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Moebius: Mestre do fantástico e da ficção científica

A saga completa de 'Incal', que coroaria a trajetória de Jean Giraud como um dos maiores ilustradores da arte serial, ganha relançamento

TEXTO Danielle Romani

01 de Abril de 2012

Mantém-se atual o futurismo da obra de Moebius, a exemplo do mítico 'Incal'

Mantém-se atual o futurismo da obra de Moebius, a exemplo do mítico 'Incal'

Imagem Reprodução

Em 1991, durante a Bienal de Quadrinhos do Rio, alguns dos maiores mestres das HQs mundiais circularam pela capital fluminense: o italiano Sergio Bonelli, “pai” do ranger Tex Willer; o norte-americano Will Eisner, criador das modernas graphic novels e do clássico The Spirit; e o francês Jean Giraud, o Moebius, podiam ser facilmente vistos pelos visitantes da sede do evento, na Fundição Progresso, na Lapa.

Eram, à sua maneira, simpáticos, acessíveis e conscientes de que as HQs tinham um longo caminho para percorrer até que se consolidassem como arte. Não agiam como celebridades, mas com disponibilidade frente aos fãs e aos autores nacionais que os seguiam por todas as partes. Hoje, duas décadas depois, os três se foram, deixando um espaço irrecuperável nas artes sequenciais, mas cumprindo a missão de serem referência para apreciadores e artistas. Dos três autores citados, Moebius foi o último a partir. Morreu na madrugada do dia 10 de março, legando-nos uma vasta obra que o consolida como um dos mais importantes autores da atualidade.

Naquele início da década de 1990, os três eram uma síntese do que havia de melhor nos quadrinhos do período. Bonelli tinha na bagagem a criação do mais famoso caubói de todos os tempos, um produto autoral de sucesso comercial, vendido aos milhares nas bancas de revistas de toda parte. Eisner, conhecido pelo The Spirit dos anos 1940-1950, começava a se firmar com as novelas gráficas. E Moebius já era reverenciado como um mestre da ficção científica e do fantástico.

Antes de se tornar famoso nesse universo, Moebius fez nome na área do western. Desenhista de Blueberry, espécie de cowboy fora da lei, criado e produzido entre os anos de 1963 e 1964 em parceria com Jean-Michel Charlier, ele assinava como Gir, derivado de Jean Giraud, seu nome de batismo. Rebelde, amigo dos índios e extremamente sentimental, Blueberry era o anticaubói. Um personagem gauche, bem ao sabor do clima contracultural do período, e notadamente inspirado no western spaghetti italiano, que influenciou vários outros gêneros.

O pseudônimo Moebius – emprestado do matemático alemão August Ferdinand Moebius – foi criado exatamente para definir o outro “lado” e estilo de trabalho. Para nomeá-lo nos seus projetos mais autorais e artísticos.

A importância do artista, que também foi criador da revista Metal Hurlant, na década de 1970, não se alterou com o tempo. Ao contrário de muitos que enveredaram pela ficção científica, e que foram atropelados pelos avanços tecnológicos reais, suas histórias não são datadas e continuam atraentes, seja pelos argumentos, seja pelas imagens, que inspiraram filmes como Duna e Blade runner. As cidades futuristas imaginadas por Moebius contaminaram toda a estética cinematográfica pós-moderna, pautando os cenários e figurinos que seriam vistos na maioria dos bons filmes de ficção das últimas décadas. Artistas gráficos, como o pernambucano Watson Portela, autor do cultuado Paralelas, tiveram em Moebius uma declarada fonte de inspiração.

CYBERPUNK
Entre os grandes parceiros artísticos de Jean Giraud-Moebius, nos seus 73 anos de vida, destaca-se Dan O’Bannon, com quem produziu The long tomorrow. Mas foi com Alejandro Jodorowsky que ele manteve a colaboração mais duradoura e bem-sucedida. Com o argumentista chileno, lançou Incal, que o coroaria como maior ilustrador mundial de ficção científica.

Lançada em capítulos entre os anos de 1981 e 1988, a série mostra os apuros vivenciados pelo detetive John Diffol, que se vê às voltas com um ser mítico, o incal que dá nome ao livro, e que nos leva a passear por um mundo cyberpunk, com castas superiores e inferiores, pelas quais são caracterizados os indivíduos – assassinos interplanetários e seres inconcebíveis. A saga completa, numa edição bem cuidada, foi lançada no Brasil pela Devir Livraria, coincidentemente, semanas antes da morte do francês.

Moebius também costumava escrever as próprias histórias. A garagem hermética é sua obra seminal: protagonizada pelo Major Gurbert, a série é confusa, mas nem por isso deixou de arrebatar milhares de fãs, que se renderam ao desenho preciso e às situações inusitadas criadas pelo autor. Estudiosos da sua obra afirmam que ele a desenhava sem saber exatamente o que iria conceber. Por isso, o nonsense dos acontecimentos. Dizem que ela era, na verdade, um espaço para o exercício da escrita e da ilustração.

Arzach, um herói alado é outro trabalho magistral, pautado praticamente na narrativa visual. Os que procuram argumentos mais consistentes, e mais fantásticos, beirando o horror, terão em Absoluten calfeutrail e Outras histórias um bom canal para conhecer a narrativa absurda, onírica e com fortes pitadas de terror produzida pelo autor.

A obra do artista francês também conta com o lado pop. Juntamente com Stan Lee, um dos ícones da Marvel Comics, Moebius recriou O surfista prateado, numa graphic novel considerada um dos marcos dos anos 1980, que terminou adaptada para o cinema por Hollywood. 

DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.

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