CADEIRAS, CADEIRAS
A outra parte dos trabalhos mais recentes do artista dialoga com pesquisas conduzidas por ele há alguns anos. Nos últimos eventos dos quais Márcio Almeida participou – a feira de arte Pinta London Modern and Contemporary Art From Latin America (Londres), a exposição Cruzamentos: Contemporary art in Brazil (Columbus) e a I Bienal do Barro do Brasil (Caruaru), no ano passado, e a mostra Art from Pernambuco (Londres), neste ano –, veem-se processos criativos que continuam a ter eco na nova exposição do artista na Amparo 60.
A obra Skylab, nomeada por Márcio Almeida de “objeto instalativo”, remete-se à instalação Arrimo UR11, exibida na feira londrina. A criação recém-apresentada exibe uma cadeira de madeira dobrada, presa na parede. Na superfície dela, fitas nas cores azul, amarela e branca formam um jogo de retângulos. Trata-se de uma homenagem ao pintor Mondrian. O termo Skylab, ao mesmo tempo em que era o nome de uma estação espacial norte-americana que caiu no mar em 1979, nomeia uma comunidade no Recife. Ao lado da cadeira, no chão, um assento de couro trançado lembra a trama de latitudes e longitudes de um GPS. Uma associação entre o local e o internacional.
Em Arrimo UR11 estão outras cadeiras. São duas, uma de frente para a outra. Unem-se por agrupamentos de tijolos aparentes. “A obra me lembra a história dos puxadinhos em bairros sem planejamento. As famílias aumentam, surgem novas necessidades, e as pessoas criam andares por cima de suas casas. ‘Arrimo’ significa segurança. Então, o que deveria ser segurança se torna uma arquitetura estranha, que é o que aquelas cadeiras representam”, detalha.
Mais uma vez, o agrupamento de cadeiras recebe o nome de comunidades ou bairros recifenses periféricos. Elas estão presentes na série de fotografias Como construir colmeias, agora exibida. Nas imagens, as cadeiras aparecem ora sustentadas por empilhadeiras, ora alinhadas, ou desordenadas.
Na exposição O abrigo e o terreno, que aconteceu no Museu de Arte do Rio em 2013, uma instalação de Márcio Almeida trazia uma empilhadeira a sustentar, no lugar de uma cadeira, uma cama. Na mostra Contra_Uso, no Santander Cultural em 2012, o artista se utilizava de cadeira, cercada por tijolos aparentes.
A mania do artista por esse objeto utilitário deixa uma pulga atrás da orelha. “Para mim, a cadeira e a cama são dois objetos que representam pertencimento. O sentar e o deitar. Quando você vê cada um desses objetos, vem imediatamente ao cérebro a imagem de um corpo, sentado ou deitado”, explica o artista. Ainda que possa tergiversar acerca da verdadeira causa de sua mania por cadeiras, Márcio abre as janelas para se pensar sobre a capacidade dos objetos de provocar sentimentos no homem. Quem sabe, os caminhos do homem, bicho geográfico, cujo destino é um lugar de pertencimento, não esteja em uma geografia mais curta: nos objetos capazes de provocar, na sua mente, a imagem do próprio corpo. Sentado, deitado ou em pé, vestido ou nu, talvez.
BÁRBARA BURIL, jornalista.