, Mozart Couto, Angeli e Fábio Moon. Os pernambucanos Laílson Cavalcanti e Mascaro participaram da homenagem. Mais do que chamar atenção para as personagens, os livros mostraram que Mauricio segue como autor relevante para diversas gerações de artistas. “Ter 150 desenhistas cuidando com carinho dos meus personagens é algo que comove”, comenta.
Ao lado da Turma da Mônica Jovem, essa trilogia de livros-homenagem foi um marco para definir o papel importante que Mauricio de Sousa tem hoje para os quadrinhos nacionais. “Todo mundo leu Mônica em algum momento da vida. Esses personagens são parte da nossa cultura”, diz Sidney Gusman, diretor editorial da Mauricio de Sousa Produções e um dos arquitetos desse novo panorama da editora. Foi ele quem teve a ideia dos MSPs.
A Mauricio de Sousa Produções também lançou a graphic novel
Astronauta Magnetar, por Danilo Beyruth. Imagem: Reprodução
“Antes desses projetos que recriaram os personagens da Turma da Mônica, o mercado atual enxergava Mauricio de Sousa como uma pessoa distante, um empresário bem-sucedido que vivia do conforto do sucesso alcançado”, explica Gusman. “A distância acabou. Acredito que hoje ele seja um nome cult.” Pelo impacto que tem na cultura popular e pelo alcance de várias gerações, o pai de Mônica é comparado aos cartunistas Will Eisner e Osamu Tezuka, pela influência que suas obras tiveram para os EUA e Japão, respectivamente.
Os livros do MSPs acabaram se tornando catálogos da atual produção de quadrinhos no Brasil. Revelaram nomes e levaram o trabalho de veteranos para um público amplo. Por conta da boa acolhida, em 2012, foi dado início ao projeto das graphic novels assinados por artistas. O primeiro, Astronauta - Magnetar, de Danilo Beyruth, foi a HQ nacional mais vendida do ano e esgotou com apenas uma semana em bancas. A trama aborda questões filosóficas como a solidão, ao mesmo tempo em que faz referência aos quadrinhos infantis da Turma.
Primeira publicação de Mônica foi na edição de 11 de fevereiro de 1963 da Folha de São Paulo. Imagem: Reprodução
O paraibano Shiko foi outro artista convidado a ter um álbum autoral. “Eles enxergaram meu estilo de desenho, bastante apropriado ao personagem Piteco, que se passa na pré-história. Estou muito empolgado e devo passar todo o primeiro semestre me dedicando a finalizar esse projeto”, disse. O livro está programado para novembro. Antes, sairá o Turma da Mônica: ciclos, assinado pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, considerados revelações dos quadrinhos nos últimos dois anos.
Para comemorar o aniversário de 50 anos de Mônica foram pensados relançamentos históricos, duas exposições, peças de teatro, um novo site, selo dos Correios, série de TV, além de novos licenciamentos, que incluem até mesmo uma rede de fast-food e uma doceria (tino comercial sempre foi o forte do quadrinista). Pai ciente do sucesso da cria, Mauricio de Sousa investiu R$ 5 milhões para promover o cinquentenário em 2013. Depois de atingir a puberdade e renascer como ícone cult em HQs autorais, Mônica se prepara para chegar à maioridade. O autor revelou que planeja uma versão adulta para 2016. Será um passo importante para a dentuça de vestido vermelho, que nasceu como coadjuvante de Cebolinha e alcançou sucesso como poucos personagens no país.
O REPÓRTER POLICIAL QUE CRIOU A MENINA DENTUÇA
O criador Mauricio de Sousa (D) e a filha Mônica (E), que inspirou a "baixinha, gorducha e dentuça" mais famosa dos quadrinhos brasileiros. Foto: Divulgação
Mauricio de Sousa era um repórter policial de 27 anos, quando pediu uma chance de mostrar uma proposta de tira de humor para a redação do jornal em que trabalhava, a Folha de S.Paulo. Cebolinha teve sua estreia no dia 3 de março de 1963 e foi uma aposta do periódico, contando inclusive com anúncio na primeira página, em fevereiro do mesmo ano, antecipando a novidade. Em seu primeiro quadrinho de vida, Mônica, arretada da vida, desfere uma potente coelhada na cabeça do dono da tira. Segundo o criador, o sucesso da menina dentuça com o público foi tão grande, que chegaram muitos pedidos para que ela ganhasse mais espaço.
Maurício se inspirou em sua filha, Mônica Spada e Sousa, então com três anos de idade. Ele se apropriou dos traços mais marcantes, como a estatura baixa, os dentes grandes e as gordurinhas, além do fato da menina carregar um coelho de pelúcia velho e surrado. Hoje, a Mônica real trabalha junto com o pai como diretora comercial e tem dois filhos, uma moça de 30 anos e um rapaz de 27. Depois de ficar conhecida nas tiras de Cebolinha, a personagem ganharia sua primeira revista em 1970. Outros filhos – são 10 ao todo, de quatro casamentos – também ganharam versões de papel. Magali, Marina, Nimbus (inspirado em Mauro), as gêmeas Vanda e Valéria, Dr. Spam (Mauricio Spada) e Do Contra (Mauricio Takeda).
Mauricio, que morava em São Paulo nos anos 1960, foi ao Rio apresentar sua criação às grandes editoras da época, como a Ebal, que alegou não ter interesse por ser um material “muito paulista”. Na Rio Gráfica, futura Globo, falaram: “Deixa aí que, quando tiver espaço em alguma revista do Mandrake ou Fantasma, a gente usa”. Chegou a trabalhar com Ziraldo na revista O Cruzeiro, mas voltou para São Paulo. Em 1970, conseguiu juntar uma equipe para lançar a Mônica pela editora Abril.
O primeiro número foi lançado com tiragem de 200 mil exemplares e tornou-se um sucesso. A personagem e sua turma foram levados para o cinema em 1982 e ganharam um parque temático em 1992. Nesses 50 anos, o traço mudou, o temperamento forte ficou mais brando e a heroína abordou temas como inclusão social, preconceito, direitos da infância e adolescência, pobreza. Caso raro de protagonista feminina, ela conseguiu atravessar séculos com um empoderamento ainda pleiteado por muitas mulheres.
PAULO FLORO, jornalista.