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Márcio Almeida: A busca por pertencimento

Artista apresenta trabalhos ligados à ideia de deslocamentos urbanos, questão pertinente ao ambiente político atual

TEXTO Bárbara Buril

01 de Julho de 2015

'Ver-de-vir - Caminhos de um bicho geográfico' integra a série 'Como construir colmeias', de 2014

'Ver-de-vir - Caminhos de um bicho geográfico' integra a série 'Como construir colmeias', de 2014

Foto Divulgação

O que significa morar? O que nos dizem os trânsitos humanos? Como as ocupações dos espaços urbanos relacionam-se com os afetos? Quais são os poderes e os limites da geopolítica nacional e internacional? Essas perguntas integram, direta ou indiretamente, dilemas concernentes a uma única questão: como o ser humano pode pertencer a algo ou a algum lugar. O artista visual recifense Márcio Almeida tem abraçado o questionamento filosófico nos últimos anos, em obras de arte claramente processuais.

Na exposição Ver-de-vir – Caminhos de um bicho geográfico, que fica em cartaz na Galeria Amparo 60 até 11 de julho, Márcio Almeida apresenta trabalhos que resultam de um constante work in progress, inegavelmente sintonizado com questões políticas atuais. Na exposição, o artista apresenta obras fortemente políticas, como a instalação Efeitos colaterais. Duas escadas de madeira estão separadas, na galeria, pelo espaço de um metro. Ligam-se apenas por uma pilha de coletes salva-vidas. No topo de cada uma delas estão colados pedaços de garrafas de vidro. Fácil lembrar os naufrágios que causaram a morte de centenas de africanos no Mar Mediterrâneo, em longas travessias em direção à Itália, no início deste ano. “Daniel (o artista Daniel Santiago) me disse que eu havia previsto o acontecimento, porque a obra já estava pronta. O que eu queria dizer é que, para entender o outro, é preciso ir em direção a ele. Não adianta vê-lo a partir da própria escada. A minha intenção era refletir sobre fronteiras e vizinhanças. Sobre como a entrada e a saída delas também podem ser espinhosas”, diz.

No entanto, apesar de os fatos não terem sido previstos pelo artista, a obra ganhou um tecido ainda mais político após a ocorrência dos naufrágios. É interessante notar que, apesar de parte dos seus trabalhos mais recentes serem continuações de pesquisas já iniciadas sobre questões políticas especificamente brasileiras, como a ocupação urbana desregulada, há obras da nova exposição que tratam dos “caminhos de um bicho geográfico” em um habitat que não é seu. É possível notar, em suas novas criações, as rotas de um estrangeiro em um país que não fala a sua língua.

A guinada temática do sentimento do que é ser estrangeiro não parece ser por acaso: as últimas exposições de Márcio Almeida aconteceram fora do país, em Bruxelas, Londres e Columbus (EUA), em 2014. Na nova série de trabalhos Paseo sobre el país, o artista mostra pinturas e intervenções sobre colagens de partes de notícias publicadas no periódico espanhol El País. “Quando eu estava em Londres, recebia diariamente, no hotel, uma edição do jornal. Como não sei falar inglês muito bem, o meu contato com o mundo vinha da leitura do periódico espanhol. Imagine: você estar em Londres, mas só saber do que está acontecendo na Espanha”, conta o artista. Além dela e da instalação Efeito colateral, Dois pesos e duas medidas também acolhe questionamentos sobre como o pertencimento humano consegue atravessar fronteiras culturais e geopolíticas.


Márcio Almeida não realizada uma mostra individual no Recife
desde 2006. Foto: Ivaldo Bezerra/Divulgação

CADEIRAS, CADEIRAS
A outra parte dos trabalhos mais recentes do artista dialoga com pesquisas conduzidas por ele há alguns anos. Nos últimos eventos dos quais Márcio Almeida participou – a feira de arte Pinta London Modern and Contemporary Art From Latin America (Londres), a exposição Cruzamentos: Contemporary art in Brazil (Columbus) e a I Bienal do Barro do Brasil (Caruaru), no ano passado, e a mostra Art from Pernambuco (Londres), neste ano –, veem-se processos criativos que continuam a ter eco na nova exposição do artista na Amparo 60.

A obra Skylab, nomeada por Márcio Almeida de “objeto instalativo”, remete-se à instalação Arrimo UR11, exibida na feira londrina. A criação recém-apresentada exibe uma cadeira de madeira dobrada, presa na parede. Na superfície dela, fitas nas cores azul, amarela e branca formam um jogo de retângulos. Trata-se de uma homenagem ao pintor Mondrian. O termo Skylab, ao mesmo tempo em que era o nome de uma estação espacial norte-americana que caiu no mar em 1979, nomeia uma comunidade no Recife. Ao lado da cadeira, no chão, um assento de couro trançado lembra a trama de latitudes e longitudes de um GPS. Uma associação entre o local e o internacional.

Em Arrimo UR11 estão outras cadeiras. São duas, uma de frente para a outra. Unem-se por agrupamentos de tijolos aparentes. “A obra me lembra a história dos puxadinhos em bairros sem planejamento. As famílias aumentam, surgem novas necessidades, e as pessoas criam andares por cima de suas casas. ‘Arrimo’ significa segurança. Então, o que deveria ser segurança se torna uma arquitetura estranha, que é o que aquelas cadeiras representam”, detalha.

Mais uma vez, o agrupamento de cadeiras recebe o nome de comunidades ou bairros recifenses periféricos. Elas estão presentes na série de fotografias Como construir colmeias, agora exibida. Nas imagens, as cadeiras aparecem ora sustentadas por empilhadeiras, ora alinhadas, ou desordenadas.

Na exposição O abrigo e o terreno, que aconteceu no Museu de Arte do Rio em 2013, uma instalação de Márcio Almeida trazia uma empilhadeira a sustentar, no lugar de uma cadeira, uma cama. Na mostra Contra_Uso, no Santander Cultural em 2012, o artista se utilizava de cadeira, cercada por tijolos aparentes.

A mania do artista por esse objeto utilitário deixa uma pulga atrás da orelha. “Para mim, a cadeira e a cama são dois objetos que representam pertencimento. O sentar e o deitar. Quando você vê cada um desses objetos, vem imediatamente ao cérebro a imagem de um corpo, sentado ou deitado”, explica o artista. Ainda que possa tergiversar acerca da verdadeira causa de sua mania por cadeiras, Márcio abre as janelas para se pensar sobre a capacidade dos objetos de provocar sentimentos no homem. Quem sabe, os caminhos do homem, bicho geográfico, cujo destino é um lugar de pertencimento, não esteja em uma geografia mais curta: nos objetos capazes de provocar, na sua mente, a imagem do próprio corpo. Sentado, deitado ou em pé, vestido ou nu, talvez. 

BÁRBARA BURIL, jornalista.

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